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Provavelmente você já ouviu aquela avó ou aquela tia falando que a fulaninha estava com “pouco leite” ou que ela tinha um “leite fraco” para o bebê.
Em geral, as mulheres têm condições biológicas suficientes para uma produção de leite maior do que a demanda do bebê, porém, é muito comum a percepção errada das mães sobre isso.
Muitas vezes, por conta de insegurança, desconhecimento comportamental de um bebê, que mama muito, e até mesmo por comentários negativos, as mães acreditam que seu leite não é o ideal e acabam complementando a alimentação do filho, chegando até a abandonar a amamentação. Algo que é bom para a indústria de fórmulas de leite, mas interfere na produção de leite materno devido a menor sucção das mamas.
Como a lactação acontece?
No início, a lactogênese…
Quando a mulher está grávida, ocorre um processo de preparo da glândula mamária para lactação, denominado lactogênese. Nesse momento há uma imensa produção hormonal, sobretudo de estrógenos, a qual estimula o crescimento dos ductos e aumenta a síntese de receptores para prolactina. A progesterona também estimula o crescimento alveolar, porém inibe a síntese de leite. Dessa maneira, as mamas são muito estimuladas, mas a produção do leite necessita de outros fatores. Após o parto, com a retirada da placenta, esses hormônios param de ser produzidos, então outros hormônios passam a atuar nas mamas e colaborar para a lactação: prolactina, glicocorticoides, GH, GF e insulina.
A prolactina é um hormônio produzido pela adeno-hipófise e é importantíssima no processo de lactação, visto que estimula a síntese de caseína, a principal proteína do leite, e de lactalbumina, importante para a síntese de lactose. Outro hormônio importante para a síntese de caseína e lactalbumina é o cortisol.
Os constituintes do leite variam de acordo com o estado nutricional da mãe e são sintetizados pelas células do epitélio alveolar, sendo eles: as proteínas, caseína e albumina; os carboidratos, como a lactose; os lipídeos, principalmente trigliceróis; água e eletrólitos, como Na, Cl, K, Ca, Mg e fosfatos; e oligoelementos, como Fe, Cu e Zn, além de vitaminas lipossolúveis e do complexo B. No comecinho da lactogênese, entre 2 a 4 dias, essa não é a composição do líquido amarelo secretado, pois ele tem uma concentração maior de proteínas, sendo chamado de colostro.
Qual o papel da prolactina?
A prolactina é o principal hormônio da lactação, sendo produzida com concentração crescente durante a gestação e chegando a níveis máximos na hora do parto, porém depois disso a concentração cai bastante e rapidamente.No entanto, ocorre secreção episódica com o início da amamentação, poishá estímulo reflexo após cada mamada. Isso se dá porque os estímulos de sucção no mamilo durante a mamada promovem diminuição da secreção de dopamina, a qual é responsável por inibir a secreção de prolactina, assim esta passa a ser secretada. Dessa maneira, a sucção do mamilo é tão importante que, quando a mãe deixa de amamentar, não ocorre secreção de prolactina nem produção de leite.
Esse hormônio, dentre todas as suas células-alvo, atinge as células do epitélio alveolar das mamas, as quais produzem o leite. Quando se liga ao receptor específico para prolactina, ele gera aumento da captação de ácidos graxos e síntese de triacilgliceróis, os principais produtos constituintes do leite. Assim, após a produção do leite, ocorre a secreção dele para dentro da cavidade alveolar, onde fica armazenado, sendo drenado para os seios lactíferos, de onde é sugado durante a amamentação.
Algo interessante a ser ressaltado é a amenorreia pós-parto. Ela acontece nos primeiros 6 meses, devido à inibição que a prolactina causa no eixo hipotálamo-hipófise-ovariano, algo que altera a secreção de gonadotrofinas e impede os ciclos menstruais. Esse hormônio também faz com que os ovários sejam menos sensíveis às gonadotrofinas.
E a ocitocina, como age?
Já falamos o quão importante é a sucção do mamilo pelo bebê para que a prolactina seja liberada, porém outro hormônio também é secretado: a ocitocina. Há, assim, um pico de secreção de ocitocina cerca de 30 segundos após o início da mamada. Este hormônio tem uma ação importante para a ejeção do leite, pois atua nas células mioepiteliais que envolvem os alvéolos, fazendo com que elas contraiam, o que aumenta a pressão interalveolar e faz com que o conteúdo, o leite, seja ejetado para os ductos e seios lactíferos.
A ocitocina é um neuropeptídeo sintetizado no núcleo paraventricular e supraóptico do hipotálamo, sendo lançada na circulação pela neurohipófise e secretada no sistema nervoso central, onde tem o papel de neuromodulação. A região hipotalâmica que a produz é tão complexa que sua liberação pode ser influenciada pela acetilcolina, noradrenalina, dopamina, serotonina, entre outros, chegando até mesmo a ocorrer feedback positivo pela própria ocitocina.
Uma curiosidade é que a liberação da ocitocina pode ser mediada pelo toque, pelo calor, pela estimulação do olfato, por sons e luzes… Até mesmo alguns mecanismos psicológicos podem contribuir para isso, dessa forma, interações sociais positivas que compreendem o toque e o suporte psicológico, um ambiente confortável e positivo, vários tipos de psicoterapia envolvendo a transferência de suporte, calor humano e empatia podem influenciar na liberação desse hormônio.
Figura 1 – Reflexo da Ocitocina

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Mas existe insuficiência na produção de leite?
Sim, pode acontecer! Quando a produção de leite não é suficiente, o bebê apresenta alguns comportamentos, como não saciedade após as mamadas, choro excessivo e mamadas muito longas. O ganho de peso insuficiente, ou seja, menos de 20g por dia, também indica essa condição, bem como um número reduzido micções por dia (menos de 6 ou 8) e poucas evacuações com poucas fezes, secas e duras, pois isso mostra que pouco leite tem sido ingerido. Dessa maneira, alguns sinais indicam que o bebê não está recebendo leite suficiente nas primeiras semanas de vida:
- Perder mais de 10% do peso de nascimento;
- Não recuperar o peso de nascimento em até duas semanas de vida;
- Não urinar por 24 horas;
- Não evacuar fezes amarelas no fim da primeira semana;
- Presença de sinais clínicos de desidratação.
Assim, podemos perceber que é muito importante monitorar o peso do bebê para definir se existe insuficiência na produção de leite.
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O que leva a essa insuficiência?
Na verdade, todo fator que limite o esvaziamento das mamas pode causar diminuição da síntese de leite, por conta de inibição química ou mecânica. Assim, a má pega é o principal fator que gera remoção ineficiente do leite. Outros fatores também são importantes, como a falta de frequência das mamadas ou quando elas são muito curtas, amamentação com horários rígidos, ausência de mamadas noturnas, ingurgitamento das mamas, uso de complementos, chupetas e protetores de mamilo. Alguns outros fatores podem ser relacionados, como:
- Sucção ineficiente do bebê – lábio/palato leporino, freio da língua curto, micrognatia, macroglossia, atresia de coana, uso de medicamentos na mãe ou na criança que deixe a criança sonolenta, asfixia neonatal, prematuridade, síndrome de Down, hipotireoidismo, disfunção neuromuscular, doenças do sistema nervoso central, padrão de sucção anormal;
- Problemas anatômicos da mama – mamilos muito grandes, invertidos ou muito planos;
- Doenças maternas – infecção, hipotireoidismo, diabetes não tratado, síndrome de Sheehan, tumor pituitário, doença mental;
- Retenção de restos placentários;
- Fadiga materna;
- Distúrbios emocionais;
- Uso de medicamentos que provocam diminuição da síntese láctea;
- Restrição dietética importante;
- Redução cirúrgica das mamas;
- Fumo.
A Figura 2, a seguir, mostra como a baixa ingestão de leite está relacionada com a baixa produção de leite.
Figura 2 – Interrelações entre as diversas variáveis que levam à baixa produção de leite, ganho insuficiente de peso da criança e complementação

O que fazer se há insuficiência na produção de leite?
É necessário entender que esse momento é importante para a mãe, a qual, muitas vezes, acaba abandonando a amamentação ou inserindo complementos na alimentação do bebê desnecessariamente. Dessa maneira, é essencial o acolhimento da paciente e uma boa orientação no sentido de:
- Avaliar os fatores maternos – desejo de amamentar, estresse, falta de apoio;
- Acolher a mãe e valorizar a queixa sem necessariamente concordar;
- Avaliar se as mamas estão cheias ou flácidas;
- Verificar se a pega e o posicionamento do bebê estão corretos;
- Orientar o aumento da frequência das mamadas e sem restrição de tempo para o bebê esvaziar as mamas;
- Estimular o contato pele a pele;
- Oferecer as duas mamas em cada mamada;
- Se a criança estiver sonolenta ou se não sugar vigorosamente, trocar o bebê de mama, mais de uma vez, numa mesma mamada;
- Após a mamada, ordenhar o leite residual.
Quando essas orientações não solucionam o quadro, pode ser indicada a utilização de alguns fármacos, como a domperidona e a metoclopramida, antagonistas da dopamina, os quais aumentam os níveis de prolactina.
Concluindo…
É bastante frequente a ideia de que algumas mães apresentam “leite fraco” ou “pouco leite”, porém isso faz parte do senso comum. Esse pensamento acaba levando mães a deixarem de amamentar exclusivamente, o que diminui a estimulação das mamas que ocorre com a sucção do bebê e isso afeta a produção de leite. No entanto, pode ocorrer realmente uma insuficiência na produção de leite, sendo importante a monitorização do peso do bebê para essa constatação. Nesses casos, o acolhimento e a orientação da mãe sãoimprescindíveis.
Autora: Beatriz Joia Tabai
Instagram:@biajoia_
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Referências
- CAMPOS, Diana Catarina Ferreira de; GRAVETO, João Manuel Garcia do Nascimento. Oxitocina e comportamento humano. Rev. Enf. Ref.,Coimbra,v. serIII, n. 1, p. 125-130,jul.2010.
- CURI, Rui; ARAÚJO FILHO, Joaquim Procopio. Fisiologia básica. [S.l: s.n.], 2009.
- GIUGLIANI, Elsa R. J.. Problemas comuns na lactação e seu manejo. J. Pediatr. (Rio J.),Porto Alegre,v. 80, n. 5, supl. p. s147-s154,Nov.2004.
- UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Telecondutas: aleitamento materno. Porto Alegre, 2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/telessauders/documentos/telecondutas/tc_aleitamento_materno_10.01.20.pdf
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