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Não é nenhuma novidade que a diabetes é uma das maiores emergências em saúde do século XXI, fazendo parte do grupo das Doenças Crônicas Não Transmissíveis e sendo uma das patologias com maior ocorrência em todo globo.
De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, é previsto que em 2030 o número de pessoas com diabetes aumente para 578 milhões e em 2045 suba para 700 milhões.
Paralelamente, a ocorrência da depressão escala a níveis cada vez maiores, alcançando a marca de, segundo a OMS em 2019, 12 milhões de brasileiros que sofrem dessa doença, cuja prevalência em todo mundo, devido aos efeitos gerados pela pandemia do COVID-19, tende apenas a aumentar.
Observando tais fatos, somos levados ao seguinte questionamento: há relação entre tais patologias que se desenvolvem de maneiras tão diferentes? Pelo que apontam estudos epidemiológicos recentes realizados em mais de 90000 pacientes, esses males parecem ter mais relação do que nós imaginamos.
Afinal de contas, qual a relação?
Os estudos mostraram que o indivíduo portador de diabetes estava mais suscetível a desenvolver um quadro de depressão, assim como o indivíduo que sofre de depressão tem altas chances de desenvolver diabetes. Isso se dá primeiramente pelos fatores que podem conduzir a ambos os quadros: falta de atividade física, sono de má qualidade, dieta de baixa qualidade nutricional e o estresse crônico, que ativa o eixo hipotálamo-hipofisário para a secreção de cortisol pelas glândulas adrenais, assim como também ativa o sistema nervoso autônomo simpático, que por sua vez, eleva as quantidades de noradrenalina e adrenalina no organismo, conduzindo ao aumento da glicemia e cronicamente à resistência à insulina, aumento da gordura visceral e a síndrome metabólica.
O efeito desses agentes no SNC promove a ativação do sistema de medo nas amígdalas, ocasionando ansiedade (um dos principais focos de gênese de quadros depressivos), além da taquifilaxia do sistema de recompensa, que produz a depressão e o desejo por alimento. Ao ocasionar o efeito comportamental da busca por alimento, geralmente gerado como uma espécie de feedback ao anedonismo desencadeado pela baixa excitação dos receptores do sistema mesolímbico, ocorre uma sequência de eventos comuns na prática diária de pessoas que tendem a desenvolver quadros pré-diabéticos, pois ao aumentar a ingestão alimentar em vários momentos para compensar o mecanismo descrito, a glicemia será elevada e, paralelamente, induzirá um pico de secreção de insulina, que a longo prazo pode levar ao aumento da resistência periférica a insulina.
Vale ainda ressaltar que, devido aos efeitos do estresse crônico, ocorre o aumento da produção de citocinas inflamatórias que interagem com o funcionamento normal das células β pancreáticas, induzindo resistência à insulina e, consequentemente, aparecimento da diabetes mellitus tipo 2, além de que novos estudos sugerem que as respostas inflamatórias também estão envolvidas na fisiopatologia da depressão, interferindo diretamente no metabolismo de neurotransmissores, função neuroendócrina, plasticidade sináptica e comportamento. Essas evidências mostram que, fisiologicamente, a ligação entre as duas doenças se dá como uma via de mão dupla, pois as cascatas de acontecimentos fisiopatológicos presentes em uma podem desencadear o desenvolvimento da outra
Apenas questões fisiológicas são relevantes?
É pertinente destacar que, além dos fatores que envolvem o funcionamento do organismo, os fatores adjacentes também são determinantes para essa correlação entre as patologias. Um exemplo comum é a constatação de pacientes que relatam o medo das consequências que a diabetes pode trazer, como a amputação de membros, o que resulta em estados pré-depressivos por tais indivíduos, considerando que não da para negligenciar a forma como esse paciente irá encarar a sua vida social tomando ciência do seu problema, sabendo do estigma e até certo preconceito que esse indivíduo sofrerá socialmente, o que pode estabelecer toda a cascata comportamental e fisiológica descrita anteriormente. Outro exemplo comum é a dependência da disponibilidade de parentes para a aplicação de insulina, principalmente por idosos, o que pode gerar a sensação de falta de integração ao meio que vive. Porém, além do agravante psicológico que é notado com mais frequência, novos estudos evidenciam que alguns antidepressivos, a longo prazo, podem aumentar os níveis de Hb1AC, ou seja, colaborar para um quadro de diabetes. Essas são apenas algumas das muitas correlações que podem haver que estabelecerão um elo entre as duas doenças.
Frente a isso, pode-se cada vez mais notar, de acordo com o que apontam as novas análises, a necessidade da visão do profissional da saúde para com a totalidade do diagnóstico e visão completa do paciente, tomando conhecimento das causas adjacentes que podem surgir em conjunto, como é o caso da diabetes mellitus tipo 2 e da depressão.
Como lidar com esses casos?
É válido considerar também que tanto o diabetes quanto a depressão reduzem a qualidade de vida de um indivíduo, mas juntos eles tem um impacto ainda mais prejudicial, sendo necessário adequar o tratamento da melhor maneira possível a realidade do paciente. Entretanto, para os profissionais da saúde surge a seguinte questão: como tratar esse paciente? O senso comum geralmente aponta para tratar os dois problemas ao mesmo tempo. No entanto, estudos mais precisos de 2015 apontam que o tratamento mais eficaz envolve priorizar a depressão, já que a resposta à medicação geralmente é observada entre 2 a 4 semanas para os antidepressivos, enquanto a melhoria no controle glicêmico e nos níveis de HbA1C precisa de vários meses para resolver, além de que o paciente diabético com humor melhor e mais constante tem maior probabilidade de aderir ao tratamento.
Como os casos de ambas as doenças têm aumentando cada vez mais em todo mundo, é preciso que os profissionais desenvolvam cada vez mais novas abordagens para identificar os gatilhos comuns para diabetes e depressão e tentar resolvê-los, agindo no controle ou prevenção do estresse e das respostas inflamatórias. O ensejo do aumento da atividade/exercício físico, modificação da dieta, relaxamento mais eficiente, sono adequado, aumento da interação social, além uso de práticas integrativas como técnicas de meditação baseadas na atenção plena e redução de substâncias recreativas como nicotina, drogas e álcool, já provaram seus benefícios na melhoria de depressão, bem como diabetes e podem ser usadas cada vez mais tanto para indivíduos que querem prevenir o desenvolvimento de um quadro, como também para aqueles que já desenvolveram e querem melhorar a qualidade e perspectiva de vida. É preciso que cada vez mais todos os artifícios eficientes existentes sejam usados para que os números alarmantes apresentados pelos órgãos de saúde para essas patologias não se elevem ainda mais e prejudiquem a qualidade de vida de milhões de pessoas.