Carreira em Medicina

Doença de alzheimer: aspectos gerais | Colunistas

Doença de alzheimer: aspectos gerais | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Definição da Doença de Alzheimer

Doença de Alzheimer (DA) é uma moléstia neurodegenerativa progressiva, caracterizada por danos funcionais e perda da autonomia com a necessidade de total dependência. Inicia-se com a deterioração das funções cognitivas e comportamentais mediante às Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD), junto aos sintomas neuropsíquicos1

ABDV referem-se às atividades fundamentais como por exemplo: tomar banho, trocar de roupa, higienizar-se, alimentar-se etc1.

Conforme Alzheimer´s Disease International, estima-se que mais de 50 milhões de pessoas no mundo apresentam algum quadro de demência2. A cada 3,2 segundos surge um novo caso de demência2. Acredita-se que até 2030 serão mais de 74,7 milhões de pessoas com esse problema. A Doença de Alzheimer é a causa mais frequente de demência, correspondendo a cerca de 60 a 70% dos casos. Geralmente se inicia após aos 60 anos de idade2.

Os fatores de risco se dividem em dois grupos: não modificáveis (aqueles intrínsecos ao indivíduo, independe de fatores externo) e os modificáveis1. Os itens pertencentes ao primeiro grupo são: idade avançada, sexo feminino, genes (PSN1, PSN2, ApoE, E4), história familiar1. Já os principais componentes modificáveis são: baixa escolaridade, doenças crônicas, perda da audição, depressão, tabagismo e alcoolismo1.

Fisiopatologia:

Acredita-se que dois fatores estão intimamente relacionados com o processo neurodegenerativo da DA: as PLACAS SENIS (NEURÍTICAS) e os EMARANHADOS NEUROFIBRILARES (ENF) 1. As placas senis são lesões extracelulares formadas por debris e restos celulares, os quais apresentam núcleo central proteico sólido constituído por PEPTÍDEO BETA-AMILOIDE, enquanto que os ENF são inclusões intraneurais compostas de bandas de elementos citoesqueléticos anormais denominados FILAMENTOS HELICOIDAIS PAREADOS INSOLÚVEIS1

2.1- Os núcleos das placas senis surgem a partir da secreção da proteína precursora de amiloide (APP) pelas células cerebrais. Essa proteína será convertida em Peptídio Beta-Amiloide por meio da clivagem da alfa-secretase1.

Pessoas com tendência a DA apresentam peptídios beta-amiloides com distintos formatos no interior das placas senis, que podem ser solúveis e insolúveis e, ao serem liberados, promoverem distintos efeitos que culminam na doença neurodegenerativa1.

2.2- E os emaranhados neurofibrilares? Eles são inclusões intraneurais com citoesqueletos anormais, de forma helicoidal, compostos, principalmente, pela proteína “tau” em sua forma hiperfosforilada (p-tau 181p). Em condições fisiológicas, essas proteínas fornecem estabilidade ao sistema de microtúbulos responsável pelo transporte de substâncias do corpo celular para a terminação sináptica no interior dos neurônios1. Como ocorre essa estabilidade? Por motivos ainda incertos, ocorre um processo de fosforilação anormal que leva à instabilidade das tubulinas pela “tau”, ocasionando edema e distrofia dos microtúbulos e, consequentemente, a morte neuronal1

2.3- Resumindo, peptídeo beta-amiloide e emaranhado neurofibrilares são os responsáveis pelos acometimentos da DA1. No peptídeo beta-amiloide há produção dessa proteína no interior de placas senis que ao ser liberada pode causar efeitos deletérios sobre o neurônio ou formar fibrilas1. Já ENF é composto pela “tau” e contribuem para estabilidade dos microtúbulos (tubulinas) da célula nervosa, porém, quando a “tau” é fosforilada causa instabilidade nessas tubulinas levando à distrofia e morte neuronal1.

2.4- “Como esses processos desencadeiam os sintomas na Doença de Alzheimer?” Esses processos acometem, predominantemente, neurônios responsáveis por sistemas específicos de transmissão, ocorrendo redução progressiva de norepinefrina, serotonina e, com maior ênfase, acetilcolina1. Vias colinérgicas que se iniciam em neurônios de grupos nucleares subcorticais e de núcleos prosencefálicos basais (núcleo basal de Meynett (NBM), núcleo da banda diagonal de Broca e núcleo septal medial) são os mais acometidos antes do processo atingir regiões temporais e frontais3

2.5- Veja bem! Os sintomas surgem conforme há acometimento da região. O núcleo basal de Meynert, por exemplo, funcionalmente se relaciona com mecanismo de vigília e atenção3.  Já o núcleo da banda diagonal de Broca e o núcleo septal medial compõem a área paraolfatória de Broca e recebem aferências do hipocampo e giro parahipocampal3.  Assim sendo, sua função é conectar estruturas límbicas ao hipotálamo e ao tronco encefálico e, portanto, quando afetadas, podem fazer com que o indivíduo apresente reações exageradas a estímulos ambientais com alterações comportamentais, principalmente, relacionada ao ato de comer e beber (componentes da ABVD) e episódios de raiva e distúrbios sexuais3.

Imagem: Imunohistoquímica com exemplos de C) Placa Beta-amiloide e H) Emaranhados Neurofibrilares4.
Fonte: Lane, C. A., Hardy, J., & Schott, J. M. (2018). Alzheimer’s disease. European journal of neurology, 25(1), 59–70. https://doi.org/10.1111/ene.13439.

Vale ressaltar que novos estudos abordam o aumento da perda dos neurônios glutaminérgicos, com alteração nos receptores NMDA (receptor glutaminérgico) e na expressão do receptor do ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropiônico no córtex cerebral e hipocampo conforme a progressão da DA1. Como consequência disso, aumenta-se as concentrações de glutamato, logo, amplia a frequência da despolarização da membrana pós-sináptica, o que reduz a detecção dos sinais mediados pelo receptor de NMDA. Isso culmina no dano cognitivo1.

Clínica da Doença de Alzheimer

3- Clínica da Doença de Alzheimer:

A Doença de Alzheimer se divide em três fases, conforme os sintomas e o tempo de duração: iniciais, moderadas e avançadas1.

3.1- Fase Inicial: Insidiosa:

3.1.1- Duração: 2 a 3 anos1.

3.1.2- Sintomas: a) comprometimentos da memória de longa duração declarativa; b) alteração da linguagem (anomia) e c) outras alterações1

3.1.3- Evidências de aparecimento: perder carteira, chaves e objetos; esquecer comida no fogão; dificuldade de recordar datas, compromissos, nome de familiares, fatos recentes1. Dificuldade em encontrar palavras; desatenção; apatia; alteração no humor; alteração no comportamento (fases de raiva, ansiedade, hiperatividade), ideia delirante (Síndrome de Otelo; Síndrome de Capgras)1.

3.2- Fase Moderada: Deterioração mais acentuada dos déficits de memória

3.2.1- Duração: 2 a 10 anos1.

3.2.2- Sintomas: a) agnosia, isto é, o indivíduo vê objetos, mas não os associam; b) afasia, ou seja, incapacidade de compreender e expressar linguagem nas formas escritas ou faladas; c) sintomas focais; d) sintomas motores e extrapiramidais; e) sintomas psicológicos; f) depressão da DA e g) apatia da DA1.  

3.2.2.1-  Afasia é dividida em duas fases: 1ª) consiste no indivíduo apresentar dificuldade de nomeação; 2ª) o indivíduo apresenta dificuldade de acesso léxico, empobrecimento do vocábulo, parafasia, circunlóquios e apraxia ideatória1.

3.2.2.2- Sintomas focais são divididos em dois momentos: I) comprometimento das atividades instrumentais diárias (ex. lidar com financias, cozinhar, usar transporte público); II) comprometimentos das atividades básicas diárias (vestir-se, alimentar-se, banhar-se)1

3.2.2.3- Sintomas motores e extrapiramidais (Parkinsonismo): bradicinesia, hipotensão postural, rigidez e tremores1

3.2.2.4- Sintomas psicológicos: agitação; perambulações agressividade; questionamentos; distúrbio do sono; Síndrome do Entardecer e Síndrome de Capgras1.

3.2.2.5- Depressão: redução da expressão, do prazer social e da atividade sexual; isolamento social; recusa alimentar; irritabilidade; vocalização perturbada; humor deprimido/choro; ganho de peso ou redução do peso; fadiga; sentimento de inutilidade1.

3.2.2.6- Apatia: redução da interação social (não conversa e não busca dialogar) e redução do pensamento intencional1

3.3- Fase Avançada: comprometimento de todas as funções cognitivas1.

5.3.1- Duração: 8 a 12 anos1

5.3.2- Sintomas: indivíduo não reconhece face ou espaço familiar, comunicação por ecolalia (vocalização inarticulada, sons incompreensíveis, jargões semânticos), torna-se acamado, surge a incontinência urinária e fecal (risco de septicemia por infecções)1

Diagnóstico da Doença de Alzheimer

Há várias formas de diagnóstico de DA, as quais levam em conta toda história clínica e sintomatologia do indivíduo. Utilizaremos aqui os critérios do “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Alzheimer” do Ministério da Saúde, publicado em 20175.

O rastreamento inicial inclui a avaliação da depressão e exames laboratoriais com o foco na função tireoidiana e níveis de vitamina B125. Para confirmação do diagnóstico são necessários: HISTÓRIA COMPLETA; AVALIAÇÃO CLÍNICA (incluindo a escala de avaliação clínica da demência – CDR); RASTREIO COGNITIVO (testes cognitivos como o Mini Exame do Estado Mental – MEEM), EXAMES LABORATORIAIS (hemograma, eletrólitos (sódio, potássio e cálcio), glicemia, nível sérico de B12, ureia e creatinina, TSH e ALT/AST), SOROLOGIA SÉRICA – para menores de 60 anos – VDRL E HIV), IMAGEM CEREBRAL (TC sem contraste ou RM)5.

Vejamos um exemplo:

FONTE: LOPEZ, JOSE A. SORIA , GONZÁLEZ, HECTOR M. , & LÉGER, GABRIEL C. . (2019). Handbook of Clinical Neurology: Alzheimer’s disease (3rd ed.). Elsevier B.V

Na primeira imagem temos um paciente de 62 anos cognitivamente normal. Em contrapartida, na segunda imagem, observamos um paciente de 70 anos, com comprometimento cognitivo leve amnésico (devido a DA) com atrofia dos hipocampos bilaterais (marcados com a cor verde oliva), nota-se, também, volume abaixo do percentil 5%, altamente sugestivo de DA3.

Os elementos-chaves conforme National Institute on Aging and Alzheimer’s Association Disease and Related Disorders Association (NIA/AA) endossados pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN) são5:

FONTE: Ministério da Saúde. (2017). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Alzheimer. (PORTARIA CONJUNTA Nº 13, DE 28 DE NOVEMBRO DE 2017).

 É sempre importante o diagnóstico diferencial com outras demências como Vascular, Frontotemporal, Corpos de Lewy. Além de outras causas de desordem mental como deficiência de B12 e hipotireoidismo5

Conforme o Ministério da Saúde: “O diagnóstico definitivo de DA só pode ser realizado por necropsia (ou biópsia) com identificação do número apropriado de placas e enovelados em regiões específicas do cérebro, na presença de história clínica consistente com demência, porém na prática clínica não se recomenda biópsia para tal diagnóstico 5.

Tratamento

A primeira linha do tratamento consiste em inibidores da acetilcolinesterase (Donepezila, Galantamina e Rivastigmina)5. Para isso, o indivíduo deve preencher TODOS os quatro critérios a seguir5

  • 1) Diagnóstico de DA provável conforme NIA-AA e ABN; 
  • 2) MEEM com escore de 12 a 24 para quem estudou por mais de quatro anos ou entre 8 e 21 para quem tem menos de quatro anos de escolaridade; 
  • 3) Escala CDR= 1 ou 2 (demência leve ou moderada); 
  • 4) Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnética, além de exames laboratoriais que afastem outras doenças frequentes nos idosos (que possam provocar disfunção cognitiva). 

5.1- Por que usar inibidores da acetilcolinesterase? Para estabilizar o comprometimento cognitivo, assim como o comportamento e as atividades básicas da vida diária. 

5.2- O que os inibidores da acetilcolinesterase fazem? Inibem a enzima acetilcolinesterase, a qual tem a função de inativar a acetilcolina, hidrolisando-a em acetato e colina.  Com essa inibição, aumentam a secreção ou o prolongamento da meia-vida da acetilcolina na fenda sináptica em áreas relevantes no cérebro. 

5.3- Existem outros tratamentos medicamentosos? Pode-se utilizar a Memantina (com ou sem combinação com os inibidores da acetilcolinesterase), porém, modifica-se alguns critérios, como por exemplo o CDR deve ser 3 (demência grave) e MEEM com escore 5 e 11, para escolaridade maior do que 4 anos, ou entre 3 e 7, quando escolaridade menor ou igual a 4 anos. 

5.4- Qual é o mecanismo da Memantina? A Memantina atua nos receptores de NMDA, antagonizando-os. 

5.5- Quais são os outros tratamentos? Dentre os tratamentos não medicamentosos temos: exercício físico, intervenções didáticas, treino e reabilitação cognitiva, técnicas de conduta comportamental, treino de habilidade de comunicação para cuidadores.  

Após início do tratamento, a primeira consulta deverá ocorrer em três a quatro meses. Depois, a cada seis meses. Deve-se sempre utilizar MEEM e a Escala CDR para monitorização.  

Autor: Edy Alyson Costa Ribeiro

Instagram: @e.alysonribeiro


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

Freitas, Elizabete Viana de. (2016). Tratado de geriatria e gerontologia (4th ed.). Guanabara Koogan.

Alzheimer’s Disease Internationa. (2019). World Alzheimer Report 2019 (10th ed.). Alzheimer’s Disease International.

LOPEZ, JOSE A. SORIA , GONZÁLEZ, HECTOR M. , & LÉGER, GABRIEL C. . (2019). Handbook of Clinical Neurology: Alzheimer’s disease (3rd ed.). Elsevier B.V. Budson, Andrew E. , & Solomon, Paul R. . (2018). Perda da Memória, Doença de Alzheimer e Demência: Guia Prático para Clínicos (2nd ed.). Elsevier.

Lane, C. A., Hardy, J., & Schott, J. M. (2018). Alzheimer’s disease. European journal of neurology, 25(1), 59–70. https://doi.org/10.1111/ene.13439

Ministério da Saúde. (2017). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Alzheimer. (PORTARIA CONJUNTA Nº 13, DE 28 DE NOVEMBRO DE 2017). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (www.gov.br)