Cardiologia

Descomplicando a miocardiopatia hipertrófica | Colunistas

Descomplicando a miocardiopatia hipertrófica | Colunistas

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O coração

O coração é uma bomba extraordinária que bombeia diariamente cerca de 5 a 6 litros de sangue diariamente para os demais órgãos e tecidos do corpo, chega a bater cerca de 40 milhões de vezes por ano. É formado por 4 câmaras: átrio direito, ventrículo direito, átrio esquerdo e ventrículo esquerdo. O coração direito participa da circulação pulmonar, que bombeia sangue para os pulmões, para que aconteça a oxigenação. Já o coração esquerdo participa da circulação sistêmica, enviando sangue para os outros sistemas.

Se localiza no mediastino dentro de um saco chamado pericárdio.

Histologia cardíaca

Histologicamente o coração é dividido em três capas, sendo: endocárdio, miocárdio e epicárdico.

No endocárdio encontramos um endotélio (epitélio plano simples), capa subendotelial (tecido conjuntivo frouxo), capa mioelástica (tecido conjuntivo e fibras musculares lisas) e a capa subendocárdica (tecido conjuntivo denso irregular)

O miocárdio é conformado por músculo estriado esquelético cardíaco e é a maior camada do coração. Os miócitos cardíacos apresentam núcleos redondos e centrais, as células são interconectadas onde as fibras de dividem, se recombinar e se dividem novamente e são vulgarmente chamadas de células em “calça”. Não existe muita quantidade de matriz extracelular. 

O musculo é formado por sarcômeros, com filamentos de actina e miosina, que deslizam entre si permitindo a contração muscular. Apresenta ainda discos intercalares que permite a rápida difusão de íons, facilitando assim a propagação do potencial de ação, desta forma quando uma célula é excitada todas as outras rapidamente também serão, formando um sincício.

O epicárdico é também conhecido como capa visceral do pericárdio e nele são encontradas três capas, sendo: capa subepicárdica (composta por tecido adiposo branco), capa submesotelial (TC laxo) e mesotélio (epitélio plano simples).

O que são miocardiopatias?

As miocardiopatias são um grupo de enfermidades que afetam o miocárdio causando uma disfunção mecânica ou elétrica, que na maioria dos casos incluem hipertrofia ou dilatação do ventrículo, podendo ser adquiridas ou genéticas.

Podemos dividir as miocardiopatias em dois grupos, sendo: primárias e secundárias. As primárias afetam primariamente o coração, ou seja, se limitam ao coração, já as secundárias são reflexo de alterações sistêmicas.

No grupo das miocardiopatias primárias encontram-se a seguinte classificação: genéticas (Ex: miocardiopatia hipertrófica), mistas (Ex: miocardiopatia dilatada) e adquiridas (Ex: miocardiopatia restritiva).

Miocardiopatia hipertrófica – conceito

A miocardiopatia hipertrófica é uma enfermidade cardíaca primária caracterizada por uma hipertrofia ventricular esquerda com aumento também na espessura do tabique interventricular, enchimento diastólico insuficiente, arritmias cardíacas e em cerca de 1/3 dos acometidos causa obstrução no fluxo de saída do ventrículo esquerdo para a artéria aorta.

Epidemiologia

Estima-se que essa enfermidade atinja uma a cada 500 pessoas, sendo considerada relativamente comum que atinge igualmente homens e mulheres. (PORTH, FARRERAS,ROBBINS)

Causas

A miocardiopatia hipertrófica é uma doença hereditária que possui caráter autossômico dominante, onde ocorre mutações dos genes que codificam as proteínas contráteis dos sarcômeros cardíacos. (PORTH)

Fatores de risco

Por tratar-se de uma doença hereditária, o principal fator de risco são os antecedentes familiares. Recomenda-se que indivíduos com histórico familiar realize exames e faça acompanhamento médico. (VELOSO)

Algumas literaturas consideram como fator de risco a mãe ter diabetes durante a gestação. O aumento no número de receptores de insulina aumenta a afinidade dos tecidos a esta e está associado ao desenvolvimento exagerado de vísceras como o coração. Nestes casos é observado uma hipertrofia do septo interventricular. (ROBINS, VELOSO, ZIELISNK EL AL)

Fisiopatologia

A miocardiopatia hipertrófica é causada por mutações nos genes que codificam as proteínas contrateis que conformam o sarcômero, principalmente nos genes codificadores da cadeia pesada de B-miosina e a proteína C de união com a miosina (PORTH). Não se sabe ao certo o mecanismo pela qual tal mutações causem miocardiopatia hipertrófica, mas acredita-se que seja devido a uma transferência inadequada de energia das mitocôndrias para os sarcômeros.

O tipo de mutação pode desencadear distintas manifestações fenotípicas e deste modo diferentes prognósticos. Quando ocorre na cadeia pesada de B- miosina apresenta alto risco de morte súbita, mas ao mesmo tempo manifestam hipertrofia geralmente leve e que se tornam evidentes somente após a puberdade. Já quando acontece mutação na proteína C da união com a miosina, tem um quadro assintomático, que pode ou não apresentar sintomatologia em alguma fase da vida, geralmente se apresenta somente em idades mais avançadas quando existe outro fator desencadeante como a hipertensão arterial (FARRERAS).

Em nível estrutural apresenta um mal alinhamento das miofobrilas, presença de fibrose miocárdica e miocárdio com tamanho aumentado. Tais alterações condicionam uma diminuição da distensibilidade ventricular que induz o aparecimento de disfunção diastólica com função sistólica normalmente preservada. O aumento desproporcional do miocárdico pode levar ainda a uma isquemia devido à ausência de incremento proporcional de vascularização. (FARRERAS)

A hipertrofia pode se apresentar de maneira simétrica ou assimétrica, onde na primeira tem-se aumento igual da espessura do tabique interventricular e da parede livre do ventrículo esquerdo, e na segunda o tabique interventricular aumenta de maneira desproporcional a parede livre do ventrículo. Cerca de apenas 10% dos casos são simétricos. (ROBBINS)

Na miocardiopatia hipertrófica assimétrica pode ocorrer a obstrução de saída do sangue do ventrículo esquerdo para a artéria aorta, consequência do espessamento anormal do tabique interventricular. Devido tal espessamento é perceptível também a formação de uma placa endocárdica fibrosa na superfície ventricular e engrossamento da válvula mitral, consequência do contato direto entre ambas estruturas.

As alterações fisiológicas incluem insuficiência mitral, diminuição do tamanho da câmara do ventrículo esquerdo, reduzida distensibilidade e consequentemente enchimento diastólico insuficiente.

Sinais e sintomas

A miocardiopatia hipertrófica pode ser diagnosticada em diferentes fases da vida, apresentando vários sintomas e com evolução clínica variável.

Grande parte dos casos se mantem assintomáticos e em outros casos podem apresentam sintomas de maneira precoce, o que comporta um pior prognostico. (FARRERAS)

A dispneia é o sintoma mais frequentemente encontrado nos acometidos, a dor torácica durante esforço também é observada. Pode ainda apresentar sinais e sintomas como: arritmias, sincope, intolerância ao exercício e pode evoluir para uma insuficiência cardíaca com remodelação do ventrículo esquerdo e disfunção sistólica. Em alguns casos a primeira manifestação clinica apresentada é a morte súbita. (FARRERAS)

Referencia

Veloso, JP. Prevalência de cardiopatias estruturais e funcionais em fetos de mães diabéticas. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, 2011. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-9AQHKF/1/cardiopatias_fetos_diabeticas_juliana.pdf.

Zielinsky, P, et al. Estudo da história natural da hipertrofia miocárdica e sua associação com hiperinsulinismo em filhos de mães diabéticas. Arq. Bras. Cardiol. 69 (6) • Dez 1997. Disponivel em: https://doi.org/10.1590/S0066-782X1997001200005.

Farreras, Rozman. Medicina Interna. 17 edição, 2012. Editorial Elsevier. Pág. 508 – 511.

Porth, CM. Fisiopatologia. 10ª edición, editora Wolters Kluwer Copyrigth, Barcelona, 2019. Pág 776 – 777.

Danieli Souza Coelho

Instagram: @danielicoelho2000

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.