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A residência médica já é bastante dura, carga horária, muitas vezes mudanças de endereço, pouco tempo para família e amigos, remuneração, etc. Não bastasse tudo isso, durante a pandemia e as restrições impostas por ela vieram outras lições duras.
Durante a pandemia do novo Coronavírus, uma parte fundamental da força de trabalho é composta por médicos residentes, que atuam na linha de frente do tratamento dos pacientes.
Somente nos Estados Unidos, existem aproximadamente 130.000 profissionais residentes da medicina e, uma boa parte desse total, está na linha de frente de combate à Covid-19. No Brasil, segundo dados do MEC de 2020, pouco mais de 23.000 médicos atuam no programa de residência médica.
Muitos jovens médicos tiveram suas rotinas alteradas e têm aprendido duras lições com a doença. Enfrentam longas horas em emergência e unidades de terapia intensiva, tratam pacientes infectados com o vírus e tem que lidar diariamente com um volume muito maior de trabalho.
Fora o distanciamento social de familiares e a constante necessidade de estreitar os cuidados para manter a boa saúde mental, em um período de estresse natural do próprio sistema de saúde.
Depoimentos de médicos residentes
O Dr. David Lin é residente do segundo ano do Hospital Mount Sinai, em Nova York, e conta que muita coisa mudou após o dia em que o primeiro paciente com Covid-19 entrou no hospital.
“A partir daí, toda pessoa que entrava: insuficiência respiratória, instável, Covid. Qualquer pessoa, jovem, velha… foi apenas um dilúvio”, relatou.
E diante da alta demanda, o jovem médico teve uma surpresa. Viu que uma parte do seu conhecimento clínico adquirido ao longo de anos não se aplica da mesma maneira para os pacientes com Covid-19. Em vez de melhorar, os pacientes permaneciam na UTI por várias semanas e com uma recuperação incerta.
“Você está tentando fazer algo e nada está funcionando. Agora, sempre que vejo alguém entubado, simplesmente sei que ele provavelmente irá morrer”, afirma.
Segundo Lin, um outro grande desafio é que nem os médicos mais experientes, preceptores dos residentes, têm as respostas. “Os líderes em cuidados intensivos que eu respeito tanto estão me dizendo coisas como não sabemos o que fazer. Isso é aterrorizante. Sempre haverá coisas na medicina que você nunca saberá”, disse.
No Brasil, médicos residentes querem repor período de formação
Muitos médicos residentes deixaram completamente de lado o aprendizado prático na sua área de formação para atender os pacientes com a Covid-19 em todo Brasil. Isso faz com que eles temam que o tempo dedicado ao tratamento dos enfermos prejudique o seu período de formação.
Um exemplo que pode ser citado é o de Sérgio Duarte, residente em urologia no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Deslocado para atuar na enfermaria desde o mês de março, estima que cerca de 70% de suas atividades originais do programa foram modificadas.
“Minha especialidade tinha cerca de 10 a 15 cirurgias por dia e atualmente estamos tendo 3 a 4 no máximo, só de urgência. Isso gerou um acúmulo de pacientes aguardando e prejudicou a nossa formação como especialistas”, revelou em matéria de Thaiza Pauluze para Folha de São Paulo.
Ainda de acordo com a matéria, no Hospital das Clínicas de São Paulo, um dos maiores locais de tratamento da Covid-19 no Brasil, foi estabelecida uma grande força-tarefa com os residentes de várias especialidades para enfrentar a pandemia.
Entre as áreas com maior prejuízo por conta das mudanças impostas pela pandemia estão: ginecologia, pediatria, cirurgia e oftalmologia. E os residentes seguem angustiados, uma vez que o hospital informou que o período não será resposto.
“Me deixa preocupada saber que agora eu vou ter uma formação prejudicada, que esses procedimentos serão feitos de forma deficitária, por um tempo encurtado. Isso vai ter repercussão no meu futuro e, como consequência, para o sistema de saúde. Vou ser uma médica pior”, afirmou Renata Mencacci, coordenadora da Associação de Médicos Residentes da USP, do Hospital das Clínicas.
Segundo Sérgio Duarte, que se contaminou com o novo Coronavírus no fim de abril, os residentes sempre estão dispostos a ajudar sem qualquer precedente. Entretanto, “isso não pode servir de desculpa para não termos a formação adequada”, alerta.
Estima-se que ao menos 214 médicos residentes só do Hospital das Clínicas foram infectados com a Covid-19. Isso corresponde a 12,5% do total de 1.700.
Alguns deles, inclusive, precisaram ser internados na Unidade de Terapia Intensiva, mas felizmente não houve mortes.
O que diz a Comissão Nacional de Residência Médica?
No início do mês de junho a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) divulgou uma nota afirmando que os programas necessitarão de flexibilidade para se adequarem à realidade de saúde que estamos vivendo no momento.
A reposição de atividades, após a pandemia, será objeto de análise e decisão posterior da CNRM, segundo o documento divulgado pela instituição.
Confira o que diz a nota do CNRM
“Que nesse momento de necessária ação coordenada, as COREMEs promovam a integração e requeiram a colaboração profissional do seu corpo de supervisores, preceptores e médicos residentes, tendo em mente que o Projeto Pedagógico de cada Programa de Residência Médica, antes planejado para acontecer em etapas anuais e executado em rodízios ou estágios, necessitará de flexibilidade na estrutura do programa para se adequar à realidade sócio-sanitário do momento.
Que em suas atividades práticas, os médicos residentes sejam devidamente supervisionados e tenham suas atribuições definidas em estrita conformidade com sua experiência clínica e capacidade profissional, de modo a garantir o aproveitamento pleno do treinamento pelo médico e a segurança absoluta ao paciente atendido.
Que dada a excepcionalidade do momento, Supervisores considerem a reorganização de rodízios cumpridos pelos médicos residentes em seus PRMs, considerando: a) as oportunidades de aprendizado com ênfase na participação em setores de internação e emergência; b) a disponibilidade, ou não, durante a pandemia, de cenários de prática antes existentes na própria instituição ofertante ou em instituições conveniadas.”
Entretanto, de modo informal, a comissão indicou que não existirá reposição com todos os programas concluídos no fim de fevereiro de 2021. E o residente que se sentir prejudicado poderá repor o período como voluntário.
Preocupações trabalhistas com profissionais da saúde
A pandemia está expondo ainda as condições dos médicos residentes em todo Estados Unidos. Na Universidade de Washington, o sindicato que representa os residentes tem feito esforços para obter melhores salários e benefícios.
Segundo Zoe Sansted, vice-presidente da Universidade de Associação de Washington Housestaff, “as pessoas não podem trabalhar 80 horas por semana, ver coisas realmente horríveis o dia todo e não ter acesso aos cuidados de saúde mental, sem sofrer algum tipo de desgaste”.
Ela é médica residente em seu terceiro ano e foi designada para trabalhar na UTI quando a pandemia se espalhou na cidade de Seattle.
Questões emocionais relacionadas à Covid-19 na residência médica
O Dr. Murad Khan é residente em psiquiatria no primeiro ano. Ele atua no Hospital Yale New Haven, em Connecticut.
De repente, se viu imerso em uma nova rotina no hospital sem orientações claras sobre os procedimentos a serem tomados, suas tarefas ou se haveria equipamento de proteção individual suficiente para todos.
“Inicialmente, as coisas eram bem frenéticas. Passei muitas das primeiras duas semanas com dificuldade para dormir antes de entrar no trabalho. Há algo traumático por não saber quão doente um paciente pode ficar a qualquer momento”, revelou Khan.
Outro ponto fundamental destacado por Khan é que o novo Coronavírus ressaltou problemas já existentes nos cuidados de saúde americanos, como as disparidades étnicas e a sobrecarga de demandas impostas a médicos residentes.
“Já havia uma questão sobre o quanto os residentes trabalham e quanto eles são supervisionados e se isso é bom ou não para a saúde mental. Isso é ainda pior agora”, finalizou.
Confira o vídeo:
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