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O Transtorno de Pânico (TP) é geralmente incapacitante visto que, a longo prazo, está intimamente relacionado a fatores como a perda da qualidade de vida, da produtividade e da interação social, por exemplo. Por possuir sinais e sintomas semelhantes a muitos quadros clínicos, o processo de diagnóstico dessa condição tende a ser dificultado e acaba sendo realizado tardiamente.
A concomitância com uso abusivo e dependente de álcool e drogas ilícitas, doenças clínicas e com demais transtornos, como a depressão, pode estar associada a casos mais graves e com a dificuldade na remissão do Transtorno de Pânico. A agorafobia, apesar de estar presente em 1/3 dos pacientes afetados pelo TP, é comumente subdiagonosticada e subtratada.
Aspectos como origem do ataque de pânico, crenças do medo e história clínica do paciente são fundamentais não só para a identificação de comorbidades, mas principalmente para o diagnóstico diferencial em relação a outras doenças e transtornos. A presença de diagnósticos precoces e adequados contribui para a obtenção de melhor tratamento e remissão da TP.
O que mudou na diretriz de Transtorno do Pânico: Diagnóstico em relação à anterior
Diferente da diretriz anterior, a atual mostra o início de TP em idades médias entre 20 e 24 no Estados Unidos, ao invés de atrelar a maioria das primeiras manifestações aos adolescentes. Além disso, há o acréscimo de reflexões sobre a presença de diferentes taxas para diferentes idades.
Em relação ao diagnóstico, a nova diretriz elucida a necessidade de determinados elementos como o fato de um ataque de pânico ser completo e inesperado para que haja o correto diagnóstico. Também houve o acréscimo dos sentimentos de desrealização e despersonalizacão e a consideração de agentes que provocam ataques de pânico como a cafeína para alguns indivíduos com TP e de alguns achados laboratoriais que, apesar de não serem considerados determinantes para o diagnóstico, estão presentes em uma proporção de indivíduos com TP.
Outro ponto muito relevante e inovador é a abordagem de sintomas específicos da cultura, além dos aspectos de gênero e idade. As individualidades de cada cultura – dentro de um mesmo país ou não – pode influenciar na classificação de um ataque enquanto inesperado ou não. O sentimento de ansiedade e preocupação frente a possíveis ataques e suas consequências também podem sofrer esse tipo de influência, o que faz com que as taxas de Transtorno de Pânico sejam diferentes entre os diferentes indivíduos.
Etiologia
De forma semelhante a outros transtornos psíquicos, tanto a contribuição gênica como a influência de fatores ambientais, principalmente aqueles que são negativos e comprometem a qualidade de vida e bem-estar do indivíduo, são importantes para o fenótipo do Transtorno de Pânico. Ainda que estudos mostrem uma alta herdabilidade de 43% a 48% para TP e de 61% para agorafobia, não existe hipótese etiológica que se baseia apenas no aspecto gênico ou ambiental. É preciso que haja a interação entre ambos os elementos. Fatores temperamentais também possuem influência significante.
Dessa maneira, afetividade negativa, hábito de fumar, relatos de experiências infantis de abuso sexual são exemplos de elementos frequentemente associados à fatores de risco e prognóstico de Transtorno de Pânico.
Abordagem inicial
Definida como um ataque de ansiedade que ocorre de forma súbita, frequente e recorrente, o Transtorno de Pânico (TP) têm como efeitos o comprometimento do bem-estar pessoal, da autorrealização, do contato social e da funcionalidade do indivíduo. A manifestação em adultos e crianças é semelhante, apesar de ser mais raro nesse último grupo. As pessoas que possuem Transtorno de Pânico podem apresentar basicamente 3 características: (i) ataques de pânicos associados ou não a uma situação que funciona como gatilho, (ii) ansiedade antecipatória em relação à recorrência do ataque, o que desencadeia ansiedade crônica e, por fim, a (iii) agorafobia.
A agorafobia é definida pelo medo e pela tendência em evitar locais e situações que possam gerar ataques de pânico ou constrangimentos, ou que apresentem dificuldade de obtenção de ajuda ou escape. Esse transtorno pode estar presente de forma concomitante ou não ao Transtorno de Pânico, porém, uma quantidade significativa de pacientes possui ambos. Dessa maneira, a pessoa possui características comportamentais como a preferência por ficar sozinha ou pelo menos desacompanhada de alguém que traga sensação de segurança e evitar locais com aglomerações.
Nos EUA, a idade inicial média das primeiras manifestações de TP é entre 20 a 24 anos, sendo casos menos comuns os que iniciam afetando crianças e adultos com 45 anos ou mais. Não há diferenças expressivas entre a manifestação em adultos e adolescentes, sendo que nesse último é bem comum a concomitância com outros transtornos. É preciso salientar o cuidado na abordagem clínica para com as diferentes faixas etárias, visto que as baixas taxas em adultos mais velhos, crianças e adolescentes podem estar atreladas ao relato do paciente, que por vezes, pode justificar um ataque de forma indevida, ter dificuldades de expressar ou se recusar a fazer isso.
No âmbito da prevalência, o sexo feminino é o mais acometido – em uma razão de 2:1. Nos EUA, também é possível observar taxas altas em pessoas brancas (não latinas) em comparação a outros fenótipos, por exemplo.
Diagnóstico do Transtorno de Pânico
Existem manuais de diagnósticos e de classificação de transtornos mentas de forma geral, o que contribui com a potencialização de um diagnóstico ideal para o Transtorno de Pânico Dessa maneira, os critérios do DSM-V e da CID-10 precisam ser analisados e adotados para auxiliar nesse processo.
Critérios principais da DSM-V para o Transtorno de Pânico:
- Momento de medo intenso diante da possibilidade de recorrência de ataques de pânico e de manifestações de seus sintomas somáticos (físicos), especialmente se existe a possibilidade do desenvolvimento de doenças que ameaçam a vida.
- O medo também está atrelado ao receio frente à morte, ao enlouquecimento ou a perda do autocontrole.
- Há preocupação em relação ao julgamento social por parte de outras pessoas diante do testemunho de um ataque de pânico e seus visíveis sintomas físicos.
- Alterações somáticas: sensação de falta de ar, sudorese, parestesias, tremores, calafrios ou ondas de calor, taquicardia, entre outros.
- Desrealização ou despersonalização, visto que a pessoa pode ter a sensação de distanciamento da realidade e de si mesma.
- Pelo menos um dos ataques precisa estar atrelado a apreensão a cerca da recorrência de ataques de pânico e/ou a ocorrência de mudanças desadaptativas comportamentais – por no mínimo 1 mês.
- As mudanças desadaptativas incluem não só atitudes de esquiva de situações agorafóbicas, mas também a redução de exercício e a garantia de que haja ajuda em um possível ataque.
- A ocorrência de ataques de pânico esperados não elimina a possibilidade de diagnóstico de Transtorno de Pânico, apesar dessa condição estar mais atrelada à ataques abruptos inesperados.
- O indivíduo que possui transtorno de pânico pode apresentar 4 ou mais sintomas ou menos de 4 sintomas, que são denominados, respectivamente, de sintomas completos e sintomas limitados. No entanto, para ser considerado Transtorno de Pânico, são necessários mais de um ataque completo e inesperado.
Critérios principais da CID-10 para o Transtorno de Pânico:
- Ataques bruscos frequentes e imprevisíveis de ansiedade grave.
- Medo de enlouquecer, de morrer e de cometer atos descontrolados.
- Sensação de falta de ar, dores torácicas, taquicardia, desrealização e despersonalização.
Características associadas que dão suporte ao diagnóstico:
- Pânico noturno: também é um ataque de pânico inesperado. Nesse caso, além das preocupações que são comuns nos Transtorno de Pânico, também há preocupação com a saúde como um todo, apesar do foco ser sempre a saúde mental.
Classificação quanto à gravidade
A gravidade do Transtorno de Ansiedade é uma realidade quando essa condição é acompanhada de outras comorbidades e transtornos psiquiátricas, algo que é extremamente comum e de determinados comportamentos.
Diante desses cenários, o diagnóstico adequado e precoce de fatores que podem oferecer menores chances de remissão de TP é necessário para identificar pacientes capazes de desenvolverem um quadro mais grave e iniciar intervenções adequadas.
Quando presente em indivíduos diagnosticados com TP, a agorafobia é responsável por intensificar consideravelmente a ansiedade antecipatória. A sua presença está possivelmente relacionada a um quadro crônico de TP, à situações de maior gravidade, de maior número de comorbidades e piora na qualidade de vida do paciente. Fatores como a subdiagnosticação e o subtratamento podem apresentar sérias consequências para essas pessoas.
Além de outros transtornos de ansiedade como o de ansiedade generalizada, de ansiedade social ou transtornos de sono, a depressão também desencadeia comprometimentos para a qualidade de vida do individuo. A coexistência da depressão e do TP, quando comparada aos efeitos dessas duas condições de forma isoladas, possibilita piora na limitação funcional, no prognóstico, na resposta ao tratamento e na elevação da frequência de tentativas de suicídio. É mais frequentemente relatada a intensificação dos sintomas fisiológicos e somáticos no momento de ocorrência do ataque por parte de pacientes que se enquadram nessa situação.
O uso de drogas psicoativas como o abuso de álcool e as drogas ilícitas aumenta não só a intensidade com também a frequência dos ataques de pânico. A associação desses elementos com TP, afetam o organismo desencadeando um início mais precoce dos sintomas. A gravidade também é justificada pelo maior número de ataques e de uma maior ansiedade antecipatória. É possível que essas realidades também sejam acompanhadas por elementos como a depressão e distemia, por exemplo.
Diagnósticos diferenciais
É preciso ter em mente que o diagnóstico que de TP que não possua ataques de pânico inesperados e completos ou que considerem esses ataques como consequências fisiológica de outra condição médica e/ou substância, está equivocado. Também é importante descartar transtornos mentais cujas características associadas são os ataques de pânico.
Doenças clínicas
- Sistema Cardiovascular: Pelo fato da semelhança de sintomas, exames de eletrocardiograma e dosagem de enzimas cardíacas com normalidade descartam a possibilidade de infarto agudo do miocárdio.
- Sistema Neurológico: Eletrocardiograma, ressonância magnética e tomografia computadorizada podem ser usados para o diagnóstico diferencial entre PT e Parkinson e esclerose múltipla, por exemplo.
- Nas situações de TP e outros transtornos psíquicos, é preciso analisar a origem e forma com a qual o ataque de pânico foi desencadeado. Quando ocorre de forma abrupta e inesperada é indício de TP.
- Outras condições como doenças pulmonares e alterações do sistema endócrino também podem apresentar sintomas semelhantes a TP. Dessa maneira, o entendimento da história clínica do paciente e realização de determinados exames é fundamenta.
Transtorno de sono e TP
A polissonografia possui importância clínica pelo fato de possuir a capacidade de diferenciação entre o ataques de pânico noturno e as outras condições clínicas do transtorno de sono. Essa análise é importante porque na TP há típica redução tanto da eficiência como também da duração do sono.
Agorafobia e TP
Apesar da grande semelhança entre a agorafobia e a TP e da comum coexistência dessas duas condições, o diagnóstico é possível a partir da compreensão de que na agorafobia há preocupação constantemente, medo e o paciente tem tendência a evitar situações e locais potencialmente capazes de desencadearem um possível novo ataque de pânico.
TAS (Transtorno de Ansiedade Social) e TP
A análise do foco do medo é importante para diferençar os transtornos e fornecer o diagnóstico adequado. No TAS, o medo, que é relacionado a ideias como exposição, é acompanhado por sintomas somáticos, como taquicardia, atrelado a ativadores situacionais. Por outro lado, no TP há sempre preocupação com uma possível recorrência de um ataque de pânico, que são repentinos e inexplicáveis.
TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e TP
Na situação de TAG, diferente de TP, não há o característico receio de um novo ataque de pânico. As preocupações que geram tensão e inquietude ao paciente dizem respeito do cotidiano, no entanto, é sempre acompanhada pela ideia e preparação de que algo pior pode acontecer.
TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) e TP
Para diferenciar o TP e o TEPT, é importante observar a evidência de que em relação a esse último, o indivíduo geralmente vivenciou uma situação prévia de alto risco para sua vida e /ou para pessoas próximas. Dessa maneira, a pessoa apresenta estado de hiperexcitabilidade e tendência em evitar tudo que tenha relação com essa vivência específica para tentar manter o controle de suas emoções.
Tratamento/Condutas do Transtorno de Pânico
O tratamento mais adequado e efetivo é sempre melhor quando o diagnóstico diferencial ocorre de maneira precoce, algo que é extremamente dificultado pela semelhança com outras condições e o pelo fato de os pacientes geralmente levarem muito tempo até o diagnóstico correto por procurarem assistência para alterações fisiológicas e somáticas como primeira ação.
Na situação de ataques de pânico, para os que são denominados como noturnos, relacionados a fatores biológicos, a utilização de fármacos pode ser a melhor opção. Por outro lado, quando os ataques de pânico são diurnos, relacionados a fatores cognitivos e psicológicos, o tratamento mais efetivo pode ser a estratégia cognitiva e comportamental.
Para os pacientes que se enquadram na situação de concomitância de TP e agorafobia, em relação a fase aguda, a combinação da terapia psicológica com a utilização de fármacos é o caminho mais adequado. Já nos casos em que pacientes se encontram em situações crônicas, pode ser usada a psicoterapia ou a terapia combinada, de acordo com as individualidades de cada caso.
O que muda no dia seguinte
A partir da diretriz é possível analisar que o Transtorno de Pânico foi por muito tempo mal compreendido e subdiagnosticado e que ainda enfrenta verdadeiros desafios em relação ao diagnóstico diferencial, o que pode desencadear sérias consequências para o paciente.
Além disso, não se trata de uma condição que pode ser vista de forma puramente categórica. A utilização de uma abordagem integrativa, que considere o histórico do paciente e que faça associações entre diferentes formas de tratamento é fundamental não só para o bem-estar e qualidade de vida de uma pessoa, como também para a desmitificação de persistentes e inadequados conceitos que existem acerca dos transtornos mentais.
Autores, revisores e orientadores:
Autor(a): Júlia Rufino do Nascimento – @juliarn_
Revisor(a): Marcelo P.P Bastos @mppbastos
Orientador(a): Fátima Vasconcellos
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Referências:
American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 [Recurso eletrônico]. (5a ed.; M. I. C. Nascimento, Trad.). Porto Alegre, RS: Artmed.
ABP: Associação Brasileira de Psiquiatria; ABN: Academia Brasileira de Neurologia; SBP: Sociedade Brasileira de Pediatria. Projeto Diretrizes AMB/CFM – Transtorno do Pânico: Diagnóstico. São Paulo: AMB/CFM, 2012.