Coronavírus

Os impactos psicológicos da quarentena e como reduzi-los

Os impactos psicológicos da quarentena e como reduzi-los

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Por Viviane Resende[1], Mávila Andrade[2] e Vanessa Miranda[3].

Muitos têm sido os esforços no sentido de compreender os diversos impactos que a pandemia provocada pelo Novo Coronavírus apresentará sobre os cenários da saúde e da economia, seja em curto, médio ou longo prazo. 

Nesse sentido, numa tentativa de reduzir a propagação da doença, muitos locais têm adotado a prática da quarentena. Diferentemente do conceito de isolamento, essa prática se caracteriza pela imposição, por parte das autoridades, de restrições em relação ao funcionamento de comércios e serviços, bem como do resguardo de pessoas saudáveis que tiveram (ou não) contato com outras pessoas infectadas.

No entanto, pouco tem se discutido sobre os impactos psicológicos da quarentena para as pessoas envolvidas, bem como sobre as possíveis formas de atenuá-los. Em uma revisão rápida das evidências acerca dos impactos psicológicos da quarentena e de como reduzi-los, Brooks (2020) reuniu estudos realizados em surtos anteriores, como no da SARS, do Ebola ou no da H1N1. 

Ele constatou que havia uma maior prevalência de respostas emocionais negativas entre as pessoas que estiveram em quarentena, como “medo”, “tristeza”, “culpa”, “confusão”, “raiva”, “humor baixo”, “irritabilidade”, “ansiedade”, “insônia”, dentre tantas outras.

Isso ficou ainda mais evidente entre os profissionais da área de saúde. Alguns estudos apontaram o fato de terem sido colocados em quarentena como um fator preditivo de sintomas associados ao abuso ou dependência de álcool, à depressão e aos transtornos de estresse agudo e de estresse pós-traumático mesmo três anos após o período da quarentena. 

Também foi possível notar alguns desses sintomas na população geral, e um estudo identificou uma relação direta entre pessoas que tinham histórico de doença psiquiátrica e a apresentação de ansiedade e raiva quatro a seis meses após a liberação da quarentena, sugerindo que essas pessoas precisariam de um suporte extra durante a quarentena.

Além do mais, muitos participantes continuaram a se envolver em comportamentos de prevenção após o término da quarentena, e, para algumas pessoas, o retorno à normalidade levou muitos meses (BROOKS, 2020). 

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Principais fatores de estresse durante e após a Quarentena

Dessa forma, faz-se necessário mapearmos os principais fatores de estresse não apenas durante, mas também após o período de quarentena, a fim de pensarmos em estratégias de atuação que possam reduzir as consequências negativas na saúde mental e no bem-estar das pessoas envolvidas. 

Nesse contexto, o estudo realizado por Brooks (2020), em fevereiro deste ano, identificou cinco fatores de estresse principais durante o período de quarentena, sendo eles: 

  • a duração da quarentena
  • o medo de infecção
  • a frustração e tédio;
  • os suprimentos inadequados
  • as informações inadequadas.

O primeiro fator refere-se à duração da quarentena, e, por isso, faz-se necessário que sejam pensadas estratégias para que o período da quarentena não gere efeitos negativos  na saúde mental das pessoas envolvidas. 

Nosso cenário torna-se ainda mais crítico pelo fato de que nem todas as autoridades estão aderindo às recomendações da quarentena, levando a uma divisão da população em um momento que deveria ser monovocal para a proteção do coletivo. 

No que se refere ao medo de infecção, participantes de diferentes estudos, sobretudo mulheres grávidas ou com crianças pequenas, relataram temores sobre suas próprias saúdes ou medo de infectarem outras pessoas, principalmente membros da família. 

Isso se intensificava quando experienciavam algum sintoma físico que pudesse estar relacionado à doença. Esse medo continuou a ser relatado como respostas psicológicas severas mesmo meses depois.

O confinamento, a perda da rotina habitual e a redução do contato social e físico com outras pessoas foram frequentemente associados ao tédio e à frustração, bem como a uma sensação de isolamento do resto do mundo, o que se mostrou como algo angustiante para os participantes durante esse período. A falta de suprimentos básicos, como comida, água, medicamentos, etc, também foi uma fonte significativa de frustração durante a quarentena e continuou associado à raiva e à ansiedade mesmo seis meses após o período.

Por fim, o último fator de estresse identificado durante o período da quarentena consistiu na precariedade de informações por parte das autoridades públicas de saúde, em que diversos participantes relataram uma insuficiência de diretrizes sobre ações a serem tomadas e confusão sobre o objetivo da quarentena. 

Isso foi associado à falta de coordenação entre as múltiplas jurisdições e níveis de governo envolvidos, bem como à falta de transparência dos oficiais de saúde e do governo sobre a gravidade da pandemia.

A precariedade das informações tem sido um problema enfrentado no Brasil desde as primeiras semanas de sugestão de quarentena. A incongruência dos dados fornecidos pelo Estado não ofertam segurança à população para que as medidas de segurança permaneçam.

Além disso, o país continua com dificuldade para realizar testagens, dando a falsa segurança de que as pessoas que estão realizando quarentena estão saudáveis, logo, não necessitam tamanha privação.

No que se refere aos fatores de estresse após o período de quarentena, destacam-se as questões relacionadas às finanças. Isso porque a perda financeira pode ser um problema significativo durante a quarentena, e seus efeitos parecem se estender por meses após, gerando grave sofrimento socioeconômico e, consequentemente, psicológico. 

Isso se agrava nos casos de profissionais autônomos, que se tornam incapazes de trabalhar e precisam interromper suas atividades profissionais sem planejamento avançado.

Muitos tornaram-se dependentes de suas famílias para provê-los financeiramente durante a quarentena, o que muitas vezes é difícil de aceitar e poderia causar conflitos.

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Medidas efetivas que podem ser implementadas

Considerando, portanto, que a quarentena está frequentemente associada a efeitos psicológicos negativos não só durante o período, mas ainda meses ou anos após, questiona-se:

Quais medidas efetivas podem ser implementadas como parte do processo de planejamento da quarentena a fim de reduzir seus impactos psicológicos para as pessoas envolvidas?

Nesse sentido, Brooks (2020) sugeriu as seguintes medidas:

  • Dar às pessoas o máximo de informação possível (comunicação clara e efetiva) – A falta de informações claras e precisas sobre os aspectos relacionados à quarentena ou à infecção contribui para que as pessoas tenham mais pensamentos catastróficos sobre a situação. Por isso, é importante que haja uma garantia de que as pessoas tenham um bom entendimento sobre a doença em questão e os riscos reais que enfrentam, bem como sobre os motivos da quarentena.
  • Fornecer suprimentos adequados – Uma das prioridades durante o período de quarentena deve ser a garantia de que as pessoas envolvidas tenham suprimentos suficientes para suas necessidades básicas, como alimentação, medicamentos, itens de higiene ou limpeza, etc.
  • Criar estratégias para reduzir o tédio e melhorar a comunicação – O tédio e o isolamento são fatores que contribuem para sentimentos de angústia, por isso é importante que as pessoas em quarentena sejam informadas sobre o que podem fazer para evitar o tédio, e que tenham acesso a estratégias de enfrentamento e controle do estresse. Nesse sentido, a tecnologia, como forma de manter o contato com amigos e familiares, torna-se uma importante aliada nesse momento, possibilitando uma redução da ansiedade durante o período da quarentena e, consequentemente, o sofrimento a longo prazo.

Devemos, no entanto, ter cuidado para não contribuirmos com a disseminação de discursos adoecedores como o de “recuperar ou “aproveitar o tempo perdido”, que fazem com que as pessoas acreditem que devam alcançar o máximo de produtividade em um momento que já gera, por si só, muita tensão e ansiedade.

O tédio, de certa forma, também nos leva a olhar internamente para nós mesmos, nos revisar e encontrar nossa própria forma de lidar com o caos que nos é imposto.

Um estudo realizado em 2003 (MAUNDER; VICENT; et al. apud BROOKS, 2020) sobre os impactos psicológicos e ocupacionais imediatos do surto de SARS sugeriu que ter uma linha de suporte telefônico, composta por enfermeiras psiquiátricas, especificamente para aqueles em quarentena poderia ser uma estratégia eficaz para reduzir os fatores de estresse. 

Também é importante que as autoridades de saúde pública mantenham linhas claras de comunicação com as pessoas em quarentena sobre o que fazer se tiverem algum sintoma, como através de uma linha telefônica ou um serviço online específico. 

Outra estratégia interessante adotada em um estudo realizado em 2005 (PAN; CHANG; YU apud BROOKS, 2020), também referente ao surto da SARS, consistiu em um grupo de suporte para estudantes universitários em quarentena que foram expostos à doença. 

Segundo o estudo, ter esse grupo e se sentir conectado a outros que estão passando pela mesma situação poderia ser uma experiência empoderadora e restauradora para as pessoas envolvidas.

Essas estratégias abrem espaço de atuação para as(os) psicólogas(os) durante e após a quarentena. Alguns profissionais já têm oferecido atendimento social online para população em quarentena, sobretudo para os profissionais de saúde, sobre os quais falaremos no próximo tópico. O trabalho em grupo também nos parece promissor, podendo se dar através de diversas temáticas. 

  • Os profissionais de saúde merecem atenção especial – Durante surtos de doenças infecciosas, verificou-se uma maior prevalência de sofrimentos psíquicos nos trabalhadores na área de saúde durante o período da quarentena. Por isso, faz-se necessário a adoção de medidas de apoio específicas para esse público a fim de proteger também a sua saúde mental, bem como medidas que conscientizem os gerentes da área de saúde acerca dos potenciais riscos para seus funcionários a fim de que possam se preparar para intervenções precoces.
  • Altruísmo é melhor que compulsão – Estudos que compararam os impactos psicológicos de quarentenas compulsórias em relação à quarentenas voluntárias constataram que as primeiras tendem a gerar mais respostas emocionais negativas aos envolvidos, tanto durante quanto após o período. O melhor caminho, então, é conscientizar as pessoas sobre a importância da quarentena diante desses surtos para que possam, a partir de seus privilégios individuais, adotarem uma medida que apoie a coletividade.

Assim, cabe a nós, na nossa prática enquanto psicólogas(os), diante desse cenário pandêmico, nos centrarmos no que podemos fazer para auxiliar que essas medidas sejam implantadas, construindo o nosso próprio planejamento da quarentena e gerando novos diálogos para que as pessoas possam fazer o mesmo para si. 

Agora, mais do que nunca, é tempo de pensarmos de que forma podemos fazer com que nossa prática, em todos os contextos de atuação, seja uma ferramenta de acolhimento e restauração, encontrando novas formas de cuidado (com o outro e consigo).

Acreditamos que isso diz muito sobre nossa capacidade de nos reinventarmos diante da crise. E, ao final, o questionamento que fica não é “Por que?”, mas “Para que?”.

[1] Psicóloga com formação clínica complementar na abordagem Sistêmica. Pós-graduada em Saúde Mental, Centro Universitário UniRuy | Wyden. Psicoterapeuta Sistêmica do Instituto Humanitas, Salvador/ Brasil.

[2] Psicóloga. Formação Clínica em Psicoterapia Sistêmica de Casal e Família, Psicoterapeuta e Supervisora do Núcleo de Atendimento Social do Instituto Humanitas, Salvador/ Brasil.

[3] Doutora em Psicologia da Educação, Universidade de Barcelona/ Espanha. Supervisora clínica e docente do Instituto Humanitas, Salvador/ Brasil.

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