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Confira neste post tudo que precisa saber sobre os critérios diagnósticos de diabetes.

O que é diabetes?
Para diagnosticar, é importante saber a definição: “Diabetes melito (DM) refere-se a um grupo de distúrbios metabólicos comuns que compartilham o fenótipo da hiperglicemia” (Harrison, 19ª Ed). Assim, essa doença, cujo nome de origem latina significa a junção de “fluido por” ou “passar através” com “doce como o mel”, marca a presença elevada de glicose no sangue e, por consequência, na urina, o que explica a motivação de seu nome.
Como é dito nessa clássica definição do livro Harrison de Medicina Interna, é um grupo de distúrbios metabólicos. Diante disso, há diferentes motivos para essa hiperglicemia, sendo os principais:
- Secreção reduzida de insulina;
- Menor utilização de glicose;
- Maior produção de glicose;
- Ou mais de um desses acima.
E a classificação clínica nos tipos de diabetes se dá pelo que causa DM no paciente, isto é, pela etiologia.
Classificação
Por ser uma doença comum, você já deve conhecer a classificação em tipo 1 e tipo 2. Essa classificação é motivada pela etiologia da DM e pelo perfil clínico do paciente.
Tipo 1
No tipo 1, o paciente apresenta deficiência total ou quase completa do hormônio insulina, que é responsável por provocar a entrada da glicose do sangue para dentro das células. Ele induz a maior presença de glicose no sangue, isto é, maior glicemia. Esse processo é causado pela destruição autoimune das células b pancreáticas produtoras de insulina.
O diagnóstico do paciente nesse tipo, geralmente, dá-se na juventude, antes dos 30 anos, decorrente de uma produção ineficiente de insulina pelo pâncreas desde sempre. Contudo, nem sempre é na juventude, é possível que o processo autoimune de destruição ocorra depois, de forma mais lenta e progressiva chamada de latent autoimune diabetes in adults (LADA).
Tipo 2
Já o tipo 2 possui mais causas, é caracterizado por, segundo Harrison, “graus variáveis de resistência à insulina, menor secreção de insulina e maior produção de glicose”. Antes, era chamado de não-insulino dependente. Porém, esse termo não é mais usado, pois é usada a insulina para controle de glicemia também em alguns casos.
O tipo 2 é o mais comum, em torno de 90-95% dos pacientes com DM; é incrivelmente o tipo em que a genética mais influencia, tendo forte herança familiar e que geralmente aparece naqueles pacientes que apresentam a chamada síndrome metabólica. Embora geralmente desenvolva-se em pacientes de mais idade, o tipo 2 tem se instaurado cada vez mais em pacientes mais jovens, em função da associação com síndrome metabólica e aumento da frequência dela em pacientes jovens.
Diferentemente do tipo 1, o sujeito com tipo 2 é capaz de retornar a níveis de glicemia normais caso modifique seu estilo de vida, por exemplo, com a perda de peso e a prática de atividade física. Já o tipo 1 apenas pode ser remediado pelo uso de insulina, por enquanto pelo menos. Quem sabe no futuro seja possível implantar ilhotas de Langerhans saudáveis que produzam insulina no pâncreas desses pacientes!
Conceito rápido: o que é síndrome metabólica?
Lá na década de 80, Reaven percebeu uma associação entre obesidade, hipertensão e alterações na glicose e no colesterol (https://www.endocrino.org.br/sindrome-metabolica/). Depois dele, muitos outros cientistas confirmaram essa associação e perceberam a relação dessa síndrome com o estilo de vida contemporâneo de sedentarismo, estresse, dieta hipercalórica pouco nutritiva com excesso de carboidratos e gorduras, sobretudo saturadas, e a enorme relação com a DM tipo 2.
Pré-diabetes, risco aumentado de diabetes ou hiperglicemia intermediária
Trata-se de um estado de risco aumentado de diabetes. Já há desarranjo metabólico na homeostase da insulina e glicemia desse indivíduo, quase na intensidade que ocorre na DM. É extremamente importante que seja detectado com prontidão, para que possa ser contornado e não evolua para DM.
Outros tipos de DM
Diabetes melito gestacional (DMG)
Resumidamente, é um estado hiperglicêmico que pode ocorrer no final da gestação devido a alterações metabólicas do processo gestacional. Habitualmente, resolve-se com o parto, porém indica risco de desenvolvimento de DM nos próximos 10 a 20 anos.
É importante contornar esse estado hiperglicêmico com medicação, sendo a maior causa de alto peso ao nascer de recém-nascidos. Além de complicar o parto e das consequências da hiperglicemia na própria mãe, há também indício de aumento nas taxas de obesidade infantil nessas crianças cujas mães não controlaram de forma eficaz a glicemia durante a gestação.
Como obesidade infantil é associada à obesidade adulta e, por consequência, com a síndrome metabólica, é importante que o ginecologista obstetra acompanhe a glicemia da gestante, principalmente mais para o fim da gestação.
A Diretriz de Diabetes de 2019/2020 levanta como fatores de risco para DMG:

Defeitos genéticos no desenvolvimento ou na função das células b
Nessa categoria, há inúmeros defeitos genéticos que se encaixam na categoria MODY (maturity-onset diabetes of the young), traduzido livremente ao português como diabetes de início na maturidade do jovem e o diabetes neonatal.
Segundo Harrison, trata-se de uma herança autossômica dominante, de início precoce de hiperglicemia (<25 anos, podendo ser no período neonatal) por comprometimento na secreção de insulina.
Outros
A DM também pode ser causada por problemas no receptor de insulina e secundário a:
- Doenças no pâncreas exócrino;
- Endocrinopatias, por exemplo, síndrome de Cushing;
- Fármacos ou substâncias como glicocorticoides;
- Infecções, como citomegalovírus ou coxsackie;
Há ainda as formas de diabetes imunomediadas, ou seja, causadas pelo sistema imune, como anticorpos antirreceptor de insulina e outras síndromes genéticas que se associam também à DM, como síndrome de Down.
Diagnóstico
A hiperglicemia define a DM. É, portanto, o que define o diagnóstico. Logo, deve-se solicitar exames de sangue que analisem o nível de glicose no sangue. A tipo 1 descobre-se mais facilmente por apresentar sintomas, como a cetoacidose diabética em um terço dos casos. Contudo, o desafio é detectar a tipo 2, que corresponde à imensa maioria dos casos, por poder ficar anos assintomática ou oligossintomática na maioria dos pacientes até o surgimento de consequências do estado crônico de hiperglicemia.
Por ser uma doença silenciosa, na DM2, apenas poucos pacientes apresentam os famosos sintomas clássicos de hiperglicemia (polidipsia, poliúria, polifagia e emagrecimento inexplicado). Diante disso, é recomendado rastreio de rotina da glicemia daqueles pacientes com maior chance de DM tipo 2, sendo os exames laboratoriais de rastreio:
- Glicemia de jejum ou glicemia plasmática em jejum (GPJ), coletada depois de um jejum calórico de, no mínimo, 8h;
- Hemoglobina “glicada” ou hemoglobina A1c (HbA1c), que analisa os últimos 3-4 meses e sofre menos variação do estado de jejum do paciente, porém sofre interferência no caso de anemias, hemoglobinopatias e uremia.
Imagino que você esteja se perguntando onde está o teste de tolerância a glicose (TOTG). Isso mesmo, NÃO está no rastreio. Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, ele deve ser solicitado caso um desses anteriores indique estado de pré-diabetes ou risco aumentado de DM. Não deve ser solicitado nem com o diagnóstico já dado de DM, pois é relevante solicitá-lo nos pacientes com pré-diabetes, por servir para detectar a perda da primeira fase da secreção de insulina.
Quais são os pacientes com maior chance de DM tipo 2 e que precisam realizar o rastreio com regularidade?
Segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes de 2019/2010, o rastreio de DM2 deve ser solicitado naqueles com > 45 anos regularmente e naqueles com < 45 anos na seguinte situação:

Finalmente, quais os critérios laboratoriais para o diagnóstico?
Pela diretriz atual de diabetes, a confirmação “requer a repetição dos exames alterados, idealmente o mesmo exame alterado em segunda amostra de sangue na ausência de sintomas inequívocos de hiperglicemia”, isto é, poliúria, polidipsia, polifagia e perda ponderal. No entanto, naqueles pacientes que apresentam esses sintomas, deve ser realizada a dosagem de glicemia ao acaso, não havendo necessidade de repetir caso, na glicemia aleatória, dê > 200 mg/dL.
A diretriz, portanto, adota os seguintes critérios:

É importante notar que o teste da “glicose 2 horas após sobrecarga com 75g de glicose (mg/dL)” é o teste oral de tolerância à glicose (TOTG).
No caso da DMG, o diagnóstico é mais específico e segue a tabela a seguir da International Association of the Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG) e da OMS:

Resistência à insulina é DIFERENTE de dizer intolerância à glicose
Resistência à insulina se refere à resposta reduzida de respostas celulares à insulina; o paciente que produz insulina, porém não responde apropriadamente. A intolerância à glicose, por outro lado, baseia-se no resultado do teste de tolerância à glicose (TOTG), caso esteja alterado, significa que o paciente tem intolerância à glicose.
Por que diagnosticar diabetes?
Sua importância acontece devido às complicações do diabetes, como retinopatia, nefropatia, neuropatia, doença coronariana, doença cerebrovascular e doença arterial periférica. Além disso, as diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes de 2019/2020 também afirmam que a diabetes pode contribuir para agravos do sistema musculoesquelético, digestório, na função cognitiva, saúde mental e se associar a câncer.
Autor: Victoria Pinto