A
estimulação vagal consiste na implantação de um dispositivo gerador de pulsos
elétricos que estimula as fibras desse nervo sob o tórax, no qual um fio é
enrolado ao redor do nervo vago esquerdo na região do pescoço, de modo que
impulsos nervosos sejam disparados e transmitidos ao cérebro.
É um
procedimento de caráter invasivo e que tem sido utilizado para tratamento de
depressão refratária a tratamento medicamentoso – definida por falha de duas
tentativas sucessivas de tratamento administrado em dose apropriada e tempo
suficiente – e com consentimento do paciente.
Locais
de Estimulação
A estimulação do nervo vago ou VNS, do inglês “Vagus Nerve Stimulation”, foi desenvolvida nos anos 1990 e consiste na implantação de um eletrodo conectado a um marcapasso situado no hemitórax esquerdo e que se comunica com o nervo vago do mesmo lado – o direito está contraindicado pelo risco de bradicardia e arritmia –, na região do pescoço.
Seu mecanismo de ação ainda não foi completamente elucidado, mas sugere-se que os impulsos provenientes do marcapasso se dirigem para as seguintes regiões:
– Locus
Ceruleus: estrutura localizada na ponte e que possui corpos de neurônios
capazes de sintetizar catecolaminas como noradrenalina e adrenalina;
–
Núcleos da Rafe: localizados no
tronco cerebral – em específico: bulbo e ponte – são responsáveis pela produção
de serotonina;
–
Núcleo do Trato Solitário: situado no
bulbo, é um núcleo sensitivo que recebe impulsos aferentes do IX, X e XI pares
cranianos ligados ao paladar e a secreção de saliva, estando ainda relacionado
com a via de ativação do locus ceruleus.
Sabendo
disso, pesquisas indicam que um dos efeitos da VNS é a alteração da
concentração no líquor de neurotransmissores ou seus metabólitos, tais como o ácido
gama-aminobutírico (GABA) – um potente neurotransmissor inibitório –, o ácido
5-hidroxiindolacético (5HIAA) e o ácido homovanílico, os quais sofrem aumentos
na depressão, bem como em metabólitos de monoaminas.
Além disso,
também foi constatado que áreas envolvidas no controle do humor, como o córtex
orbitofrontal, são estimuladas pela VNS, sendo esta uma terapia que age por
meio de mecanismos distintos para alcançar o bem-estar do paciente.
Nesse contexto, o médico responsável pode ajustar o aparelho da maneira que julgar necessário de acordo com o paciente, modificando tanto a frequência quanto a intensidade dos estímulos.
Para isso, é importante o devido acompanhamento ao paciente, visando um tratamento otimizado.
Procedimento
Feita
antissepsia e anestesia geral, com o paciente em posição supina, faz-se uma
incisão para implantação do gerador de pulso inferior à pele da clavícula
esquerda ou próximo à axila.
No pescoço, a meia distância do processo mastoide e da clavícula, é feita uma incisão para fixação dos eletrodos. Disseca-se a fáscia e os músculos da região.
Após isso, palpa-se a artéria carótida interna para identificar o feixe neurovascular que passa por ali. O nervo vago costuma estar entre esse vaso e a veia jugular interna. A partir desse ponto, a operação normalmente é realizada via microscópio.
Com o microscópio em foco, disseca-se o nervo vago longitudinalmente em cerca de 4 a 5cm, com o devido cuidado para não lesar seus ramos e demais estruturas adjacentes.
Insere-se o eletrodo na direção crânio-caudal, usando o tunneler – instrumento utilizado para manipular tecidos – para direcionar. Os eletrodos são ligados ao gerador por um condutor localizado sob a pele.
Após isso, coloca-se
o tunneler no fio para direcioná-lo corretamente e prende-se os laços ao redor
do nervo a fim de reduzir a probabilidade de deslocamento do eletrodo e
eventuais complicações.
Para finalizar, cria-se uma curva de alívio da tensão entre os tecidos para proporcionar uma maior amplitude de movimento.
Prende-se o eletrodo por meio de suturas com fios não absorvíveis na fáscia cervical profunda próximo ao músculo esternocleidomastóideo. Fixa-se e ancora-se a bateria ao eletrodo principal com suturas não absorvíveis. Procede-se à incisão cutânea com técnicas padrão.
Testes Intraoperatórios
Para saber se a cirurgia deu certo, deve-se testar o dispositivo ainda no intra-operatório, visto que uma das principais complicações costuma ocorrer nesse momento: a assistolia.
Tendo isso em mente, deve-se proceder interconectando o aparato e estimulando o eletrodo com o tempo mínimo de 10 segundos a uma frequência de 25Hz e corrente de 1mA.
É importante, também, verificar a impedância do sistema, isto é, como o sistema responde a uma determinada corrente alternada ou variação de voltagem que o perpassa.
Para testar essa medida, estimula-se o eletrodo a 2,0 a 3,0mA durante um tempo máximo de 5 segundos.
O valor de
impedância deve ser menor do que 100Ω.
Se for maior do que isso – cerca de 1700Ω a 2000Ω – indicam que o nervo não
está corretamente ligado ao eletrodo e sinalizam para uma reavaliação do procedimento.
Acompanhamento
pós-cirúrgico
Um dia após a cirurgia, deve-se realizar um exame de raio-x para avaliar o posicionamento do circuito. Se posicionado corretamente, a dosagem das descargas deve se iniciar com cerca de 0,25mA e seguir de acordo com o padrão regular, o qual deve ser tomado a partir de duas semanas da implantação, aumentando-se 0,25 a 0,5mA por semana.
Tal padrão está descrito a seguir:
- Corrente de 1,5 a 3,0mA;
- Pulso de 500 microssegundos;
- Frequência de 20 a 30 Hz;
- Tempo de ação: 30 segundos ligado e 5 minutos desligado.
Deve ser
feita avaliação do quadro do paciente verificando se há necessidade de
readequar as dosagens de acordo com a resposta do paciente. Ressalte-se que
cerca de 90% dos pacientes exigem dosagem não superior a 2,0mA.
Efeitos
adversos
Sabendo que
é um procedimento invasivo e que envolve a região toracocervical, os possíveis
efeitos adversos decorrentes são resultantes de lesões em estruturas localizadas
nessa região. Dentre as principais, temos:
- Salivação temporária excessiva;
- Paralisia de cordas vocais;
- Fraqueza dos músculos da face;
- Bradicardia;
- Infecções;
- Dispneia;
- Dor no pescoço;
- Tosse importante;
- Cefaleia;
- Parestesia;
- Faringite.
Outras
complicações também podem ocorrer, como náusea, insônia, hipertonia, disfagia,
dentre outras.
Considerações
A estimulação do nervo vago é um procedimento cirúrgico com índices satisfatórios na maioria dos pacientes.
É realizada por um neurocirurgião e o acompanhamento posterior – no caso da depressão – costuma ser realizado pelo psiquiatra, sendo recomendada para pacientes com depressão refratária a tratamento medicamentoso.
De acordo com pesquisas recentes, cerca de 60% dos pacientes com esse tipo de depressão apresentaram redução significativa em seus sintomas depressivos.
Também foi constatado que esses mesmos pacientes passaram a ter cada vez menos ideações suicidas, além de que quando submetidos a farmacoterapia adjuvante e comparados aos que usavam apenas esse método, tiveram um índice menor de hospitalizações, mostrando o benefício da VNS.
Desse modo, a VNS é uma terapia promissora no tratamento da depressão e, apesar de ainda haver muito o que ser pesquisado, descoberto e aplicado, possui benefícios que superam os riscos para os pacientes.
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