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Os lipídios são essenciais para o organismo, pois participam da formação de algumas vitaminas e hormônios, além de ter papel estrutural na formação celular. Entretanto, alguns distúrbios podem alterar os níveis séricos dos lipídios como resultado de um aumento em qualquer das lipoproteínas. A dislipidemia, então, se caracteriza pelo nível de lípides circulantes aumentados na corrente sanguínea, principalmente o colesterol e triglicerídeos.
Classificação da dislipidemia
A dislipidemia pode ser classificada como primária ou secundária de acordo com as condições que levaram o indivíduo a desenvolvê-la.
Dislipidemia primária
A dislipidemia é considerada primária quando o distúrbio é de origem genética. As modificações genéticas podem promover deficiência na síntese de apoproteínas, falta de receptores, receptores deficientes ou defeitos no modo de lidar com a molécula de colesterol na célula.
Dislipidemia secundária
A hiperlipidemia secundária é decorrente de estilo de vida inadequado, de outros problemas de saúde ou pelo uso de alguns medicamentos. Pessoas com hábitos alimentares inadequados, como o excesso do consumo de gordura, principalmente saturada e gordura trans, por exemplo, tendem a acumular lipídios na circulação por consequência metabólica do excesso de tecido adiposo visceral e pela diminuição da expressão de receptores no fígado para algumas lipoproteínas.
Mas, afinal, quais os sintomas da dislipidemia?
A hiperlipidemia é uma doença silenciosa e dificilmente causa sintomas. Níveis de triglicerídeos quando demasiadamente altos (> 1.000 mg/dL) podem causar parestesia, dispneia e até confusão. Grandes concentrações de LDL podem também levar ao aparecimento de xantelasma, placas amareladas nas pálpebras. Entretanto, na maioria dos casos, o paciente hiperlipidêmico apresenta sinais e sintomas de uma complicação, uma vez que a hiperlipidemia está intimamente associada a inúmeras doenças dos mais variados sistemas.
Principais complicações da dislipidemia
Doenças cardiovasculares
Dentre as principais complicações da dislipidemia, destacam-se as doenças cardiovasculares. Com a perda da atividade do óxido nítrico (NO) causada pela hiperlipidemia, o endotélio perde sua capacidade de controlar as células inflamatórias que circulam no sangue e passa a favorecer a sua adesão na parede vascular, condição que a deixa permeável às lipoproteínas, acarretando, a longo prazo, um dano estrutural por seu acúmulo na região íntima dos vasos. Esse acúmulo de lipoproteínas somado à proliferação aumentada de células em direção à luz do vaso arterial, a reação inflamatória local e a ativação da cascata de coagulação tem sido considerado o principal fator desencadeante para a aterosclerose. Por causar a obstrução das artérias, essa condição pode causar acidente vascular cerebral (AVC) e o infarto do miocárdio, doenças responsáveis pela maior taxa de mortalidade no mundo.
Doenças renais
Pela relação dependente do sistema renal com o sistema cardiovascular, os distúrbios lipídicos têm sido determinantes na evolução da doença renal crônica (DRC). A aterosclerose, juntamente com as alterações na pressão arterial acarretadas pelas lesões endoteliais devido à hiperlipidemia, justifica em grande parte a origem de doenças renais. Essas alterações vasculares persistentes danificam os rins de forma irreversível, o que leva a diminuição da capacidade de filtração dos resíduos metabólicos, caracterizando a DRC.
Diabetes mellitus
O excesso de lipídios circulantes ativa citocinas pró-inflamatórias, principalmente, TNF-α e IL-6, que, em excesso, resultam em uma inflamação metabólica no tecido adiposo que se propaga como uma inflamação sistêmica. A participação dessas citocinas que são responsáveis pela resistência à insulina (o que leva ao diabetes mellitus) normalmente se dá pela inibição da ativação do receptor da insulina, dificultando, assim, o transporte intracelular da glicose. Além disso, o aumento da lipólise nos adipócitos viscerais em exaustão ocasiona um aumento de ácido graxos livres (AGL) para o fígado e músculo esquelético, o que contribui para a inibição a ação da insulina nesses órgãos, por um mecanismo conhecido como lipotoxicidade.
Hepatopatias
A resistência insulínica no fígado leva a um aumento da gliconeogênese hepática, causando hiperglicemia e secreção excessiva de VLDL, com consequente hipertrigliceridemia e redução nos níveis de HDL. O acúmulo intra-hepático de triglicerídeos explica também o surgimento da doença hepática gordurosa não alcoólica e da esteatohepatite não alcoólica.
Pancreatite
A pancreatite também é associada à hiperlipidemia, particularmente os tipos caracterizados por níveis plasmáticos aumentados de quilomícrons. Nestes casos, postula-se que ácidos graxos livres liberados pela ação de lipase pancreática causam inflamação e lesão do pâncreas. O abuso de álcool ou uso de contraceptivos orais são fatores potencializadores da pancreatite aguda em pacientes com hiperlipidemia.
Hipotiroidismo
A hiperlipidemia em pacientes com hipotireoidismo é dada pelo acúmulo de LDL devido à diminuição do número correspondente de receptores no fígado para a LDL. Nesses casos, a reposição hormonal com tiroxina geralmente tem respostas positivas sobre a hiperlipidemia secundária, reforçando a íntima relação entre elas. A atividade reduzida da lipase das lipoproteínas, comum no hipotireoidismo, é um dos responsáveis também pelo desenvolvimento de hipertrigliceridemia.
Diagnóstico
O diagnóstico da hiperlipidemia resume-se à dosagem dos lipídios séricos, colesterol total, HDL, LDL e triglicerídeos, unido a possíveis achados clínicos, principalmente derivado de alguma complicação. Estudos recentes da European Atherosclerosis Society (EAS) e da European Federation of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine (EFLM) demonstraram que o estado pós-prandial não interfere na concentração destas partículas. Com isso, algumas sociedades médicas, em especial a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia, retiraram a obrigatoriedade do jejum de sua rotina.
Tabela 1– Valores referenciais e de alvo terapêutico do perfil lipídico (adultos > 20 anos)

Tratamento
O diferencial no tratamento das dislipidemias é o estilo de vida, com foco na dieta saudável e exercício físico regular. Uma dieta pobre em calorias, gorduras trans, ácidos graxos saturados e colesterol é fundamental para o tratamento da hiperlipidemia. Isso porque ao evitar o consumo desses, diminui-se o acúmulo de lipídios na circulação, uma vez que reduz o tecido adiposo visceral e favorece a expressão de receptores no fígado para algumas lipoproteínas, principalmente LDL. A atividade física moderada, independentemente da frequência, auxilia na redução do peso e, consequentemente, reduz também os níveis de colesterol e triglicerídeos. Caso os níveis normais de lipídios não sejam alcançados somente com a melhora nos hábitos de vida, pode ser necessária a administração de medicamentos.
As estatinas são os fármacos de primeira escolha, depois do insucesso da intervenção não medicamentosa. Essas são consideradas as mais seguras por serem bem toleradas, por terem alta eficácia na redução do LDL e por diminuírem os riscos cardiovasculares. A ezetimiba é a droga que deve ser usada em situações de alergia a alguma substância restrita às estatinas ou na necessidade de associação em casos de hiperlipidemia grave ou persistente. A colestiramina constitui a primeira escolha em situações clínicas específicas, como pacientes menores de 10 anos, gestantes e mulheres que estejam em idade reprodutiva, mas que não façam uso de contraceptivos. Fora esses casos, o uso da colestiramina é evitado devido à alta incidência de efeitos colaterais no sistema gastrintestinal.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências Bibliográficas
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