Dívida do financiamento estudantil: O médico recém-formado consegue pagar? | Colunistas

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O que é financiamento estudantil e panorama
geral

O curso de
Medicina, historicamente, é o mais concorrido do país. Quando você terminou o
ensino médio e após concorridíssimo processo de seleção conseguiu ingressar
nessa formação profissional, já venceu um dos maiores desafios da sua vida.
Porém vale lembrar de outra grande etapa a ser superada por muitos: o
financiamento estudantil.

Atualmente o Brasil conta com 340
Escolas Médicas distribuídas pelo território nacional, conforme portal gerido
por Dr. Antonio Celso Nunes Nassif, ex-Presidente da Associação Médica
Brasileira (AMB). Dessas 140 encontram-se sob alguma forma de administração
pública (federal, estadual, etc.) e 200
pertencem à rede privada de educação. Em grande parte delas, a mensalidade
praticada encontra-se acima de R$ 6 500,00. Você deve ficar com esse número em mente.
Lembrando que cada universitário tem uma realidade com particularidades e o seu
débito estudantil pode divergir substancialmente, mas utilizar um valor
simbólico ajuda a ilustrar a situação.

O maior
representante do financiamento é o FIES (Financiamento Estudantil) operado pelo
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) vinculado ao governo
brasileiro e esse será o parâmetro principal de informações que passaremos a
você, decorrente do grande número de alunos envolvidos. Para Medicina, há perspectiva
positiva, pois é considerada demanda prioritária, então há um número bastante
significativo de vagas oferecidas.

Colocações
pontuais sobre financiamento em crédito estudantil privado vinculado à própria
faculdade ou em bancos privados também serão feitas.

Diferentes modalidades e regras

Conforme o
estudo Demografia Médica no Brasil 2018, encomendado periodicamente pelo CFM,
no momento da coleta de dados existiam 29.271 vagas entre todas as
instituições, divididas em 10.237 ou 35% oferecidas por públicas e em 19.034 ou
65% oferecidas por particulares. Sobre os egressos de particulares 47,6% deles
envolveram-se com alguma modalidade de financiamento ou bolsa, dos quais cerca
de 1/3 através do FIES.

O FIES possui três modalidades de contrato oferecidas em função da renda per capita de quem está pleiteando o financiamento. Atenção para a Modalidade I, até 3 salários mínimos, ser operada exclusivamente pela Caixa Econômica Federal. Considerando mudanças no regime de cobranças do FIES ocorridas em 2010, 2015 e 2018, o quadro geral é:  

  • Juros: De 0% (Modalidade I com até 1,5 salário mínimo de renda per capita) até 6,5% ao ano.
  • Percentual do custo do curso a ser financiado: Mínimo de 50% e máximo de 100%.
  • Período de amortização (período total que vai seguir pagando após formado): Até 3x duração do curso geralmente.
  • Período de carência (em quanto tempo após formado precisa começar a pagar): Existem duas situações principais, devido à mudança recente numa regra importante.
    • A. Quem solicitou o FIES e assinou contratos até 2017 possuía 18 meses de carência após a formatura.
    • B. Conforme a Medida Provisória (MP) nº 785, 6 de Julho de 2017, quem assinar o contrato do FIES a partir de janeiro de 2018 não possui período de carência, as parcelas já são cobradas no mês imediato após a formatura ou diretamente descontado do salário, caso esteja empregado em regime de CLT. Vale você lembrar que, entre mudanças com impacto maior ou menor, as regras do programa mudam frequentemente e a melhor garantia é sempre conferir o edital da edição em que você assinou contrato.

Trabalho em
troca de quitação: Existe a Portaria Conjunta do MEC e Ministério da Saúde Nº 2
de 25 de Agosto de 2011, informando que o graduado em medicina que atue por ao
menos um ano em equipe de Saúde da Família oficialmente cadastrada em
municípios selecionados como prioritários pode ter abatimento do pagamento.  Vale você lembrar que em âmbito federal o
período é de diversas alterações em leis referentes à Saúde da Família,
principalmente devido à substituição do Mais Médicos para Médicos pelo Brasil.

O crédito
privado, seja vinculado à própria faculdade ou a um banco, terá nesses mesmos
parâmetros o seu guia para decidir se é um financiamento “bom ou ruim”. O
marketing do financiamento privado costuma ser de alta qualidade, superando o
público e às vezes parecendo mais atrativo. Um artifício comum é mostrar juros
bem pequenos, porém esses são mensais. Exemplo de 1,39% que se mostra
competitivo contra os até 6,5% ao ano do FIES, porém esses 1,39% ao mês se
transformam em 18% ao ano. Cuidado com esse artifício!

O seu caso
pode ser diferente das condições mencionadas. Independentemente dos parâmetros,
o aluno pode optar por renegociação da dívida caso sua condição financeira se
altere para melhor ou pior poder aquisitivo. Para o FIES, a renegociação
administrativa só é válida para contratos que não estão em disputa judicial.
Quase sempre serão oferecidas condições vantajosas caso o aluno proponha quitar
a dívida antes do período previsto.

Perspectivas de renda do recém-formado (você daqui algum tempo)

O valor base
da bolsa de residência do médico brasileiro, independente da especialidade,
está fixado em R$ 3 330,43 desde 2016 por Portaria do Governo Federal. O
primeiro destaque é o residente receber bolsa ao invés de salário: não é apenas
diferença de palavras, são modalidades de remuneração diferentes sobre as quais
as taxas do governo incidem de forma diferente, alterando o valor final que
fica na mão do médico. O segundo decorre de alguns programas complementarem
esse valor com verbas da própria instituição, então essa é a referência mínima.

Você pode
conferir detalhes neste artigo da Sanar aqui:

Para a bolsa,
diminui-se 11% do valor na maioria dos serviços (ou 20% em programas vinculados
à instituição filantrópica) que são retidos pelo INSS e cobrança de demais
impostos é ilegal. Caso esteja trabalhando o imposto incide sobre a faixa de
renda, tomando como exemplo alguém que atue na atenção básica recebendo R$ 11 865,60
(remuneração Regime Mais Médicos) diminui-se 27,5%. Nas três situações chega na
mão do médico, respectivamente 2 964,08 reais, 2 664,34 reais e 8 602,56 reais.

Como fica para você pagar as dívidas do financiamento estudantil

Vamos
considerar um contrato mediano, em que você não obteve a isenção de taxas (juro
zero), mas também não ficou com as piores condições. Financiou 100% do curso,
precisará pagar logo após formar-se, pretende pagar ao longo de 18 anos (216
parcelas), não fará trabalho em troca de quitação e seu juro foi de 5% ao ano.

Lembra do
valor da mensalidade lá do começo? Sem considerar taxas de matrícula e outros
gastos obrigatórios, só o curso de 6 anos com 12 mensalidades cada ano implicam
num débito estudantil mínimo* de R$ 530 549,20 conforme o contrato mediano. Apenas
para comparativo, o curso sem juro nenhum custaria R$ 468 000,00.

*Cálculo feito
através do montante composto aplicado anualmente sobre o qual incide juros, mas
tanto o site do FIES como da Caixa Econômica Federal disponibilizam Simuladores
de Financiamento para ajudar você com a matemática.

QUEM ESTÁ NO
EMPREGO:

Cada parcela
custará R$ 2456,24. Enquanto esse valor cabe dentro do orçamento de um médico
que esteja trabalhando apenas na atenção básica de saúde, ainda sobrará mais de
6 mil reais mensais, permitindo boa qualidade de vida, atividades de lazer,
economizar dinheiro, investimentos e até uma quitação precoce na tentativa de diminuir
o valor da dívida. Para esse grupo, SIM, sim é possível pagar.

QUEM ESTÁ
NA RESIDÊNCIA:

Cada parcela
custará R$ 2456,24. Caso o seu programa de residência pague apenas a base, esse
valor pode comprometer mais de 90% da sua renda. Para esse grupo, NÃO, não é
possível pagar apenas com a bolsa. Esse médico recém-formado precisará buscar
outras formas de complementação de renda, considerando que serão necessários ao
menos quatro ou cinco plantões mensais para ter alguma estabilidade financeira.
Reitero que essa previsão toma a base da bolsa de residência, mas alguns
serviços chegam a pagar mais de 7 mil reais para o residente. Nesse nicho de
situação, não haveria necessidade de complementação de renda.

Toda
generalização implica em perda de detalhes, ainda mais num assunto tão
complexo, mas espero que tenha lhe ajudado a entender melhor o tema! 

Abraço e até a
próxima,

Autor: Guilherme Socoowski das Neves

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