Diretrizes Terapêuticas de Glaucoma | Ligas

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O Glaucoma é uma doença neurodegenerativa multifatorial, onde há lesão progressiva do nervo óptico e cujo principal fator de risco é o aumento da pressão intraocular (PIO). É a segunda causa mais comum de perda de visão e a primeira causa de cegueira irreversível no mundo.

É mais prevalente após os 40 anos de idade, sendo geralmente silenciosa. Em geral, no inicio da doença o paciente é assintomático e não percebe a redução do campo visual, e progressivamente há perda da visão periférica até a formação de um campo de visão tubular. O Glaucoma pode ser classificado como primário (pode ser congênito, de ângulo aberto ou ângulo fechado) ou secundário (por trauma, inflamação, uso de drogas etc).

Diante disso, a Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG), por meio de diretrizes, fornece recomendações baseadas na literatura e nos principais consensos disponíveis para um adequado seguimento clínico, no qual o exame oftalmológico completo e indicação consciente dos exames complementares disponíveis são muito importantes para um diagnóstico precoce e detecção da progressão em doentes, objetivando estabilizar a doença e evitar maiores danos.

Epidemiologia/Fatores de Risco

O glaucoma afeta mais de 67 milhões de pessoas no mundo, das quais 10% são cegas. Depois da catarata, o glaucoma é a segunda causa de cegueira, sendo a principal causa de cegueira irreversível. Os estudos mostram prevalência de 2-3% na população brasileira acima de 40 anos, com aumento da prevalência conforme o aumento da idade. Estima-se que apenas 50% das pessoas que tem glaucoma saibam da sua condição, devido aos poucos sintomas apresentados nas fases iniciais da doença.

 Vários fatores de risco, além da PIO aumentada, já foram identificados: idade acima de 40 anos, escavação do nervo óptico aumentada, etnia (negra para o de ângulo aberto e amarela para o de fechamento angular), história familiar, ametropias (miopia para o de ângulo aberto e hipermetropia para o de fechamento angular), pressão de perfusão ocular diminuída, diabetes melito tipo 2, fatores genéticos e outros fatores especificados.

Imagem ampliada da câmara anterior demonstrando a produção e drenagem do humor aquoso. Em vermelho é mostrado a alteração da malha trabecular, impedindo a drenagem adequada, aumentando a PIO no glaucoma primário de ângulo aberto. Fonte: https://teams.microsoft.com/_#/mp4/viewer/teams/https:~2F~2Fliveestacio.sharepoint.com

Fisiopatologia

O sítio primário de lesão no glaucoma é o disco óptico e suas camadas de fibras nervosas, que quando lesadas, leva a um aumento da escavação do disco devido a redução das fibras nervosas. A perda da visão é lenta e progressiva, no glaucoma inicial o paciente começa a perder a visão periférica, com redução da luminosidade, evoluindo para um campo de visão tubular.

Em condições fisiológicas, o humor aquoso é produzido nas células ciliares da câmera posterior e flui para a câmara anterior através da pupila, onde é drenado pela malha trabecular e canal de Schelemm. No glaucoma de ângulo aberto, que é o mais comum, há uma alteração na região da malha trabecular (nos canalículos), gerando ineficiência da drenagem do humor aquoso que esta em constante produção pelo corpo ciliar, levando ao aumento da PIO (acima de 21 mmHg), que irá lesar a camada de fibras nervosas, aumentando a escavação do disco óptico de forma crônica e progressiva.

No glaucoma de ângulo fechado que pode ser crônico ou, raramente, agudo, ocorre obstrução mecânica do trabeculado filtrante. Em pacientes com anatomia predisponente, o cristalino fica muito próximo da íris, dificultando a passagem do humor aquoso através da pupila. Dessa forma, há acúmulo de humor aquoso na câmara posterior e aumento da pressão nesse compartimento, projetando a periferia da íris sobre o ângulo e causando o fechamento do mesmo, prejudicando a drenagem e levando a neuropatia óptica progressiva. O uso de algumas drogas também está associado ao seu desenvolvimento.

Quando a PIO está normal e o paciente apresenta dano no nervo óptico ou alteração no campo visual, ele é classificado como portador de glaucoma de pressão normal (GPN). Já o glaucoma congênito se apresenta nos primeiros dias de vida devido a uma má formação da estrutura do globo ocular durante a embriogênese.

Abordagem inicial

Inicialmente, a anamnese completa deve ser realizada, considerando-se eventuais queixas visuais do indivíduo e a história da doença atual. É fundamental coletar todos os antecedentes pessoais, atentando a possíveis doenças sistêmicas crônicas, histórico familiar, uso de medicamentos sistêmicos ou oculares e cirurgias oftalmológicas prévias.

Diagnóstico do Glaucoma

O exame oftalmológico deve ser completo, envolvendo medida da acuidade visual, refração e avaliação dos reflexos pupilares. A biomicroscopia do segmento anterior, do seio camerular (gonioscopia) e do polo posterior (fundoscopia) deve ser minuciosa. Além disso, deve ser feito a tonometria para aferição da pressão intraocular (PIO).

Exames recomendados

Medida da acuidade visual (AV) com melhor correção; e exame pupilar para avaliação de reatividade à luz e procura de defeito pupilar aferente relativo;

Biomicroscopia de segmento anterior para avaliação da profundidade da câmara anterior, de doenças corneanas ou de causas secundárias para o aumento da PIO;

Tonometria de aplanação de Goldmann (padrão ouro) para aferição da PIO, em diferentes dias e horários, para reconhecimento da flutuação diária;

Biomicroscopia de segmento posterior para avaliação do nervo óptico e da camada de fibras nervosas para o fornecimento de informações estruturais sobre o dano glaucomatoso.

Retinografia colorida binocular para documentação fotográfica do disco óptico, visando detectar sinais sugestivos de progressão da neuropatia.

Se houver suspeita de glaucoma, exames complementares são realizados para investigação diagnóstica (nos casos de glaucoma estabelecido, visam auxiliar na definição etiológica e de gravidade). São eles:

Gonioscopia para avaliação do ângulo iridocorneano, identificando a amplitude do ângulo da câmara anterior, o grau de pigmentação, a altura da inserção iriana e a configuração da íris.

Paquimetria para avaliação da espessura corneana central.

Perimetria Computadorizada (padrão-ouro) para detectar o dano funcional do glaucoma e para monitorizar sua progressão.

Tomografia de coerência óptica (TCO) para análise estrutural do glaucoma e avaliação da progressão da doença.

Classificação quanto à gravidade

A orientação para seguimento clínico de pacientes com glaucoma é baseada no estadiamento da doença, de acordo com critérios funcionais e/ou estruturais. O estadiamento funcional mais utilizado é o Bascom Palmer Glaucoma Staging System (GSS). Tal sistema utiliza parâmetros retirados da perimetria visual computadorizada padrão para classificar a gravidade do defeito campimétrico.

Critérios de gravidade menores:

  • PIO de 21-26 mmHg na ausência de medicamento antiglaucomatoso;
  • Alargamento da escavação (relação entre o diâmetro da escavação e o diâmetro do disco) do disco óptico entre 0,5-0,8;
  • Alteração no campo visual compatível com glaucoma sem comprometimento dos 10 graus centrais em nenhum dos olhos.

Critérios de gravidade maiores:

  • PIO acima de 26 mmHg na ausência de medicamento antiglaucomatoso;
  • Cegueira por dano glaucomatoso em um olho;
  • Alargamento da escavação (relação entre o diâmetro da escavação e o diâmetro do disco) do disco óptico acima de 0,8;
  • Comprometimento em três ou mais quadrantes ou dano nos 10 graus centrais em um dos olhos.

Tratamento/Condutas do Glaucoma

O objetivo principal do tratamento de glaucoma é a redução da PIO, que é o único parâmetro alterado pela medicação. Após a realização do exame oftalmológico completo, os pacientes devem repetir a medição da PIO quatro semanas após o início ou a modificação do tratamento. Nesse mesmo período, é necessária a escolha da PIO alvo (individualizada para o paciente), definida como uma PIO na qual não há progressão documentada da doença. Seu valor inicial geralmente é 25-30% inferior ao da PIO basal.

Os fármacos tópicos são os mais usados na redução da PIO, na forma de colírio, e podem ser classificados em cinco categorias principais: betabloqueadores (Maleato de timolol), parassimpaticomiméticos (Pilocarpina), agonistas alfa-adrenérgicos (Tartarato de brimonidina), inibidores da anidrase carbônica (Cloridrato de dorzolamida), análogos das prostaglandinas (Bimatoprosta) e prostamidas.

Como o glaucoma é uma doença incurável, o tratamento é contínuo, sem duração pré-determinada, o que exige um adequado acompanhamento oftalmológico. Quando o tratamento clínico é ineficaz, intolerável ou não conta com a adesão do paciente, a cirurgia (Trabeculotomia, Implantes de drenagem e procedimentos ciclodestrutivos) e o laser (Iridotomia para casos de ângulo fechado) deve ser considerada para o controle da doença.

Na emergência

O paciente que apresentar sinais e sintomas sugestivos de Glaucoma agudo de ângulo fechado deve ser referenciado à uma emergência oftalmológica para receber tratamento, dentro de uma hora do inicio dos sintomas, preferencialmente. Se o paciente chegar com mais de uma hora de inicio dos sintomas e a suspeita de ataque agudo for alta, deve-se iniciar imediatamente o manejo com colírios anti-glaucomatosos (Ex: Maleato de Timolol e Pilocarpina) como também medicações sistêmicas.

Prevenção

A realização regular de exames oftalmológicos é fundamental para a detecção do glaucoma em seus estágios iniciais, antes do dano irreversível ocorrer. Além disso, a melhora da qualidade de vida e o uso de EPIs para proteção ocular ajudam a reduzir os fatores de risco para a doença.

O que muda no dia seguinte

A adesão do paciente ao tratamento proposto é fundamental no manejo do glaucoma e a conscientização sobre a doença reduz o risco de falência do tratamento medicamentoso. A expectativa de progressão da doença modulará a periodicidade das consultas e a frequência de realização dos exames complementares para cada indivíduo. Sugere-se adequar a periodicidade e a repetição dos exames a critério do oftalmologista.

A monitorização do paciente é fundamental para o controle da doença. Como a forma mais comum do glaucoma é uma afecção crônica, assintomática e com necessidade de uso de múltiplos medicamentos, a relação médico-paciente tem uma importância fundamental.

Autores, revisores e orientadores:

Autor(a) : Milena Ribeiro Araujo dos Santos – @miribeiro.araujo

Revisor(a): Raíza Pereira – @raizapereira

Orientador da Liga: André Portes

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

MOURA, C. R.; SILVA,N. A.; ESPORCATTE, B. L. B.; BARBOZA, W. L. Glaucoma: Seguimento Clínico e Exames Complementares. Sociedade Brasileira de Glaucoma. Acesso em: 25 mai. 2021 https://www.sbglaucoma.org.br/wp-content/uploads/2019/12/02-DIRETRIZ-SEGUIMENTO-CL%C3%8DNICO.pdf

BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Glaucoma, 2018. Acesso em: 25 mai. 2021. http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2018/Relatorio_PCDT_Glaucoma.pdf

REFOSCO, L. M.; FENSTENSEIFER, G.; VARGAS, J. A. Manejo e Diagnóstico do glaucoma Agudo de Ângulo Fechado. Acesso em: 25 mai. 2021.  https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/04/882733/manejo-e-diagnostico-do-glaucoma-agudo-de-angulo-fechado-na-emergencia.pdf

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