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Escore de cálcio coronário como preditor de risco cardiovascular | Colunistas

Escore de cálcio coronário como preditor de risco cardiovascular | Colunistas

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As doenças cardiovasculares são a causa mais comum de mortalidade, principalmente nos países desenvolvidos. O Brasil segue a mesma tendência, pois elas são responsáveis por um terço das mortes.

Desde 1961, os estudos de Framinghamidentificaram o colesterol sérico como um dos fatores de risco para doenças cardíacas coronárias, desenvolvidas a partir do depósito gradual de colesterol e outras matérias gordurosas, formando placas na parede de uma artéria coronariana (MARTE; SANTOS).

As placas de ateroma ou aterosclerose cursam com inflamação, devido à agressão vascular provocada pelo LDLox e outras células, podendo também sofrer o processo de calcificação. Essa calcificação tipicamente ocorre em regiões de bifurcação vascular, pois a força de cisalhamento aumenta o estresse oxidativo e diminui os inibidores da calcificação. Esse fenômeno ocasiona a mineralização da placa, viabilizando a estimativa do escore de cálcio e predição do risco cardiovascular. (LIBERMAN, 2013).

Você conhece o escore de cálcio coronário?

O escore de cálcio coronário é um exame não invasivo, realizado a partir da tomografia computadorizada sem contraste, em cortes axiais, sincronizado com o intervalo R-R registrado no eletrocardiograma. A radiação utilizada é geralmente menor que 1,5 mSv. A presença e extensão de calcificações são determinadas como uma imagem hiperatenuante, com mais de 130 Unidades Hounsfield (UH) e área ≥ 3 pixels adjacentes (pelo menos 1 mm²). A medida da quantidade de cálcio nas artérias coronárias pode ser calculada a partir do volume, área ou método de Agatston. Este é o mais utilizado na prática clínica e baseia-se na presença de dois ou mais pixels adjacentes com densidade tomográfica (atenuação) acima de 130 UH. Cada lesão calcificada identificada é multiplicada por um fator de 1 a 4, de acordo com a densidade da placa: fator 1 – se densidade < 200 UH; fator 2 – se densidade entre 200 e 300 UH; fator 3 – se densidade entre 300 e 400 UH; fator 4 – se densidade ≥400 UH. Sendo assim, placas mais densas associam-se a maior quantidade de cálcio e maior risco de eventos clínicos (NEVES et al., 2017; FERNANDES et al., 2017).

FONTE: AZEVEDO, et al. 2012

Calcificação de artéria coronária (CAC) e o risco cardiovascular

            Sabe-se que há forte correlação entre os valores do escore de cálcio coronário e a presença e extensão de aterosclerose coronária, bem como sua gravidade. Ainda que placas não calcificadas tenham maior risco de ruptura e desenvolvimento de eventos do que placas calcificadas, o escore de cálcio está diretamente relacionado à presença de ambos os tipos de placas, pois indivíduos com alta deposição de cálcio apresentam também carga importante de placas não calcificadas. Sendo assim, o risco de ruptura de uma placa aterosclerótica está diretamente ligado à carga aterosclerótica global. Nos pacientes sintomáticos, este exame ratificará a etiologia sintomatológica. Já nos assintomáticos, ele representa um marcador prognóstico. O estudo MESA (Multi Ethnic Study of Atherosclerosis) demonstrou que a presença de qualquer calcificação coronária e altos valores de escore de cálcio estão associados a pior prognóstico para eventos coronários e eventos cardiovasculares (FERNANDES et al., 2017).

FONTE: FERNANDES et al. 2017.

Escore de cálcio coronário ouescore de risco de Framingham?

O escore de Framingham é um método de estratificação de risco cardiovascular simples e de baixo custo, que avalia o risco de evento cardiovascular dentro de 10 anos a partir da faixa etária do paciente, gênero, valores de pressão arterial sistólica, valores da razão entre o colesterol total e a fração HDL, tabagismo e diabetes. Entretanto, de acordo com estatísticas norte-americanas, apenas 1% das mulheres entre 50 e 59 anos e 9% dos homens entre 60 e 69 anos seriam classificados como risco intermediário ou alto pelos critérios de Framingham, ainda que a incidência de eventos nestes grupos chegue, respectivamente, a 60% e 92%, evidenciando falha na estratificação (NEVES et al., 2017).

Dessa forma, um destaque para o escore de cálcio coronário, diante do de Framingham e outros métodos, é o aumento da acurácia na estratificação de risco, visto que é possível fazer uma análise mais rebuscada do processo aterosclerótico e também pelo fato deste escore ser preditor de risco independentemente de eventos cardiovasculares maiores, com demonstrada superioridade em relação ao escore de Framingham, dosagem da proteína C reativa e medida da espessura médio-intimal carotídea. (NEVES et al. 2017)

FONTE: FERNANDES et al. 2017.

Você conhece as indicações para a realização do escore de cálcio coronário?

O uso do escore de cálcio para a estratificação de risco cardiovascular de pacientes assintomáticos é considerado uma indicação classe I, com grau de evidência A para indivíduos com escore de risco de Framinghamde 10 a 20% em 10 anos, ou com escore de risco global entre 5 e 20% para homens e 5 e 10% para mulheres em 10 anos, segundo a II Diretriz Brasileira de Tomografia Computadorizada Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A V Diretriz Brasileira de Dislipidemias recomenda que indivíduos com escore de cálcio acima de 100 ou com percentil acima de 75 para a faixa etária sejam considerados com maior risco de eventos clínicos e devem ser tratados agressivamente. As diretrizes americana e europeia consideram o escore de cálcio uma ferramenta útil na estratificação de risco cardiovascular, ainda que o adote com ressalvas (FERNANDES et al. 2017)

FONTE: FERNANDES et al. 2017

Conclusões

O escore de cálcio coronário é um marcador de risco independente para eventos cardíacos e morte cardíaca, proporcionando também informações prognósticas adicionais a outros marcadores de risco cardiovascular. Atualmente, o esforço gira em torno da sua popularização clínica, ainda que as evidências sejam fortes para sua indicação nos pacientes assintomáticos.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

MARTE, Ana Paula; SANTOS, Raul D. Fatores de risco para Doença Cardiovascular. In: HCFMUSP. Clínica Médica, volume 2. Editora Manole, cap. 13, p. 155-165.

LIBERMAN, Marcel et al. Calcificação vascular: fisiopatologia e implicações clínicas. Einstein (São Paulo), São Paulo, v. 11, n. 3, p. 376-382, 2013.

NEVES, Priscilla Ornellas et al. Escore de cálcio coronariano: estado atual. Radiol Bras, São Paulo, v. 50, n. 3, pág. 182-189, 2017. 

FERNANDES, Juliano Lara et al. ESCORE DE CÁLCIO CORONARIANO: ONDE E QUANDO FAZ A DIFERENÇA NA PRÁTICA CLÍNICA. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo, v. 27, n. 2, p. 88–95, 2017.

AZEVEDO, Clerio F. et al. Escore de cálcio e angiotomografia coronariana na estratificação do risco cardiovascular. Jun. 2012. Ilustração. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2012000600012. Acesso em: 29 dez. 2020.