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Esclerose Múltipla: o que todo médico deve saber? | Ligas

Esclerose Múltipla: o que todo médico deve saber? | Ligas

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A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença que promove a desmielinização dos neurônios do Sistema Nervoso Central (SNC) por meio de um processo inflamatório autoimune, o que provoca prejuízo na transmissão do impulso nervoso1,2, podendo acometer várias partes dessa subdivisão anatômica.

Foi reconhecida como doença distinta pela primeira vez em 1868 pelo médico Jean-Martin Charcot, sendo classificada conforme suas formas de manifestações clínicas:

  • surto-remissiva (EMSR),
  • progressiva-primária (EMPP),
  • progressiva-secundária (EMPSe) e
  • progressiva-surto (EMPSu)1.

Epidemiologia da esclerose múltipla

Estudos realizados na década de 1940, faziam crer que havia uma correlação entre o clima e a prevalência da EM. É mais prevalente em climas temperados, em lugares como EUA e países europeus. Entretanto, tal entendimento tem sido questionado por novos estudos realizados na década de 1990.

É uma importante causa de incapacidade não traumática em adultos, iniciando-se, geralmente, entre 20 e 40 anos1. Os estudos apontam ainda que há uma maior prevalência em mulheres e na população branca, de acordo com Oliveira e Souza3.

No Brasil, estimou-se cerca de 40 mil casos em 2013, segundo a Federação Internacional de Esclerose Múltipla e a Organização Mundial da Saúde.

Os casos de EMPP correspondem a 10% a 15% dos pacientes, sendo uma condição rara, que se manifesta com a mesma frequência em homens e mulheres e tem seu início por volta ou acima de 40 anos de idade. A EMPSU corresponde a 5% ou menos dos pacientes com EMPP.

A EMSR acomete 85% a 90% dos pacientes, sendo uma condição comum, com frequência maior em mulheres e com início de manifestação por volta de 20 a 30 anos de idade. A EMPS está presente em mais de 50% dos pacientes com EMSR, surgindo, em geral, acima dos 40 anos de idade1.

Genética

A EM tem uma grande relação genética, sobretudo com o complexo do antígeno leucocitário humano (HLA) – fator mais forte, mas não essencial –, que é uma região muito polimórfica, variada e com genes codominantes do genoma humano.

No SNC, astrócitos expressam HLA classe I e podem expressar HLA classe II, quando são induzidos por citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IFN-g e TNF-α), sendo o único tipo celular desse tecido a expressar esse complexo4.

Outros genes envolvidos na imunopatogênese da EM são o gene do receptor antagonista para a interleucina 2 (IL-2RA), que regula a resposta das células T e o gene do receptor antagonista para a interleucina 7 (IL-7RA), que funciona na homeostase de células T de memória. Esses genes são fundamentais na gênese de doenças autoimunes4.

Etiologia da esclerose múltipla

Essa doença decorre de interações complexas entre fatores ambientais e a suscetibilidade genética. Os fatores de risco genéticos são a presença do haplótipo HLA-DRB1*1501 e das mutações nos genes IL-2RA e IL-7RA.

Os fatores de risco ambientais são baixos níveis de vitamina D, infecção prévia pelo vírus Epstein-Barr, traumas físicos ou estresses psicológicos, infecções e temperaturas elevadas (atividade física, febre, banhos em saúnas…)2.

Já, os fatores protetores da EM são vacinações, pois previne infecções, e gravidez, especialmente no 3º trimestre, quando há o aumento dos níveis sanguíneos de vitamina D2.

Imunopatogênese

O início ou as manifestações da EM decorrem de uma sequência de eventos que culminam na lesão de mielina que envolve os neurônios do SNC. O início dessa sequência pode ser causado por um vírus, bactéria ou toxina ambiental, que é seguida pela apresentação de antígenos às células T CD4+ pelas CAAs. Após isso, há a formação de células T auxiliares pró-inflamatórias (Th1 e Th17), além da ativação de linfócitos B e monócitos2.

Depois disso, as células Th1 e Th17 interagem com moléculas de aderência na superfície endotelial de vênulas do SNC, atravessando a barreira hematoencefálica, que é rompida com o auxílio de proteases e de quimiocinas, junto a anticorpos e monócitos.

No SNC, os antígenos-alvo (proteína básica de mielina, glicoproteína mielina-oligodendrócito, glicoproteína associada à mielina…) são reconhecidos e as células T são reativadas e a resposta imune é amplificada2.

As células Th1 e Th17 proliferam, as células B se transformam em plasmócitos e os monócitos se tornam macrófagos ativos. O conjunto de células libera várias substâncias associadas à inflamação, gerando danos à mielina e aos oligodendrócitos. Os axônios podem ser desmielinizados, o que causa déficit neurológico2.

É válido ressaltar que a causa de melhora espontânea dos sintomas pode ser, em nível molecular, devido à remielinização e à reorganização dos canais de sódio nos neurônios2.

Aspectos anatomopatológicos

As características básicas das lesões são desmielinização extensa, gliose, perda axônica variável e infiltrado inflamatório de células T e macrófagos. As lesões se mostram como placas de desmielinização, que aparecem translúcidas e nitidamente demarcadas na ressonância nuclear magnética (RNM), com evolução temporal diferente e com variáveis tamanhos2.

Acometem, predominantemente, os nervos ópticos, a medula cervical, o tronco encefálico e a substância branca periventricular, sendo desconhecido o motivo de tal preferência, mas suspeita-se que esteja relacionado a irrigação dessas regiões, o que permitiria maior concentração de citocinas e células inflamatórias2,3.

Microscopicamente, pode-se perceber áreas de inflamação e áreas confluentes e desmielinização3. Além disso, pode ser classificada em quatro padrões, onde vale-se ressaltar o mais comum (tipo II), que está associado ao depósito de imunoglobulinas e de proteínas do complemento2.

Manifestações clínicas da esclerose múltipla

A Esclerose Múltipla pode afetar qualquer parte do SNC, havendo a possibilidade de uma vasta quantidade de sinais e sintomas que indicam acometimento do SNC. Em cerca de 90% dos casos, uma síndrome neurológica isolada anuncia o início da doença.

Sinais e sintomas mais comuns

  • Piramidais: espasticidade, fraqueza muscular, anomalias oculomotoras, hiperreflexia, sinal de Babinsky, clônus unilateral ou bilateral.
  • Cerebelares: alterações no equilíbrio e na coordenação motora.
  • Sensitivos: parestesias (formigamento e dormência), que podem esta acompanhadas de hipoestesia superficial e profunda em um ou ambos os membros, e neuralgia do trigêmeo (em surtos).
  • Visuais: neurite óptica aguda (perda visual unilateral), diminuição da acuidade visual, discromatopsia, diplopia, escotoma central (quase sempre referidos como embaçamento visual) e atrofia óptica após a resolução de um episódio agudo.
  • Viscerais: disfunções esfincterianas (incontinência urinária e fecal e constipação intestinal).
  •  Fadiga: tipicamente, mostra-se pior ao fim de tarde, podendo preceder o primeiro surto por meses ou anos.
  • Sexuais: disfunção sexual e redução da libido em homens e em mulheres, acometendo muitos pacientes (cerca de 90%).
  • Psiquiátricos: tipicamente, são as síndromes depressivas, que podem ser prevalentes em até 50% dos pacientes com menos de 60 anos.

Uma característica importante das manifestações clínicas da Esclerose Múltipla é que os sinais e sintomas são disseminados no tempo e espaço, havendo comprometimento de diferentes áreas do SNC em períodos diferentes.

Apresentação temporal

Esse padrão esparso de apresentação temporal pode se dar de quatro maneiras3,6:

  • Surto remissiva (também chamada de remitente recorrente por outros autores): crises agudas de manifestação neurológica com 24 horas ou mais e intervalos de no mínimo trinta dias entre cada surto.
  • Progressiva primária: piora contínua dos sintomas neurológicos por seis meses ou mais, podendo haver estabilização do quadro;
  • Surto-progressivo: uma combinação de surtos e progressões, mas é mais difícil de ser definida.
  • Progressiva secundária: é aquela que começou como surto progressiva e depois passou a ter padrão de progressiva;

Diagnóstico de esclerose múltipla

O diagnóstico da EM se dá, majoritariamente, por meio do exame clínico, contando com o auxílio de exames de imagem (RNM) e estudo eletrofisiológico.

Utiliza-se os Critérios de McDonald modificados revisados e adaptados5, que são apresentados abaixo:

Tabela adaptada da Portaria Nº 391, do Ministério da Saúde de 2015 (http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/maio/06/PCDT-Esclerose-Multipla-06-05-2015.pdf)

Tratamento para esclerose múltipla

O tratamento envolve diferentes abordagens, podendo ser dividido em um tripé que é composto de:

Reabilitação

Abordagem multidisciplinar contando com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos de acordo com o que é necessário para condição do paciente3.

Tratamento sintomático

Administrado nos períodos de crise com o uso de metilprednisolona (corticosteroide de grupo IV – potência média), em pulsoterapia de 3 a 5 dias, devendo-se suspender as outras medicações2,3.

Terapia modificadora da doença

Tratamento de primeira linha o uso de beta-interferon e glatirâmer acetato, sendo ambos igualmente eficazes, sendo a escolha muitas vezes sendo feito por via de administração e perfil de efeitos colaterais.

  • azatioprina é uma opção para aqueles casos em que há pouca adesão às formas parenterais, sendo menos eficaz e indicada em monoterapia;
  • o natalizumabe deve ser utilizado em casos de falha terapêutica com os tratamentos de primeira linha;
  • fingolimode é uma opção nos casos de EMSR em que o paciente apresentou surtos incapacitantes com o uso dos medicamentos de primeira linha e tem contraindicações para o Natalizumabe5.

Esquemas de administração5:

  • Glatirâmer: 20 mg, por via subcutânea, 1 vez ao dia.
  • Betainterferona 1a: 22 mcg, por via subcutânea, 3 vezes por semana.
  • Betainterferona 1a: 44 mcg, por via subcutânea, 3 vezes por semana.
  • Azatioprina: 2 mg/kg/dia, por via oral, 1 vez ao dia.
  • Betainterferona 1a: 30 mcg, por via intramuscular, 1 vez por semana.
  • Metilprednisolona (apenas para tratamento do surto de EM): 1 g/dia, por via intravenosa, 3-5 dias.
  • Natalizumabe: 300 mg, por via intravenosa, 1 vez ao mês.
  • Fingolimode: 0,5 mg, por via oral, uma vez ao dia.

A monitorização do tratamento deve ser feita 30, 60, 180 dias a partir do seu início e, então, semestralmente, deve-se avaliar taxa e gravidade dos surtos, escala de incapacidade (EDSS), efeitos adversos e perfil laboratorial (hemograma, TGO/AST, TGP/ALT, gama-GT, fosfatase alcalina, bilirrubinas, TSH).

Vale ressaltar, que o TSH deve ser requisitado antes de iniciar o tratamento devido a concomitância que existe em torno de 8% dos casos entre EM e doença da tireoide,, devendo as disfunções tireoidianas serem avaliadas anualmente.

Fonte:

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