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Deficiência de biotinidase: você conhece sobre? | Colunistas

Deficiência de biotinidase: você conhece sobre? | Colunistas

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A biotina, conhecia também como vitamina B7, é uma vitamina hidrossolúvel encontrada em alimentos como cereais integrais, algumas hortaliças, carnes, pescado, ovos e vísceras (como o fígado).

Esta vitamina é essencial para o funcionamento do organismo, uma vez que atua na produção de glicogênio, convertendo ácidos graxos e carboidratos em fonte de energia, deste modo garantindo aporte energético para que as células funcionem normalmente e produzam as proteínas.

Atuação da biotina

Em síntese, a biotina atua como cofator da enzima piruvato carboxilase, especializada no transporte de dióxido de carbono (CO2), participando da formação do oxaloacetato, no processo de gluconeogênese. Se torna também indispensável para a saúde da pele, cabelo e unhas. (BORSATTO, 2014; LARA, 2010)

A biotina não é sintetizada pelo organismo, sendo necessária então sua obtenção através da alimentação. Ela é ingerida ligada a proteínas e para que sua absorção aconteça é necessário a ação de enzimas como a biotinidase, para que libere e seja absorvida na forma livre.

Quando já se encontra no organismo a biotinidase também atua na reciclagem da biotina e deste modo reduz a necessidade de oferta alimentar da vitamina.(BORSATTO, 2014)

O déficit de biotinidase

Como sabemos, as enzimas são indispensáveis para o funcionamento do organismo, uma vez que exercem ações de suma importância e a deficiência de alguma pode ocasionar em distúrbios metabólicos. Não seria diferente com a biotinidase.

A deficiência de biotinidase é uma doença metabólica de herança autossômica recessiva com mais de 140 mutações descritas, na qual a obtenção de biotina através da dieta se encontra prejudicada, assim também como sua reciclagem no organismo, o que desencadeia alterações em algumas carboxilases dependentes de biotina. (BORSATTO, 2014; Ministério da saúde, 2015; LARA, 2010)

A deficiência de biotinidase é dividida em dois subgrupos: total ou parcial. Se caracteriza por total quando a atividade sérica da biotinidase é inferior a 10% do normal e na parcial os pacientes possuem entre 10 a 30% da atividade normal da enzima. (Ministério da saúde, 2015)

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas apresentadas são diversas, assim também como sua gravidade, sendo muito variável de paciente para paciente. Estudos apontam que os sinais podem aparecer entre a primeira semana de vida até os 10 anos de idade e em alguns casos só aparecem durante a adolescência, entretanto a média de apresentação é de 3,5 meses. (LARA, 2010)

Crianças não diagnosticadas e não tratadas corretamente apresentam erupção cutânea eczematosa, alopecia, infecções recorrentes, alterações neurológicas como hipotonia, retardo no crescimento, convulsões e ataxia, e ainda problemas respiratórios, visuais e auditivos, podendo levar a lesões irreversíveis e consequentemente ao óbito. Algumas pessoas podem apresentar acidose cetolática e acidúria orgânica. (LARA, 2010)

Como diagnosticar a deficiência de biotinidase?

Até o ano de 2012 o estudo para detecção desta enfermidade não era realizado no sistema público de saúde em grande maioria dos estados brasileiros e só era realizado em laboratórios específicos da rede particular.

Atualmente o Brasil e outros diversos países incluíram o teste para déficit de biotinidase na triagem neonatal, também conhecida como teste do pezinho, este que é um teste qualitavivo, caso seja detectada alguma alteração é encaminhado para um teste confirmatório (quantitativo), onde será possível definir que realmente existe a enfermidade e a qual subgrupo ela pertence. (Ministério da saúde, 2015)

A triagem neonatal deve ser feita entre o 3º e 5º dia de vida, sendo realizada uma coleta de sangue em papel filtro. É necessário que a amostra seja manejada corretamente para evitar falsos-positivos e falsos-negativos. Existem alguns fatores que influenciam no aparecimento de falsos positivos, como: prematuridade, doença hepática, icterícia e fatores ambientais e técnicos. Já nos falsos-negativos podemos citar o uso de sulfonamidas e a transfusão de hemoderivados. Devido a tais variáveis a doença só pode ser diagnosticada após teste quantitativo (Ministério da Saúde, 2015)

Observa-se que a atividade de biotinidase está relacionada com a idade gestacional. Entre o 1º e 3º dia de vida de um recém-nascido termo, os níveis podem estar abaixo do normal fisiologicamente, mas apresenta ascenso entre o 4º e 40º dia. Já nos recém-nascidos pré-termo a atividade pode reduzir entre o 3º e 7º dia e assumir valores normais após o 20º ao 40º dia. (LARA, 2010)

É notório que com o diagnóstico e posterior tratamento precoce, antes do aparecimento dos sintomas, os indivíduos possuem uma menor chance de apresentar manifestações neurológicas e posterior retraso no desenvolvimento, ao contrário daqueles diagnosticados já na fase que se apresentam sintomas. (BORSATTO, 2014)

Ressalta-se que a deficiência de biotinidase preenche os requisitos para ser incluída na triagem neonatal devido a sua variabilidade e inespecificidade de manifestações clínicas e devido ao grande risco de mortalidade ocasionado pelo atraso no diagnóstico. (Ministério da saúde, 2015)

Quando se obtém confirmação da enfermidade após teste quantitativo, os pais e/ou responsáveis pela criança são informados e o tratamento com biotina deve ser instaurado, inicia-se também um acompanhamento com profissionais especializados, que deve ser trimestral durante o primeiro ano de vida, semestral de 1 a 5 anos e anual após os 5 anos de idade. Ideal a realização de exames oftalmológicos e audiológicos para que se observe se houve afetação. Deve ainda ser realizado um aconselhamento genético e testagem dos irmãos, caso exista algum. (Ministério da Saúde, 2015)

Como é realizado o tratamento?

O tratamento a ser implementado é simples e de baixo custo. Consiste na suplementação oral de biotina livre em dose farmacológica, que varia de 5 a 20 mg/dia. Pacientes com deficiência parcial devem ingerir de 5 a 10 mg/dia, já nos casos de deficiência total a dose aumenta para 10 a 20 mg/dia. Quando o paciente apresenta alteração da triagem neonatal já é indicado que se administre a biotina na dose de 5 a 10 mg/dia até que se obtenha o resultado do teste quantitativo, após este se necessário a dose é reajustada ou pode permanecer a mesma, nos casos onde o teste confirmatório exclui a enfermidade a administração é cessada. (Ministério da Saúde, 2015)

Caso o portador esteja consumindo dose insuficiente ou até mesmo não realizando o tratamento da maneira correta, ocorrerá uma piora nos sintomas e sinais apresentados. (Ministério da Saúde, 2015)

Ressalta-se que o tratamento não irá repercutir efeito sobre a ação da biotinidase e sim sobre a quantidade de biotina disponível no organismo. Uma vez que esta não consegue ser liberada das proteínas, já é ingerida na forma livre e a suplementação deve ser realizada todos os dias devido a incapacidade de reciclar a vitamina, então oferta-se diariamente as doses requeridas pelo organismo para que não ocorra déficit e as funções metabólicas sejam realizadas sem nenhuma interferência.

Esta oferta pode ser feita por meio de cápsulas, comprimidos e preparações líquidas. O mais indicado é a escolha de alguma das formas sólidas, pois a apresentação líquida possui várias desvantagens: deve ser mantida em geladeira, pode ocorrer a sedimentação no fundo do frasco e deste modo prejudicar a administração da dosagem correta e ainda pode ocorrer a proliferação bacteriana nos frascos. (LARA, 2010)

Epidemiologia da deficiência de biotiniase no Brasil

No Brasil existem poucas pesquisas sobre a deficiência de biotinidase e nas que existem aparecem controvérsias quanto aos resultados.

Estudos no Paraná referiam prevalência de 1:62500 nascidos vivos, em Porto Alegre um estudo feito em parceria com outras região mostrou prevalência de 1:9000 nascidos vivos e na cidade de Maringá entre setembro de 2001 a 2006 houve prevalência de 1:6843 nascidos vivos. (LARA, 2010)

Com isso é perceptível a necessidade de estudos mais abrangentes em todas as regiões do país, para que se tenha uma definição real desta enfermidade em território nacional.

Referências

BORSATTO, Taciane. Deficiência de biotinidase: avaliação de uma amostra de pacientes brasileiros com atividade reduzida de biotinidase. Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.

LARA, Marilis Tissot. Triagem neonatal para deficiência de biotinidase no estado de Minas Gerais. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.

Ministério da Saúde. Triagem neonatal: deficiência de biotinidase. Departamento de Atenção Especializada e Temática – Brasília, 2015.

Autora: Danieli Souza Coelho

Instagram: @danielicoelho2000


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

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