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Esclerose Lateral Amiotrófica: um resumo pra entender melhor (parte 1) | Colunistas

Esclerose Lateral Amiotrófica: um resumo pra entender melhor (parte 1) | Colunistas

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A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença devastadora que afeta significativamente o doente, como também toda a rede familiar e fraterna que o cerca, pois é uma condição altamente debilitante cujo o desfecho é extremamente desfavorável na grande maioria dos casos e impacta na qualidade de vida de todos ao redor do doente, em especial desse, e ainda mais quando é residente de países carentes, sem boa estruturação ou financiamento do serviço básico da saúde, em especial no serviço de cuidados paliativos, caso do Brasil. Nesse sentido, entender melhor o que é a ELA, como se desenvolve e métodos de cuidado ao doente pode auxiliar num melhor oferecimento do serviço médico, com cuidado mais bem direcionado a essa condição.

Então, o que é a Esclerose Lateral Amiotrófica?

Quando se foca no nome da doença, da ELA, pode-se compreender o que essa doença significa, ou melhor, como ela se desenvolve e o que esperar. Esclerose é o nome dado a um processo cicatricial neuronal, em que é evidenciado um endurecimento em zonas de fibras neuronais em virtude da morte e tentativa de cicatrização do tecido. Lateral vem das fibras do corno lateral da medula espinhal, região essa onde se concentram os neurônios motores. Amiotrófica, como pode-se dissecar ainda mais, A de sem, MIO de muscular e TRÓFICO de fator trófico, aquele que mantém, que nutre, designa que há uma perda neuronal, no caso dos neurônios motores e que essa perda leva, consequentemente à interrupção da sinalização trófica de manutenção das fibras musculares. Sem essa sinalização do fator trófico há um processo de atrofia muscular, de modo que por mais que haja algum neurônio atuante sobre a musculatura, a perda de massa muscular leva à perda motora e, consequente, perda da função. Dessa maneira, de um modo simples, a ELA é uma doença que prossegue com a deterioração progressiva e perda de função dos neurônios motores no cérebro e medula espinhal, levando à paralisia.

Alguns dados sobre a ELA…

A Esclerose Lateral Amiotrófica também é conhecida por outros 3 nomes: Doença do Neurônio Motor (em virtude justamente de afetar esse tipo de neurônio), Doença de Lou Gehrig (em homenagem ao famoso atleta do beisebol americano, Lou Gehrig) e Doença de Charcot (em homenagem ao Pai da Neurologia Moderna Jean-Martin Charcot).

A ELA foi estudada com profundidade a partir de uma série de casos analisados por Charcot e outros neurologistas entre 1865-1869, de modo que em 1874 a doença foi batizada com o nome atual, Esclerose Lateral Amiotrófica, e descrita, com os sintomas sendo elencados em parceria com Sir Charles Bell, François-Amilcar Aran e Jean Cruveilhier.

Essa doença já atingiu inúmeras personalidades históricas, a começar por um que designou seu nome, Lou Gehrig, famoso jogador de beisebol do século XX, conhecido como o The Iron Horse (O Cavalo de Ferro) dos New York Yankees. Outras personalidades conhecidas são Mao Tsé-Tung, líder comunista chinês, idealizador do Estado chinês moderno, o cartunista Stephen Hillenburg, criador da famosa série de animação Bob Esponja, o piloto da marinha dos EUA, Dieter Dengler, famoso por resistir vários anos em uma prisão vietnamita e escapar dessa, o famoso físico teórico Stephen Hawking, e o grande centroavante baiano Wasington Santos, que fez marcante carreira pelo clube Fluminense.

A ELA apresenta uma incidência de 1/50.000 pessoas por ano e prevalência de 1/20.000 pessoas por ano. A proporção de afetados entre homens e mulheres varia: considerando apenas a ELA esporádica, a relação fica de 1,5-2 homens para cada 1 mulher, mas se for a ELA de ordem familiar (genética), a proporção já fica de 1:1. É uma doença que normalmente atinge indivíduos mais velhos, entre as idades de 40-75 anos, com a média inicial de idade por volta dos 55 anos. No entanto, em condições hereditárias, é comum que a ELA surja em idades mais juvenis. E embora não haja grandes estudos coorte que abarquem diversos casos em diferentes lugares do mundo, as coortes existentes apresentam a maior incidência de ELA na etnia autodeclarada branca.

Sintomatologia

A sintomatologia da ELA é de certo modo fácil de prever, desde que se tenha noção das ações musculares e suas repercussões. Assim, lembrar das ações de neurônios motores superiores (NMS), inferiores (NMI) e de origem em tronco encefálico/bulbar (NMB) pode auxiliar no reconhecimento de sintomas que surgem na ELA.

De um modo geral deve-se ter noção que os sintomas relacionados à perda do neurônio motor tendem a ter início nos membros, normalmente de forma assimétrica e multifocal, ou seja, mão direita e pé esquerdo, por exemplo, e depois ir progredindo para outras áreas, chegando nas musculaturas de olhos, esfíncteres e até musculatura respiratória, como diafragma e outros, mas já nas fases finais.

Assim, quando o acometimento é mais a nível de NMS, é esperado notar uma fraqueza generalizada para executar todo tipo de movimento, em especial os movimentos finos, demandantes de um maior grupamento muscular para produzir precisão de movimento. Além disso é esperado também uma coordenação de movimentos mais lenta associado a espasticidade (distúrbio no controle muscular, que pode ocorrer com tensão nos membros, rigidez, hiperreflexia dos tendões e dificuldade no controle muscular), como também a apresentação de Babinski positivo e outros sinais de anormalidade.

Já quando o acometimento ocorre mais significativamente a nível de NMI, a sintomatologia muda um pouco. A fraqueza ainda é esperada, pois ainda há falha na comunicação córtex-fibra muscular mediante o neurônio motor, mas ocorrem outros sinais mais significativos, como as fasciculações e, muito pronunciante, a atrofia e atonia muscular, decorrente da perda do fator trófico e do impulso de controle motor. Assim, é bem nítido a trofia que ocorre na região tenar, bem visível na atrofia do M. adutor do polegar e 1° M. Interósseo Dorsal.

Por fim, no acometimento do NMB, condição que ocorre em até 1/3 dos afetados pela ELA, é perceptível a disartria, atrofia e fasciculações da língua, pela perda neuronal motora desse órgão, a disfagia, já que a perda de controle da musculatura faríngea propicia uma maior dificuldade de engolir, que em associação com a perda do controle da língua, órgão essencial na atividade da mastigação, permite um menor processamento mecânico do alimento e dificuldade de sua passagem até o esôfago, o que resulta em desnutrição do paciente caso não sejam tomadas providências adequadas.

Referências

Hulisz D. Amyotrophic lateral sclerosis: disease state overview. Am J Manag Care. 2018 Aug;24(15 Suppl):S320-S326. PMID: 30207670.

CASSA, Eloy. Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) ou Doença dos Neurônios Motores. Disponível em: nervomusculoedor.com.br/esclerose-lateral-amiotrofica-ela-ou-doenca-dos-neuronios-motores. Acesso em: 10 jan. 2022.

BRASIL, Ministério da Saúde do. Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/e/esclerose-lateral-amiotrofica-ela. Acesso em: 10 jan. 2022.

ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica, São Paulo, 2013 0 nº 48 páginas, Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica, Livretos – Informativo – Atualização 2013

Protocolo clínico para o tratamento do paciente com esclerose lateral amiotrófica/doença do neurônio motor : guia terapêutico / organização Cristina Salvioni , Adriana Leico Oda. — São José dos Campos, SP : Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABrEla) : Pulso Editorial, 2021.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.