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O Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da Síndrome de Guillain-Barré (SGB) possui grande relevância no âmbito da saúde, uma vez que a Guillain-Barré, apesar de rara, é uma doença que pode afetar diretamente a qualidade de vida do paciente e até mesmo levá-lo à morte em decorrência de complicações, como, por exemplo, a insuficiência respiratória.
O Ministério da Saúde, juntamente com a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, por meio do PCDT, buscou padronizar o diagnóstico e tratamento dos pacientes com a SGB, para que assim, estes recebam um atendimento de qualidade, baseados nas melhores evidências existentes, evitando consequências maiores aos indivíduos acometidos por esta enfermidade.
O que mudou na diretriz de Guillain-Barré em relação à anterior
A diretriz atual (2020), quando comparada com a diretriz anterior (2015), apresenta mudanças nos critérios de exclusão e na definição da periodicidade do acompanhamento pós-tratamento.
Diretriz anterior (2015) | Diretriz atual (2020) | |
Critério de exclusão | Pacientes com mais de 30 dias de evolução. | Pacientes com mais de 8 semanas de evolução. |
Acompanhamento pós-tratamento | Reavaliação do paciente uma semana e um ano após a administração do tratamento. | Reavaliação feita com periodicidade definida pelo médico, até o paciente apresentar uma melhora estabilizada. |
Epidemiologia/Etiologia
A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma doença de etiologia autoimune responsável pela maioria dos casos de paralisia flácida generalizada no mundo, apresentando uma incidência anual que varia de 0,81 a 1,89 casos por 100 mil habitantes. A doença possui incidência similar entre ambos os sexos e acomete principalmente os indivíduos que estão na faixa etária de 20 a 40 anos de idade.
Fisiopatologia
A SGB é uma doença autoimune em que o sistema imunológico do indivíduo passa a atacar as células nervosas, afetando principalmente a bainha de mielina da região proximal dos nervos periféricos. Geralmente, o surgimento da SGB está associado ao aparecimento precedente de uma infecção, sendo a principal delas, a infecção por Campylobacter jejuni.
Manifestações clínicas
A SGB manifesta-se, inicialmente, pela sensação de parestesia com início nas extremidades distais dos membros inferiores, acometendo os membros superiores posteriormente. Além disso, os pacientes podem apresentar fraqueza progressiva, simétrica, de intensidade variável, que tem início em membros inferiores e depois segue para braços, tronco, cabeça e pescoço. Esta fraqueza pode ter intensidade variável, indo desde um quadro leve, até mesmo um quadro de tetraplegia completa, com insuficiência respiratória em decorrência de paralisia de musculatura respiratória acessória. Outras manifestações apresentadas são: perda dos reflexos miotáticos e instabilidade autonômica.
Normalmente, SGB progride por 2 a 4 semanas, e posteriormente, entra em fase de platô por dias ou semanas, tendo uma recuperação gradual da função motora afetada. Caso os sinais e sintomas continuem progredindo após 8 semanas, o diagnóstico de SGB deve ser excluído e outras causas devem ser pesquisadas.
Diagnóstico da Guillain-Barré
O diagnóstico da Síndrome de Guillain-Barré é baseado, principalmente, em critérios clínicos. Porém, exames complementares, como a análise do líquido cefalorraquidiano e a eletroneuromiografia (ENMG), são utilizados para concluir o diagnóstico e excluir outras patologias que podem causar quadro clínico semelhante.
Diagnóstico Clínico
A suspeita de SGB surge quando o paciente apresenta quadro clínico semelhante ao que foi citado acima, com duração de no máximo 8 semanas e início de remissão dos sintomas entre 2-4 semanas, posteriormente à fase de platô.
Exames recomendados
A análise do LCR é um exame complementar que pode ser utilizado nos casos de suspeita de SGB e seu achado mais importante para o diagnóstico é a presença de quantidade elevada de proteínas no LCR, acompanhada da presença de poucas células mononucleares. Esses achados são mais comuns a partir da segunda semana e ao ser realizada na primeira semana, a análise pode indicar normalidade em até 1/3 dos casos. Além disso, outro exame utilizado é a ENMG, que além de permitir diagnosticar a SGB, também permite diferenciar as formas de apresentação da doença.
Critérios diagnósticos
Para definição do diagnóstico de Guillain-Barré, são necessários todos os critérios abaixo:
- Presença de dois critérios essenciais;
- Presença de pelo menos três critérios clínicos sugestivos;
- Ausência de mais de uma situação que reduza a possibilidade de SGB;
- Ausência de situação que exclua o diagnóstico de SGB;
- Análise do LCR;
- ENMG compatível com a doença e investigação adicional criteriosa com intuito de afastar outras etiologias.
Critérios essenciais
- Fraqueza progressiva de mais de um membro ou de músculos cranianos de graus variáveis, desde paresia até plegia;
- Hiporreflexia e arreflexia distal com graus variáveis de hiporreflexia proximal.
Critérios sugestivos
Clínicos:
- Progressão dos sintomas ao longo de 4 semanas;
- Demonstração de relativa simetria da paresia de membros;
- Sinais sensitivos leves a moderados;
- Envolvimento de nervos cranianos, especialmente fraqueza bilateral dos músculos faciais;
- Dor;
- Disfunção autonômica;
- Ausência de febre no início do quadro.
Análise do LCR:
- Alta concentração de proteína;
- Presença de menos de 10 células/mm3.
Estudo ENMG típico (são necessários pelo menos três critérios):
- Redução da velocidade de condução motora em dois ou mais nervos;
- Bloqueio de condução do potencial de ação motor composto ou dispersão temporal anormal em um ou mais nervos;
- Prolongamento da latência motora distal em dois ou mais nervos;
- Prolongamento de latência da Onda-F ou ausência dessa onda.
Critérios que reduzem a possibilidade da SGB
- Fraqueza assimétrica;
- Disfunção intestinal e de bexiga no início do quadro;
- Ausência de resolução de sintomas intestinais ou urinários;
- Presença de mais de 50 células/mm3 na análise do LCR;
- Presença de células polimorfonucleares no LCR;
- Nível sensitivo bem demarcado.
Critérios que excluem a possibilidade da SGB
- História de exposição a hexacarbono, presente em solventes, tintas, pesticidas ou metais pesados;
- Achados sugestivos de metabolismo anormal da porfirina;
- História recente de difteria;
- Suspeita clínica de intoxicação por chumbo (ou outros metais pesados);
- Síndrome sensitiva pura (ausência de sinais motores);
- Diagnóstico de botulismo, miastenia gravis, poliomielite, neuropatia tóxica, paralisia periódica ou paralisia conversiva.
Tratamento/Condutas na Síndrome de Guillain-Barré (SGB)
O tratamento da Síndrome de Guillain-Barré (SGB) consiste no controle e antecipação das comorbidades associadas a ela e no tratamento modificador da doença, reduzindo o tempo de recuperação e minimizando os déficits motores. Ela não tem necessidade de tratamento de manutenção, ou seja, fora da fase aguda da doença.
Os pacientes com SGB devem ser inicialmente admitidos no hospital para uma observação rigorosa por uma equipe de profissionais que já esteja familiarizada com as necessidades especiais desses pacientes. Essa vigilância e antecipação das possíveis complicações são importantes para uma maior chance de um desfecho favorável. Ela inclui a prevenção de fenômenos tromboembólicos, monitorização cardíaca, avaliações da reserva ventilatória e de fraqueza orofaríngea, proteção de vias aéreas, manutenção da função intestinal, controle da dor, suporte nutricional e psicológico adequados. Além disso a fisioterapia motora também deve ser iniciada nesse primeiro momento para auxiliar na mobilização precoce.
Para determinar como será o tratamento do paciente com SGB devemos determinar a gravidade clínica de acordo com a escala proposta por Hughes et al. Sendo:
Doença leve: de 0 a 2
Moderada a grave: de 3 a 6
Escala de Gravidade Clínica proposta por Hughes et al.:
0 | Saudável |
1 | Sinais e sintomas menores de neuropatia, mas capaz de realizar tarefas manuais |
2 | Apto a caminhar sem auxílio da bengala, mas incapaz de realizar tarefas manuais |
3 | Capaz de caminhar somente com bengala ou suporte |
4 | Confinado a cama ou cadeira de rodas |
5 | Necessita de ventilação assistida |
6 | Morte |
Outro escore usado na SGB é o Escore Prognóstico de Erasmus (EGOS), ele tenta prever a probabilidade de um paciente com SGB estar caminhando sem auxílio em 6 meses. Pacientes com escore igual a 4 após duas semanas do início do quadro tem 7% de risco de não caminharem independentemente em 6 meses. O risco aumenta para 27% com escore de 5 e para 52% com escore maior que 5. Ele também é considerado para a decisão de instituir tratamentos modificadores da doença.
Escore de Desfecho para Síndrome de Guillain-Barré de Erasmus (EGOS):
CATEGORIA | ESCORE | |
Idade no início | > 60 anos 41-60 anos 40 anos ou menos | 1 0,5 0 |
Diarreia (< 4 semanas do início) | Ausente Presente | 0 1 |
Escore de gravidade clínica (com 2 semanas) | 0 ou 1 2 3 4 5 | 1 2 3 4 5 |
Escore Prognóstico (EGOS) | 1 – 7 |
Os tratamentos modificadores de doença incluem um tratamento não medicamentoso: a plasmaférese. E um medicamento: a imunoglobulina humana (IgIV). Sendo critérios de inclusão para esse protocolo pacientes que: preencherem os critérios diagnósticos incluindo as formas variantes da SGB, avaliados por médico, através de laudo detalhado, apresentarem doença moderada a grave e menos de 4 semanas de evolução. Os critérios de exclusão são: pacientes com mais de 8 semanas de evolução da doença, com insuficiência renal ou que tenham contraindicações ou efeitos adversos não toleráveis à IgIV.
Tratamento não Medicamentoso: Plasmaférese
Consiste na separação do plasma e células sanguíneas, sendo as células reifundidas após diluição em albumina diluída com gelatina ou plasma fresco. O uso dela na SGB é baseado na remoção de anticorpos, complemento e outros fatores que são responsáveis pela lesão nervosa. O efeito da plasmaférese aumenta a probabilidade dos pacientes deambularem de forma independente em 4 semanas, diminui o tempo de ventilação mecânica, risco de ventilação mecânica, risco de infecções graves, instabilidade cardiovascular e arritmias cardíacas em relação ao tratamento de suporte.
Cada sessão de plasmaférese deve ter um intervalo de 48 horas. Paciente com escala de gravidade de Hughes >3 devem receber 4 sessões, enquanto pacientes com envolvimento leve (escala de gravidade de Hughes menor ou igual a 3) podem se beneficiar de duas sessões. O uso em crianças menores de 12 anos e após 30 dias do início dos sintomas ainda é incerto, então sua indicação fica a critério do médico.
Tratamento Medicamentoso: Imunoglobulina Humana (IgIV)
É o tratamento de escolha pela facilidade de uso. Seu mecanismo de ação é pouco conhecido, mas mostrou uma eficácia semelhante na recuperação motora, risco de morte e efeitos adversos quando comparada ao tratamento com plasmaférese dentro de duas semanas.
A dose recomendada na SGB é de 2g/Kg dividida em 2 a 5 dias. Uma dose diária maior pode aumentar o risco do paciente ter complicações renais ou vasculares, principalmente em idosos. A administração deve ser feita por via intravenosa e deve ser interrompida em caso de qualquer evidência de perda de função renal e anafilaxia.
Monitoração e Acompanhamento Pós-Tratamento
Antes do início do tratamento deve-se realizar uma avaliação da função renal (especialmente em paciente diabéticos), nível sérico de IgA, sorologia para HIV e hidratação. Durante a aplicação, controlar os sinais clínicos para anafilaxia e efeitos adversos, como: dor moderada no peito, no quadril ou nas costas, náuseas e vômitos, calafrios, febre, mal-estar, fadiga, sensação de fraqueza ou leve tontura, cefaleia, urticária, eritema, tensão do tórax e dispneia.
O tratamento de pacientes que não apresentam melhora ou seguem piorando após o tratamento não está bem definido. Especialistas indicam repetir o tratamento inicial ou usar imunoglobulina após plasmaférese. Já o uso de plasmaférese após imunoglobulina não é recomendado. Os pacientes devem ser reavaliados clinicamente após a alta, periodicamente, à critério do médico até a estabilização de sua melhora.
Observação: Quando os pacientes apresentam piora progressiva além de oito semanas após o início do quadro, deve-se considerar o diagnóstico de polirradiculoneuropatia inflamatória desmielinizante crônica (PIDC), cujo tratamento é diferente.
Prevenção
Não existe prevenção específica, mas a prevenção de infecções pode ajudar a reduzir a chance de desenvolver a SGB.
O que muda no dia seguinte
Com tratamento do paciente como sugerido pela diretriz é esperado que haja uma diminuição: do tempo de recuperação da capacidade de deambular com e sem ajuda, do tempo de ventilação mecânica (VM), da mortalidade, do número de pacientes com complicações associadas necessitando de VM e um aumento da porcentagem de pacientes com recuperação total da força muscular em um ano. Como esse cuidado especial que os pacientes com SGB necessitam é mais bem encontrado em centros terciários, é provável que não seja de fácil acesso para todo os pacientes em todas as regiões do Brasil.
Autores, revisores e orientadores:
Autor(a): Clara Andrade – @clara__andrade e Alice Bastos – @alice_bastos
Revisor(a): Mayara Leisly – @mayleisly
Orientador(a): Mayara Leisly – @mayleisly
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Referências:
Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde. Coordenação-Geral de Gestão de Tecnologias em Saúde. Coordenação de Gestão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome de Guillain-Barré. Brasília, DF: Ministério da Saúde. 27 p. Disponível em: