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A Cricotireoidostomia cirúrgica é o estabelecimento de uma abertura através da membrana cricotireóidea e a colocação de um tubo de traqueostomia ou tubo endotraqueal (TET) com balonete na traqueia. O procedimento faz parte do que chamamos de via aérea (VA) avançada ou VA definitiva, que é definida como um tubo endotraqueal com o balão insuflado abaixo das cordas vocais. Na emergência, a cricotireoidostomia é empregada principalmente nos casos de via aérea falha por não consigo oxigenar.
E você, sabe como fazer uma? Se não sabe ou quer relembrar, preparamos um guia prático de cricotireoidostomia cirúrgica para você.
Indicações
Indica-se a cricotireoidostomia cirúrgica quando há incapacidade de realizar intubação oro ou nasotraqueal (Ex.: trauma extenso de face, sangramento profuso, edema de laringe, obstrução.) e o paciente não pode ser adequadamente oxigenado apesar das tentativas ideais com ventilação com bolsa-válvula-máscara (VBVM) ou dispositivo extraglótico (DEG).
Quando estiver decidindo sobre a indicação do procedimento, pergunte-se:
- A incisão ao nível da membrana cricotireóidea irá desviar da obstrução e resolver o problema? Se sim, prossiga; se não, avalie outro método.
- A anatomia do paciente ou o processo patológico tornam a cricotireoidostomia difícil? Se sim, considerar via alternativa.
A mnemônica SMART pode ser utilizada para ajudar a identificar cricotireoidostomia difícil:
S – Cirurgia (surgery) recente ou remota: considerar distorções, fibrose, edema, sangramento;
M – Massa: pode dificultar tecnicamente o procedimento.
A – Acesso/Anatomia: obesidade, enfisema subcutâneo, infecção de tecidos moles ou edema, paciente com pescoço curto, além de dispositivos externos, como colar de imobilização cervical ou halo torácico podem dificultar o acesso.
R – Radiação (e outra deformidade ou fibrose): A radioterapia prévia pode causar distorção e fibrose dos tecidos, dificultando o procedimento.
T – Tumor: pode apresentar dificuldade para o acesso e em relação a sangramentos.
Contraindicações
As principais contraindicações do procedimento são:
- Crianças menores de 10 – 12 anos. Nesses pacientes, preferir cricotireoidostomia por punção;
- Fratura da laringe ou dano significativo à cartilagem cricóidea (contraindicação relativa);
- Intubação endotraqueal que pode ser realizada de forma fácil e rápida (contraindicação relativa);
- Diátese hemorrágica (contraindicação relativa);
- Edema maciço do pescoço (contraindicação relativa);
- Falta de experiência do operador (contraindicação relativa).
Complicações
Além de saber indicar e contraindicar, é indispensável ao médico (e ao acadêmico) conhecer sobre as complicações do procedimento. Podemos dividir as complicações em precoces e tardias:
- Precoces
- Comuns: sangramento, infecção, hematoma, colocação incorreta/malsucedida do tubo, enfisema subcutâneo;
- Incomuns: perfuração esofágica, perfuração mediastinal, pneumotórax, pneumomediastino, lesão das pregas vocais;
- Tardias
- Comuns: disfonia, estoma persistente;
- Incomuns: estenose glótica ou subglótica, fístula traqueoesofágica, traqueomalacia.
Passo a passo da cricotireoidostomia cirúrgica
Agora que sabemos as indicações, contraindicações e complicações da cricotireotomia, chegou a hora de aprendermos sobre a técnica do procedimento.
Mas antes disso, você sabe quais materiais são utilizados?
Materiais
O ideal é que ao realizarmos o procedimento tenhamos disponível:
- EPIs estéreis;
- Campo cirúrgico;
- Pinça kelly;
- Gaze;
- Degermante e antisséptico;
- Lidocaína 2%;
- Agulha e seringa para anestesia;
- Bisturi com lâmina 11;
- Bougie/guia;
- Tubo;
- Seringa para insuflar o cuff;
- Material para fixar;
- AMBU.
Além disso, é importante chamar mais alguém para ajudar!
Técnica
Pronto, agora que vimos quais materiais utilizar, hora de aprender ou relembrar o passo a passo da cricotireoidostomia cirúrgica.
- Explique o procedimento e peça consentimento ao paciente, caso este esteja consciente;
- Prepare o pescoço fazendo antissepsia, colocação dos campos cirúrgicos (se tiver tempo) e anestesia, caso o paciente esteja consciente;
- Identifique estruturas com a mão não dominante (cartilagens tireoide e cricoide e membrana cricotireóidea);

Fonte: Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência, 2019.
- Imobilize a laringe colocando o polegar e o dedo médio da mão não dominante em lados opostos dos cornos laríngeos superiores e o dedo indicador deve ser usado para localizar e identificar novamente a membrana cricotireóidea a qualquer momento durante o procedimento;

Fonte: Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência, 2019.
- Com a mão dominante, realiza-se uma incisão vertical de 2 cm na linha média da pele;

Fonte: Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência, 2019.
- Identifique novamente a membrana cricotireóidea e mantenha o dedo indicador na borda inferior da cartilagem tireoide, fornecendo assim uma indicação clara da extensão superior da membrana cricotireóidea;
- Realize a incisão na membrana em sentindo horizontal com cerca de 1cm, preferencialmente na porção mais inferior da membrana para “desviar” das artérias;

Fonte: Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência, 2019.
Gire o bisturi 90º e mantenha-o pressionando para não “perder” o local do tubo;

Fonte: Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência, 2019.
- Insira o tubo endotraqueal ou de traqueostomia com balonete (se tiver bougie, insira-o antes até a carina e depois coloque o tubo “por cima”);

Fonte: Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência, 2019.
- Retire o guia/bougie (se tiver utilizado);
- Confirme o local do tubo com capnógrafo ou método auscultatório (hipogástrio > base esquerda > base direita > ápice esquerdo > ápice direito).
- Fixe o tubo;
- Solicite radiografia de tórax;
- Conecte na ventilação mecânica e faça a sedoanalgesia do paciente;
Cuidados pós-procedimento
Agora por último, mas não menos importante, devemos conhecer os cuidados pós-procedimento:
- Aspiração das secreções respiratórias;
- Manutenção do orifício de entrada e dos tubos limpos com soro fisiológico;
- As fitas de fixação dos tubos que forem contaminadas com secreções deverão ser trocadas.
Conclusão
A cricotireotomia cirúrgica é uma forma de VA avançada. É empregada principalmente nos casos de via aérea falha por não consigo oxigenar. É indispensável saber suas indicações, contraindicações, técnica e complicações.
Autor: Carlos Alberto de Melo Filho
Instagram: @carlosmelo98
Referências
AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS – Advanced Trauma Life Support for Doctors. 10. ed. Chicago: Committee on Trauma, 2018, 9 p.
BROWN III, C. A.; SAKLES, J. C.; MICK, N. W. Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência. [S.l.]: [s.n.], 2019.
MAYEAUX, E. J. et al. Guia Ilustrado de Procedimentos Médicos. Porto Alegre: Artmed, 2012.

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.