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Glomerulopatias que se apresentam com síndrome nefrótica: como diagnosticar?

Glomerulopatias que se apresentam com síndrome nefrótica: como diagnosticar?

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Glomerulopatias: tudo o que você precisa saber sobre essa doença para sua prática clínica!

Os glomérulos são uma rede de capilares que se anastomosam. Esses glomérulos são revestidos por duas camadas de epitélio: visceral e parietal. O epitélio visceral é composto por podócitos, já o parietal é responsável por revestir o espaço de Bowman. 

Dessa forma, a parede capilar do glomérulo consiste na unidade de filtração. No geral, esse sistema de filtração glomerular é permeável a água e a pequenos solutos, sendo completamente impermeável a moléculas de tamanho e carga molecular semelhante às da albumina. 

No geral, as glomerulopatias são doenças que acometem os glomérulos e consequentemente impactam na filtração glomerular. 

Principais causas de glomerulopatias

Dentre as principais causas de lesão glomerular, estão: 

  • Glomerulonefrite causada por imunocomplexos: esses antígenos que desencadeiam a formação dos complexos imunes não são de origem glomerular
  • Glomerulonefrite induzida por anticorpos antimembrana basal glomerular: os anticorpos são dirigidos contra os antígenos fixos na membrana basal glomerular
  • Lesão dos podócitos: podem ser induzidas por anticorpos contra antígenos dos podócitos, toxinas e fatores circulantes mal caracterizados
  • Perda de néfrons: ocorre se há lesão glomerular ou de qualquer outra estrutura, cursando com destruição de néfrons

Através dessas lesões o glomérulo pode sofrer hipertrofia e começam a apresentar dificuldade de filtração. 

Glomerulopatias que se apresentam com síndrome nefrótica

A síndrome nefrótica é caracterizada por um quadro clínico que inclui proteinúria maciça, hipoalbuminemia, anasarca, hiperlipidemia e lipidúria. Fisiopatologicamente, o que ocorre é um desarranjo nas paredes dos capilares do glomérulo, que resulta em aumento da permeabilidade a proteínas plasmáticas. 

Dentre as principais glomerulopatias que cursam com síndrome nefrótica, estão: 

  • Doença de lesão mínima
  • Glomeruloesclerose segmentar e focal
  • Glomerulonefrite membranoproliferativa
  • Nefropatia membranosa 

Doença por lesão mínima

A doença de lesões mínimas é uma disfunção relativamente benigna, que acomete mais frequentemente crianças. Apesar de poder ocorrer em qualquer idade, é mais comum em crianças de 1-7 anos de idade. 

Nessa patologia, os glomérulos apresentam aparência normal na microscopia óptica. As únicas modificações são vistas na microscopia eletrônica, em que há perda difusa dos processos podocitários. No entanto, essas alterações podem ser revertidas com a utilização de corticosteróides.

Manifestações clínicas

As principais características clínicas dessa doença consiste no desenvolvimento insidioso de síndrome nefrótica em uma criança saudável. Na maioria dos pacientes, não há hipertensão, e a função renal é preservada. 

No geral, a perda proteica geralmente está confinada às proteínas plasmáticas menores, principalmente albumina (proteinúria seletiva). O prognóstico para crianças com esse distúrbio é bom. 

Glomeruloesclerose segmentar e focal

A glomerulosclerose segmentar focal (GESF) consiste em uma esclerose de alguns glomérulos (mas não todos) e envolve apenas uma parte de cada glomérulo afetado. 

As principais características observadas nos glomérulos afetados são aumento da matriz mesangial, obliteração do lúmen capilar, depósitos hialinos (hialinose) e macrófagos espumosos (carregados de lipídios).

Fonte: Robbins, 2019.

A GEFS pode ser de etiologia primária (idiopática) ou secundária a situações como: 

  • Infecção por HIV (nefropatia por HIV)
  • Uso de heroína (nefropatia por heroína)
  • Secundária a outras formas de glomerulonefrite (p. ex., nefropatia por IgA).

Manifestações clínicas da glomeruloesclerose segmentar e focal

Nessa glomerulopatia há uma incidência de hematúria e hipertensão. Além disso, a GESF não é seletiva e, em geral, a resposta à terapia com corticosteróides é ruim.

Glomerulonefrite membranoproliferativa 

A glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) pode sercaracterizada histopatologicamente por: 

  • Alterações na MBG e no mesângio
  • Proliferação de células glomerulares

Epidemiologicamente, é responsável por cerca de 5 a 10% dos casos de síndrome nefrótica idiopática em crianças e adultos. Além disso, pode ser subclassificada em: 

  • GNMP tipo I: corresponde a 80% dos casos. É causada pela deposição de imunocomplexos circulantes ou pela formação de imunocomplexos in situ com um antígeno implantado. 
  • Doença do depósito denso

Na microscopia óptica os glomérulos são grandes, com aparência lobular acentuada e exibem proliferação de células mesangiais e endoteliais, bem como leucócitos infiltrantes. 

 Glomerulonefrite membranoproliferativa. Robbins, 2019. 

Nefropatia membranosa

A nefropatia membranosa é caracterizada por depósitos subepiteliais contendo imunoglobulina ao longo da membrana basal glomerular. Geralmente apresenta-se em adultos entre 30 e 60 anos de idade, com evolução indolente e lentamente progressiva. Até 80% dos casos de nefropatia membranosa são primários, causados por autoanticorpos contra antígenos expressos nos podócitos.

O principal achado histológico na nefropatia membranosa é o espessamento difuso da parede capilar na coloração com HE de rotina. Além disso, na microscopia eletrônica é possível visualizar a formação de depósitos subepiteliais na membrana basal glomerular, que são separados uns dos outros por pequenas protuberâncias em forma de espícula na matriz da membrana basal glomerular.

Nefropatia membranosa. Fonte: Robbins, 2019. 

Manifestações clínicas da nefropatia membranosa

A maioria dos casos de nefropatia membranosa apresenta-se com início súbito como uma síndrome nefrótica desenvolvida, geralmente sem doença antecedente. Alguns indivíduos podem apresentar menores graus de proteinúria. Ao contrário da doença de lesões mínimas, essa doença não é responsiva ao tratamento com corticosteróides. 

Como são as questões da glomerulopatias na prova de residência médica? 

Veja como esse assunto cai nas provas de residência médica. 

Questão 1

Homem, 25 anos, que relata uso abusivo de heroína, é admitido com edema generalizado, urina espumosa e hipertensão arterial sistêmica. Exames laboratoriais: proteinúria = 5g/24h; dislipidemia; hipoalbuminemia; creatinina = 3mg/dL. Urinálise: proteinúria e hematúria. A hipótese diagnóstica mais provável é: (UFRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, 2022)

  1. Glomerulopatia membranosa
  2. Glomeruloesclerose segmentar e focal
  3. Glomerulonefrite mesangioproliferativa
  4. Doença da membrana basal fina

Comentário da questão 

Indivíduo com edema generalizado (anasarca), urina espumosa (sugestiva de proteinúria, confirmada laboratorialmente) com hematúria e hipertensão arterial tem quadro sugestivo de síndrome NEFRÓTICA (a NEFRÍTICA leva a HAS e hematúria mais acentuadas, edema discreto e proteinúria discreta)! Quando verificamos tratar-se de indivíduo dependente de heroína, devemos lembrar da nefropatia induzida por heroína, que se manifesta mais comumente como GESF.

Questão 2 sobre glomerulopatias

São complicações da Síndrome Nefrótica (HUSE – HOSPITAL DE URGÊNCIA DE SERGIPE, 2022):

  1. Infecções, fenômenos hemorrágicos e hipotireoidismo.
  2. Infecções, trombose e hipertireoidismo.
  3. Trombose, hipotireoidismo e hipocalcemia.
  4. Fenômenos hemorrágicos, hipertireoidismo e hipocalcemia.
  5. Trombose, hipertireoidismo e hipercalcemia.

Comentário da questão sobre glomerulopatias

Devido a grande perda de proteínas os pacientes apresentam hipoalbuminemia (perda principalmente de albumina), edema/anasarca (devido menor pressão oncótica gerada pela hipoalbuminemia), hiperlipidemia e lipidúria. Apesar da principal proteína perdida ser a albumina, os pacientes com síndrome nefrótica perdem outras proteínas pelo rim, levando a algumas complicações. 

Uma dessas proteínas, é a imunoglobulina do tipo IgG, o que torna esses pacientes mais sujeitos a infecções por germes encapsulados, como por exemplo, o pneumococo. Uma infecção bastante comum em pacientes nefróticos é a peritonite bacteriana espontânea (PBE), que acomete os pacientes com ascite. Outra proteína perdida é a antitrombina III, que atua como inibidor da coagulação, sua perda leva a um estado de hipercoagulabilidade, gerando eventos tromboembólicos. Em pacientes com síndrome nefrótica, os testes de função da tireoide possuem resultados variáveis, principalmente dependendo do nível de perda de proteínas na urina. 

Referência bibliográfica

  • KUMAR, V.; ABBAS, A.; FAUSTO, N. Robbins e Cotran – Patologia –. Bases Patológicas das Doenças. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
  • Haas M, Meehan SM, Karrison TG, Spargo BH. Changing etiologies of unexplained adult nephrotic syndrome: a comparison of renal biopsy findings from 1976-1979 and 1995-1997. American Journal of Kidney Disease. 1997;30:621-31.
  •  Hennette JC, Falk R. Glomerular clinico-pathologic syndromes. In: Primer on Kidney Diseases Academic Press; 2001.

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