Carreira em Medicina

Diretriz sobre o Manejo de Quedas em Idosos | Ligas

Diretriz sobre o Manejo de Quedas em Idosos | Ligas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Quedas e as consequentes lesões resultantes constituem um problema de saúde pública e de grande impacto social enfrentado hoje por todos os países em que ocorre expressivo envelhecimento populacional. As quedas ocorrem devido à perda de equilíbrio postural e tanto podem ser decorrentes de problemas primários do sistema osteoarticular e/ou neurológico quanto de uma condição clínica adversa que afete secundariamente os mecanismos do equilíbrio e estabilidade. Por isso, a queda pode ser um evento sentinela, sinalizador do início do declínio da capacidade funcional, ou sintoma de uma nova doença.

O envelhecimento populacional e o aumento da ocorrência de doenças crônico-degenerativas provocam a necessidade da preparação e adequação dos serviços de saúde, incluindo a formação e capacitação de profissionais para o atendimento desta nova demanda. Nesta perspectiva, as quedas de idosos são atualmente uma das preocupações, pela frequência e pelas consequências em relação à qualidade de vida. A prevenção é importante no sentido de minimizar problemas secundários decorrente de quedas.

O que mudou em relação à anterior

Em relação à diretriz anterior (2001), foram adicionados como fatores de risco intrínsecos:

História prévia de quedas, Idade, Sexo feminino, Medicamentos, Condição clínica, Distúrbio de marcha e equilíbrio, Sedentarismo, Estado psicológico, Deficiência nutricional, Declínio cognitivo, Deficiência visual, Doenças ortopédicas, Estado funcional.

Diretriz de 2001 – Fatores de Risco intrínsecosDiretriz de 2008 – Fatores de Risco intrínsecos
Alterações fisiológicas do processo de envelhecimentoHistória prévia de quedas
Patologias específicasIdade
MedicamentosSexo Feminino
 Medicamentos
 Condição Clínica
 Distúrbio de marcha e equilíbrio
 Sedentarismo
 Estado psicológico
 Deficiência nutricional
 Declínio cognitivo
 Deficiência visual
 Doenças ortopédicas
 Estado funcional
Tabela 1: Comparação entre as mudanças nas diretrizes de 2001 e 2008

Epidemiologia/Etiologia

A queda é o mais sério e frequente acidente doméstico que ocorre com os idosos e a principal etiologia de morte acidental em pessoas acima de 65 anos.

A estimativa da incidência de quedas por faixa etária é de 28% a 35% nos idosos com mais de 65 anos e 32% a 42% naqueles com mais de 75 anos. Em um estudo realizado em 2002, cerca de 31% dos idosos disseram ter caído no ano anterior ao inquérito e 11% afirmaram ter sofrido duas ou mais quedas.

Alguns estudos prospectivos indicam que 30% a 60% da população da comunidade com mais de 65 anos cai anualmente e metade apresenta quedas múltiplas. Aproximadamente 40% a 60% destes episódios levam a algum tipo de lesão, sendo 30% a 50% de menor gravidade, 5% a 6% injúrias mais graves (não incluindo fraturas) e 5% de fraturas. Destas, as mais comuns são as vertebrais, em fêmur, úmero, rádio distal e costelas. Cerca de 1% das quedas leva à fratura do fêmur.

Um estudo nacional evidenciou a seguinte incidência bruta de fraturas do fêmur em pessoas com 70 anos ou mais: mulheres – 90,2/10.000 e homens – 25,4/10.0009. Os que já sofreram uma queda apresentam risco mais elevado para cair, entre 60% e 70% no ano subsequente. Os idosos mais saudáveis caem menos, cerca  de 15% em um ano, comparativamente aos asilados, cujo porcentual sobe até 50%. Entre 20% e 30% dos caidores (idosos com mais de duas quedas por ano) que sofreram alguma lesão apresentarão redução da mobilidade, da independência, e aumento do risco de morte prematura. Estas estatísticas e a descrição de um perfil do idoso caidor se referem às quedas dentro do domicílio, onde pesa a influência dos fatores intrínsecos.

Já as quedas fora do domicílio são causadas em sua maioria por fatores ambientais e, geralmente, atingem idosos mais ativos. Trauma é a quinta causa de mortalidade na faixa etária maior que 65 anos, sendo a queda responsável por 70% das mortes acidentais em pessoas acima de 75 anos. Quase metade das mortes segue-se a uma fratura de fêmur. Após hospitalização por queda, algumas complicações podem culminar com morte, como exemplos: pneumonia, infarto do miocárdio e tromboembolismo pulmonar. A queda foi considerada um dos preditores de mortalidade em estudo realizado no exterior. Os caidores têm o dobro da taxa de morte em comparação ao grupo de não caidores.

Imagem 1: https://blog.partmedsaude.com.br/saiba-aqui-cuidados-essenciais-para-evitar-queda-em-idosos/

Abordagem inicial

À Abordagem inicial, é importante realizar anamnese e exames físicos específicos

Anamnese Específica

  • Onde caiu?
  • O que fazia no momento da queda?
  • Alguém presenciou a queda?
  • Faz uso de benzodiazepinicos, neurolépticos, antidepressivos, anticolinérgicos, hipoglicemiantes, medicação cardiológica ou polifarmácia (5 ou mais medicamentos diários)?
  • Houve introdução de alguma droga nova ou alteração das dosagens? Faz uso de bebida alcoólica?
  • Houve convulsão ou perda de consciência?
  • Houve outras quedas nos últimos 3 meses?
  • Em caso positivo, permaneceu caído mais de 5 minutos sem conseguir levantar-se sozinho?
  • Houve mudança recente no estado mental?
  • Fez avaliação oftalmológica no ano anterior?
  • Há fatores de risco ambientais?
  • Há problemas sociais complexos ou evidências de maus-tratos?
  • Há problemas nos pés ou calçados inadequados?

Os idosos que apresentam fatores de risco conhecidos para quedas devem ser questionados, periodicamente e de forma incisiva, pois devido ao temor de serem institucionalizados, frequentemente, omitem a ocorrência desses acidentes.

Exame Físico

  • Sinais vitais;
  • Orientação (data, local); sinais de localização neurológica;
  • Estado de hidratação, sinais de anemia, estado nutricional;
  • Exame cardiorrespiratório;
  • Situação dos pés;
  • Sinais de trauma oculto (cabeça, coluna, costelas, extremidades, pelve, quadris);
  • Atenção para apresentações atípicas das doenças;
  • Avaliação do equilíbrio e marcha: Instabilidade ao ficar de pé;
  • Instabilidade ao ser puxado ou empurrado com uma leve pressão no esterno;
  • Instabilidade ao fechar os olhos em posição de pé;
  • Instabilidade com extensão do pescoço ou ao virar para os lados;
  • Instabilidade ao mudar de direção;
  • Dificuldade de sentar-se e levantar-se;
  • Diminuição da altura e comprimento dos passos;
  • Teste “get-up and go” (levante-se e ande): o paciente sentado em uma cadeira sem braços deverá levantar-se e caminhar três metros até uma parede, virar-se sem tocá-la, retornar à cadeira e sentar-se novamente, à medida que o médico observa eventuais problemas de marcha e/ou equilíbrio

Exames complementares

Os exames complementares deverão ser solicitados conforme o caso. Entretanto, os seguintes itens podem ser considerados:

  • Hemograma, glicose, creatinina, eletrólitos, hormônios da tireóide, enzimas cardíacas, gasometria arterial;
  • Exame simples de urina;
  • ECG;
  • Raio-X de tórax;
  • Tomografia computadorizada do crânio.

Consequências

O temor de novas quedas é tão prevalente quanto as mesmas, ocorrendo em 30% a 73% dos idosos. A perda de confiança na capacidade de deambular com segurança pode resultar em piora do declínio funcional, depressão, baixa autoestima e isolamento social. Após a queda, o idoso pode restringir sua atividade por temor, pela dor, ou pela própria incapacidade funcional. A reabilitação pós-queda pode ser demorada, e, no caso de imobilidade prolongada, leva a complicações como tromboembolismo venoso, úlceras de pressão e incontinência urinária. Tornando-se dependente, a vítima da queda pode demandar mais tempo do seu cuidador, acarretando problemas sociais. Os caidores estão mais propensos a requererem institucionalização.

Intervenções

  • Otimização Medicamentosa: Há uma associação bem estabelecida entre o uso de psicoativos e quedas, sendo os antidepressivos, os ansiolíticos, os neurolépticos e os hipnóticos os mais envolvidos. A suspensão desses medicamentos reduz o risco de quedas, embora essa redução possa ser comprometida pela frequente reutilização dos fármacos pelos indivíduos.
  • Exercício Físico: A implementação de um programa de exercícios físicos que melhore a força muscular e o equilíbrio, orientado de forma individualizada por profissional capacitado, é capaz de reduzir o risco de quedas. Esse tipo de intervenção também se revelou eficaz na prevenção de lesões provocadas por quedas em idosas institucionalizadas e em idosos mais frágeis, com déficit de força muscular e de equilíbrio. Entretanto, apesar dos benefícios comprovados, tipo, duração e intensidade de exercícios necessários para diminuir esse risco ainda não estão estabelecidos.
  • Correção dos Fatores de Risco Ambientais: Apesar de um conceito superestimado da importância dos fatores de risco ambientais na indução de quedas, são poucos os estudos consistentes nesta área. As evidências atuais revelam que a intervenção sobre esses fatores, quando realizada por profissional especializado, pode prevenir quedas em idosos com história prévia. Para esses pacientes com episódio prévio de quedas, o uso de barras de apoio foi considerado uma medida útil em um estudo caso-controle envolvendo 270 idosos.
  • Tai Chi Chuan: A prática do Tai Chi Chuan pode prevenir quedas em idosos relativamente saudáveis da comunidade, assim como naqueles sedentários, com melhora do equilíbrio.
Imagem 2: https://www.infoescola.com/filosofia/tai-chi-chuan-arte-marcial/
  • Correção Visual: Embora o déficit visual seja um fator de risco estabelecido para quedas, não há estudos controlados e randomizados com esta intervenção isoladamente que comprovem sua efetividade na redução da incidência de quedas, com exceção para a primeira cirurgia de catarata.
  • Intervenções Multifatoriais: Programas de intervenção multifatorial são efetivos para redução de quedas em idosos da comunidade, com ou sem fatores de risco. Tais programas geralmente incluem exercícios físicos, além de pelo menos outra das seguintes estratégias: correção da visão e riscos ambientais, tratamento da hipotensão ortostática, revisão de medicamentos e aconselhamento sobre prevenção de quedas.

Prevenção

A gravidade potencial das quedas nos idosos confere à prevenção um lugar privilegiado. Seguem as diretrizes a serem tomadas:

1. Orientar o idoso sobre os riscos de queda e suas consequências. Esta informação poderá fazer a diferença entre cair ou não e, muitas vezes, entre a instalação ou não de uma capacidade.

2. Avaliação geriátrica global, com medidas corretivas adequadas enfocando: função cognitiva; estado psicológico (humor); capacidade de viver só e executar as atividades de vida diária; condição econômica.

3. Racionalização da prescrição e correção de doses e de combinações inadequadas.

4. Redução da ingestão de bebidas alcoólicas.

5. Avaliação anual: oftalmológica, da audição e da cavidade oral.

6. Avaliação rotineira da visão e dos pés.

7. Avaliação com nutricionista para correção dos distúrbios da nutrição.

8. Fisioterapia e exercícios físicos (inclusive em idosos frágeis) visando: melhora do equilíbrio e da marcha; fortalecimento da musculatura proximal dos membros inferiores; melhora da amplitude articular; alongamento e aumento da flexibilidade muscular; atividades específicas para pacientes em cadeiras de rodas; identificação dos pacientes que caem com frequência, encorajando a superar o medo de nova queda através de um programa regular de exercícios. Idosos que se mantêm em atividade, minimizam as chances de cair e aumentam a densidade óssea evitando as fraturas.

9. Terapia ocupacional promovendo condições seguras no domicílio (local de maior parte das quedas em idosos); identificando “estresses ambientais” modificáveis; orientando, informando e instrumentalizando o idoso para o seu autocuidado e também os familiares e/ou cuidadores.

10. Denunciar suspeita de maus-tratos.

11. Correção de fatores de risco ambientais (por exemplo: instalação de barra de apoio no banheiro e colocação de piso antiderrapante).

12. Medidas gerais de promoção de saúde: prevenção e tratamento da osteoporose: cálcio, vitamina D e agentes anti-rearbsortivos; imunização contra pneumonia e gripe; orientação para evitar atividades de maior risco (descer escadas por exemplo) em idosos frágeis desacompanhados.

É consenso que a queda é um evento de causa multifatorial de alta complexidade terapêutica e de difícil prevenção, exigindo dessa forma uma abordagem multidisciplinar. O objetivo é manter a capacidade funcional da pessoa, entendendo esse novo conceito de saúde particularmente relevante para os idosos como a manutenção plena das habilidades físicas e mentais, prosseguindo com uma vida independente e autônoma.

O que muda no dia seguinte

Para uma pessoa idosa, a queda pode assumir significados de decadência e fracasso gerados pela percepção da perda de capacidades do corpo potencializando sentimentos de vulnerabilidade, ameaça, humilhação e culpa. A resposta depressiva subsequente é um resultado esperado. Aqueles que sofrem quedas apresentam um grande declínio funcional nas atividades de vida diária e nas atividades sociais, com aumento do risco de institucionalização.

A fim de evitar a síndrome da imobilidade, por medo de andar é mister a intervenção psicológica. Esta pressupõe estudo atento e percepção compreensiva da realidade em questão, que devem orientar a organização de procedimentos técnicos articulados que, no seu conjunto, implique num planejamento realista que leve em conta as possibilidades e os limites gerados pela situação. A ruptura com o cotidiano e a estranheza da nova situação de cuidados podem radicalizar a dissolução da identidade, desencadeando ou agravando alterações mentais

Autores, revisores e orientadores:

Autor(a) : Raíza Pereira – @raizapereira

Revisor(a): Ariane Rodrigues da Silva – @arianerodriguessilva

Orientador da Liga: Dr. André Lopes

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

SIQUEIRA, Fernando V. et al. Prevalência de quedas em idosos e fatores associados. Revista de Saúde Pública, v. 41, n. 5, p. 749-756, 2007.

Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Quedas em Idosos. Projeto Diretrizes (Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina). Elaboração Final: 16 de junho de 2001.

Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Quedas em Idosos: Prevenção. Projeto Diretrizes (Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina). Elaboração Final: 26 de outubro de 2008.