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Historicamente as doenças causadas pelo Coronavírus, tais como SARS (em 2002) e MERS (em 2012), costumam deixar sequelas crônicas, como a redução da capacidade pulmonar, aumento de ansiedade e depressão, fadiga, distúrbios do sono e redução de escores de qualidade de vida¹.
Mais de um ano após o primeiro relato da doença por SARS-CoV-2, muitas são as informações acerca das complicações e sequelas desta.
Sabe-se atualmente que, além de gerar infecção respiratória, o vírus SARS-CoV-2 acomete outros sistemas do corpo humano, como sistema nervoso, gastrointestinal, cardiovascular, dentre outros. Ao longo da pandemia, algumas pessoas infectadas pela Covid-19 começaram a relatar a persistência de alguns sintomas gerados pela infecção, alguns durante meses. Em uma revisão sistemática, 73% dos pacientes tiveram pelo menos 1 sintoma persistente². Atualmente esses sintomas crônicos são denominados como “COVID longa, pós-aguda ou síndrome pós-COVID” ³.
Os sintomas mais comuns na síndrome pós-covid-19 (SPC-19) são fadiga, dispneia, dor articular e distúrbios do sono ², bem como complicações de comorbidades prévias dos pacientes ⁴. A clínica da SPC-19 apresenta, segundo estudos, padrão flutuante com remissão intercalada por períodos de piora dos sintomas ⁵.
Em alguns casos há comprometimentos mais marcantes e graves, tais como inflamação do miocárdio, injúria renal aguda, disfunções dermatológicas e disfunções neurológicas e psiquiátricas (anosmia, perda de memória, depressão, mudanças de humor, entre outras) ⁵.
Cabe citar que desde maio de 2020 tem havido relatos de uma síndrome hiper inflamatória em crianças e adolescentes, temporariamente associada à COVID-19, denominada Síndrome Inflamatória Multissistêmica (SIM-P). Pode surgir de dias até semanas após infecção pelo SARS-CoV-19 mesmo em casos assintomáticos ⁷. Abordaremos mais a respeito adiante.
Os fatores de risco mais associados às complicações da COVID-19 são: idosos, tabagistas, comorbidades prévias como hipertensão, obesidade, diabetes, enfermidades crônicas cardiovasculares, renais, hepáticas e pulmonares prévias e pacientes oncológicos e imunossuprimidos ⁶.
Manejo
Como toda boa avaliação clínica, cabe nos casos de SPC-19, uma investigação direcionada à abordagem integral do paciente de forma pragmática e sem investigações excessivas e desnecessárias ⁴ :
- Ouvir com empatia;
- Coletar a história completa desde o primeiro sintoma da infecção aguda por Covid-19;
- Excluir complicações e causas secundárias do sintoma persistente, se necessário com exames complementares e tratamentos específicos e/ou multidisciplinares;
- Investigar, avaliar e manejar comorbidades descompensadas de acordo com protocolos vigentes, otimizando os cuidados;
- Investigar os sintomas atuais com anamnese e exame físico completo, manejando estes de acordo com protocolos vigentes na APS;
- Orientar cuidados da saúde integral do paciente, como dieta alimentar balanceada, qualidade de sono, limitar ingestão de bebidas alcoólicas e estimulantes, cessar tabagismo e aumento ou inserção gradual de atividade física quando for possível;
- Avaliar e manejar cuidados à saúde mental bem como às circunstâncias sociais do paciente.
Encaminhamentos
Após estes cuidados e quando não houver resposta às abordagens iniciais, deve-se avaliar a necessidade de encaminhamento ao serviço especializado e para reabilitação física, de acordo com disfunções focais. A maioria dos pacientes conseguem aguardar melhora gradual dos sintomas sem a necessidade de serviços especializados ⁴. Se suspeita ou diagnóstico de complicações que necessitam de cuidados intensivos agudos, como tromboembolismo, miocardite, evento neurológico agudo, dentre outras, deve-se encaminhar o paciente ao serviço de emergência ³.
Assim também deve-se dar cuidadosa avaliação à necessidade de cuidados especializados e à reabilitação multidisciplinar em pacientes que foram manejados com cuidados de terapia intensiva durante a internação por COVID-19 ⁶.
Síndrome Inflamatória Multissistêmica associada à COVID-19 em crianças
Definida como uma inflamação sistêmica após infecção por coronavírus,
a SIM-P é rara e tem predomínio nas idades de 6 a 12 anos. Os critérios são:
Evidência de infecção por COVID-19, febre elevada (>38ºC) por 3 dias ou mais associada a marcadores inflamatórios elevados e 2 dos achados abaixo.
- Erupção cutânea ou conjuntivite bilateral sem secreção purulenta ou sinais de inflamação muco-cutânea
- Choque ou hipotensão arterial
- Manifestações de disfunção miocárdica
- Achados laboratoriais de coagulopatia
- Sintomas gastrointestinais agudos
Deve-se excluir outras causas infecciosas. O manejo se dá com internação hospitalar de preferência em unidade de terapia intensiva ⁷.
Deve-se ressaltar que os efeitos a longo prazo da COVID 19 serão mais bem explanados com estudos longitudinais em grandes populações e com tempo suficiente, sendo que alguns estudos já estão em andamento.
Autora: Giuliane Alêssa
Instagram: @giualessa13
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.
Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.
Referências
- Organización Panamericana de la Salud / Organización Mundial de la Salud. Alerta Epidemiológica: COVID-19, complicaciones y secuelas. 12 de agosto de 2020, Washington, D.C. OPS/OMS. 2020
- JAMA Netw Open. 2021;4(5):e2111417. doi:10.1001/jamanetworkopen.2021.11417.
- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia.TelessaúdeRS (TelessaúdeRS-UFRGS). Avaliação e Manejo de sintomas prolongados de COVID-19.Porto Alegre: TelessaúdeRS-UFRGS; Out 2020 [citado em 21 Out 2020]. Disponível em:https://www.ufrgs.br/telessauders/documentos/Avaliacao_e_manejo_de_sintomas_prolongados_covid.pdf.
- Greenhalgh T, Knight M, A’Court C, Buxton M, Husain L. Management of post-acute covid-19 in primary care. BMJ. 2020 Aug 11;370:m3026. Doi 10.1136/bmj.m3026
- Pan American Health Organization, World Health Organization. Epidemiological Alert: Complications and sequelae of COVID-19 – 12 August 2020. Geneva; 2020 Aug 12 [citado em 14 Out 2020]. Disponível em:https://www.paho.org/en/documents/epidemiologicalalertcomplications-and-sequelae-covid-19-12-august-2020
- H. Ahmed et al. Long-term clinical outcomes in survivors of coronavirus outbreaks after hospitalisation or icu admission: a systematic review and meta-analysis of follow-up studies. J Rehabil Med. 2020
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. “Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) potencialmente associada à COVID-19”. 2020. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22682b-NA_-_NotificacaoObrigatoria_no_MS_dos_SIM-Covid19.pdf