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Diretrizes brasileiras para o tratamento farmacológico da fibrose pulmonar idiopática | Ligas

Diretrizes brasileiras para o tratamento farmacológico da fibrose pulmonar idiopática | Ligas

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A fibrose pulmonar idiopática é uma forma de pneumopatia intersticial crônica fibrosante, de causa desconhecida, restrita aos pulmões, que acomete preferencialmente homens idosos, com história atual ou pregressa de tabagismo. Do ponto de vista histológico, a FPI se caracteriza pelo padrão de pneumonia intersticial usual.

Nas últimas décadas, diversas modalidades terapêuticas farmacológicas, com variados mecanismos de ação, foram investigadas para o tratamento dessa doença, com um número substancial de estudos resultando em desfechos negativos.  Apesar disso, novos fármacos têm mostrado benefícios para o tratamento da FPI e alguns deles já estão disponíveis no mercado para essa indicação.

Vale ressaltar que, até o momento, não existe nenhum estudo brasileiro publicado que tenha utilizado metodologia semelhante à empregada aqui sobre o assunto.

Metodologia

Pneumologistas familiarizados com o cuidado de pacientes com FPI, atuantes em diversas regiões do Brasil, foram convidados a integrar o comitê de especialistas. Todos os envolvidos no processo assinaram formulários declarando seus conflitos de interesses.
Em reunião presencial, realizada em setembro de 2017 na cidade de São Paulo (SP), foram definidos os objetivos do projeto e optou-se pelo emprego da metodologia GRADE e por priorizar perguntas relacionadas apenas ao tratamento farmacológico da FPI.

Os especialistas formularam perguntas relacionadas ao tratamento farmacológico de pacientes portadores de FPI no formato PICO (acrônimo baseado em perguntas referentes aos Pacientes de interesse, Intervenção a ser estudada, Comparação da intervenção e Outcome [desfecho] de interesse). Por meio de um processo de votação on-line do grau de importância, sete perguntas e seus respectivos desfechos mais pontuados foram selecionados.

PERGUNTA 1: DEVEMOS RECOMENDAR O USO DE NINTEDANIBE PARA PACIENTES COM FPI?

O fármaco nintedanibe foi inicialmente desenvolvido como um inibidor dos receptores de VEGF e de FGF, visando sua aplicação em doenças oncológicas. O nintedanibe inibe, de modo competitivo, as tirosinoquinases, o que justifica seu amplo potencial de ações, tais como interferir na proliferação e migração de miofibroblastos e fibroblastos, assim como na deposição de matriz extracelular. Evidências mais recentes indicam que o nintedanibe ainda pode reduzir a produção do TGF-β, inibir a formação de redes de fibrinas de colágeno e estimular a produção da proteína D do surfactante. Nas doses recomendadas para o tratamento da FPI, os efeitos adversos mais comuns do fármaco estão relacionados com o trato gastrointestinal, particularmente diarreia de intensidade variável. Para pacientes com FPI, nós sugerimos usar nintedanibe (recomendação condicional; qualidade de evidência moderada). O fármaco nintedanibe foi inicialmente desenvolvido como um inibidor dos receptores de VEGF e de FGF, visando sua aplicação em doenças oncológicas.

PERGUNTA 2: DEVEMOS RECOMENDAR O USO DE PIRFENIDONA PARA PACIENTES COM FPI?

A pirfenidona é um fármaco que tem ação anti-inflamatória e antifibrótica que atua nos receptores de TNF-α e TGF-β, bem como na modulação da oxidação celular, inibe a proliferação de fibroblastos com consequente redução da síntese e deposição de colágeno. O tratamento com pirfenidona demonstrou reduzir a mortalidade — risco relativo (RR) = 0,53; IC95%: 0,32-0,88 — com qualidade de evidência Moderada. Para pacientes com FPI, nós sugerimos usar pirfenidona (recomendação condicional; qualidade de evidência baixa).

PERGUNTA 3: DEVEMOS RECOMENDAR O USO DE INIBIDORES DA FOSFODIESTERASE-5 PARA PACIENTES COM FPI?

Os inibidores da fosfodiesterase-5 (iFD-5) estabilizam o monofosfato de guanosina cíclico, segundo mensageiro do óxido nítrico, o que leva à vasodilatação pulmonar; a vasodilatação produzida pelo fármaco parece ter preferência pelo tecido pulmonar bem ventilado, o que poderia melhorar a relação ventilação-perfusão e as trocas gasosas em pacientes com FPI. A hipertensão pulmonar é um achado comum em pacientes com FPI, associando-se a maior morbidade e mortalidade. Para pacientes com FPI, nós sugerimos não usar iFD-5 (recomendação condicional; qualidade de evidência moderada).

PERGUNTA 4: DEVEMOS RECOMENDAR O USO DE ANTAGONISTAS DE RECEPTORES DA ENDOTELINA PARA PACIENTES COM FPI?

Embora a patogênese da FPI não esteja completamente elucidada, a endotelina-1, potente vasoconstritor e fator de crescimento, já foi relacionada ao processo fibroproliferativo da doença. As endotelinas exibem potente atividade proliferativa sobre células mesenquimais e podem induzir diferenciação celular, aumentando a síntese e a deposição de componentes da matriz extracelular, bem como sua contratilidade. A partir de tais elementos, estudos clínicos foram realizados com antagonistas de receptores da endotelina, visando a redução do processo fibrótico. Um estudo que investigou os efeitos da ambrisentana em pacientes com FPI, em comparação com placebo, foi interrompido precocemente quando uma análise interina mostrou que os pacientes tratados com ambrisentana exibiram mais frequentemente critérios de progressão funcional e maior número de internações respiratórias. Para pacientes com FPI, nós recomendamos não usar antagonistas de receptores da endotelina (recomendação forte; baixa qualidade de evidência).

PERGUNTA 5: DEVEMOS RECOMENDAR O TRATAMENTO FARMACOLÓGICO ANTIRREFLUXO GASTROESOFÁGICO PARA PACIENTES COM FPI?

O refluxo gastroesofágico (RGE) é altamente prevalente nos pacientes com FPI e, apesar de não haver evidências de uma relação causal até o momento, a aspiração crônica é considerada um fator de risco para a progressão e exacerbação da doença. Há descrições de casos anedóticos de estabilização e de melhora clínica e funcional em pacientes com FPI após o tratamento farmacológico e/ou cirúrgico do RGE. Para pacientes com FPI, não temos evidências suficientes para recomendar ou não recomendar o uso de tratamento farmacológico anti-RGE.

PERGUNTA 6: DEVEMOS RECOMENDAR O USO DE N-ACETILCISTEÍNA PARA PACIENTES COM FPI?

A N-acetilcisteína (NAC) é um fármaco precursor da glutationa, antioxidante hidrossolúvel presente na maioria das células do organismo. Uma possível contribuição do estresse oxidativo na progressão da FPI fez com que estudos fossem desenvolvidos no sentido de avaliar se o uso desse fármaco poderia restaurar os níveis pulmonares de glutationa. Dessa forma, a NAC poderia retardar a evolução da doença. Não foi possível estimar o efeito do fármaco em relação ao placebo devido ao grau de heterogeneidade e elevado risco de viés. Para pacientes com FPI, nós sugerimos não usar N-acetilcisteína (recomendação condicional; baixa qualidade de evidência).

PERGUNTA 7: DEVEMOS RECOMENDAR O USO DE CORTICOSTEROIDES PARA PACIENTES COM FPI?

Hipóteses clássicas relacionadas com a patogênese da FPI especulavam que a doença se iniciaria por um processo de natureza inflamatória, com papel decisivo das citocinas pró-inflamatórias liberadas pelos macrófagos alveolares. Nesse contexto, o uso de corticosteroides teria potencial benéfico na evolução clínica de pacientes com FPI. Entretanto, a hipótese atualmente mais aceita na patogênese da doença consiste em uma agressão e dano epitelial alveolar seguidos de liberação de mediadores pró-fibróticos, com reparação anormal, proliferação miofibroblástica e deposição de colágeno, sem inflamação evidente. Para pacientes com FPI, nós não temos evidências suficientes para recomendar ou não recomendar o uso de corticosteroides.

Embora ainda não haja um fármaco com capacidade curativa da FPI, as presentes diretrizes sugerem que nintedanibe e pirfenidona sejam considerados para o tratamento da doença (recomendação condicional). As evidências indicam que tais agentes antifibróticos são, de fato, as únicas opções de tratamento farmacológico capazes de induzir uma redução do declínio funcional na FPI. Ambos reduzem o ritmo de queda da CVF, que é um preditor forte e independente de mortalidade da doença.

 

Autores, revisores, orientadores e liga:

Autor: Cintia Mendes de Sousa – @cintiamendes540

Coautor: Matheus Leonel Oliveira de Freitas – @leonelmatheus

Revisor(a): Luis Filipe Ribas Sousa -@luis_filipe17

Orientador(a): Frederico Augusto Rocha Ferro – @fredrocha_fisio

Coordenador: Thiago Weiss – thiagoweiss2@gmail.com

Liga: Liga Acadêmica de Anatomia Humana e Cirúrgica – @laahcporto – laahcitpac@gmail.com

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Brazilian guidelines for the pharmacological treatment of idiopathic pulmonary fibrosis. Official document of the Brazilian Thoracic Association based on the GRADE methodology Disponível em: http://www.jornaldepneumologia.com.br/details/3270