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Impactos sociais do movimento antivacina | Colunistas

Impactos sociais do movimento antivacina | Colunistas

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Saiba mais sobre o movimento antivacina e seus riscos!

Temos vivenciado ao longo desse ano uma pandemia de proporções desastrosas, gerada a partir do surto de COVID-19. Com isso, a corrida por uma vacina capaz de controlar a situação ganha grande relevância.

Muitos são os estudos realizados em meio a essa corrida pelos imunizantes: até o momento existem 214 vacinas candidatas. Entre elas, algumas já se encontram na fase 3 dos testes clínicos e estão em processo de aprovação para uso emergencial em alguns países. No entanto, existem muitos discursos de resistência e de desconfiança, por parte de uma parcela da população, em relação à segurança e à eficácia dessas substâncias.

Esse discurso de descrença segue uma tendência que tem se intensificado nos últimos anos: a adesão ao movimento antivacinação. A mobilização, que tem como fundamentos o questionamento da necessidade da vacinação, o medo de consequências deletérias, a falta de instrução sobre o processo e algumas questões políticas, tem sido impulsionada pelo cenário atual, em que a disseminação de informações e de ideias, independentemente da credibilidade, é facilitada pelo uso das redes de comunicação.

A história do movimento antivacina

Nas primeiras campanhas de vacinação brasileiras, realizadas no início do século XIX, com foco na varíola, na febre amarela e na poliomielite, o caráter obrigatório dessas ações gerou insatisfação popular, pois existia a crença de que essas vacinas eram uma ferramenta governamental usada para controle social, além de haver questionamentos em relação à segurança.

A obrigatoriedade, entretanto, era dificultada pela capacidade reduzida de produção dos imunizantes, que só foi sanada em 1884, quando a vacina contra a varíola passou a ser feita em larga escala no Rio de Janeiro. A partir de então, surgiu a possibilidade para que o Congresso restabelecesse a obrigação, a partir de um projeto enviado pelo médico e sanitarista Oswaldo Cruz. Nessas condições, foram atribuídas ainda sanções àqueles que não fossem vacinados.

A fim de efetivar a imunização, houve pouca preocupação com a autonomia do povo, pois, em vez de um processo informativo que estimulasse a adesão espontânea das pessoas, diante dos benefícios que traria, tratou-se de um processo muito truculento, em que casas eram invadidas e injeções eram aplicadas contra a vontade dos indivíduos. Somado ainda a tensões políticas da época, o cenário culminou na Revolta da Vacina, em 1904. Ao final, foi retirada a obrigatoriedade, a adesão à vacinação diminuiu e houve uma série de repressões e de adoecimentos.

Enquanto isso, a nível internacional, foi criada a Liga Antivacinação na Inglaterra e nos Estados Unidos, que defendia a liberdade individual de escolha, atribuindo aos pais o dever de decidir a respeito da vacinação dos filhos.

Conquistas sociais

No Brasil, em 1973, foi formulado o Plano Nacional de Imunização (PNI), que se tornou referência mundial por seu pioneirismo na universalização das vacinas. É de sua atribuição a coordenação de ações epidemiológicas focadas no combate aos principais agravos que acometem as diversas regiões, de modo a fornecer melhores condições de vida aos cidadãos e a priorizar a prevenção frente a tratamentos, o que é favorável até para os gastos públicos.

Parte do sucesso das campanhas do PNI se deve ao uso de – ao contrário dos precedentes históricos que geraram impopularidade – uma linguagem popular para se aproximar do público-alvo com propagandas nos diversos meios comunicativos, inclusive nas redes sociais atualmente. Entre os recursos para tornar o apelo mais lúdico, tivemos o uso da imagem de pessoas famosas e a criação do personagem Zé Gotinha.

A obrigatoriedade da vacina voltou constituir os artifícios legais, dessa vez para crianças e adolescentes, a partir da Lei 8.069 de 1990:

“Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.

Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.”

Esse quadro favorável fez com que várias doenças fossem erradicadas do território nacional, como o sarampo, o que rendeu, em 2016, a certificação de erradicação concedida pela Organização Pan Americana de Saúde (OPAS).

Retrocessos

Em 1998, o médico e pesquisador inglês Andrew Wakefield publicou um artigo no qual associava o uso da vacina tríplice viral com o surgimento de autismo, o que serviu para reacender a desconfiança que já havia perdido força.

Uma série de outras associações equivocadas, que ganharam notoriedade com a explosão informacional vivenciada, principalmente ao longo deste século, fazem com que o movimento antivacina cause consequências danosas à sociedade. A exemplo disso, em 2011, os Estados Unidos passaram por um surto de caxumba; em 2013, no Japão, o mesmo ocorreu com a rubéola; em 2017, na Europa, notificou-se um caso de tétano após 30 anos sem nenhuma ocorrência. Já no Brasil, o certificado conquistado em 2016 foi perdido dois anos depois, quando ocorreu um surto de sarampo.

A preocupação é crescente, já que os últimos 5 anos foram marcados pela queda substancial na cobertura vacinal e as metas estabelecidas também não são atingidas desde 2018, segundo dados disponíveis no sistema de informações do PNI. A média de queda na cobertura vacinal de 2015 a 2020 foi entre 40 e 55% (BELTRÃO et al., 2020).

Poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola, difteria, varicela, rotavírus e meningite são exemplos de vacinas que estão em decréscimo de aplicação.

Perfil dos que resistem

Além dos fatores já mencionados, pesquisas ainda indicam uma relação entre o nível de renda e a adesão a vacinas: o grupo em que há mais resistência é o de menor renda, ao passo que no de maior renda a aceitação é a maior. A mesma relação é observada quando o critério é o nível de escolaridade.

Apesar disso, a desinformação não se restringe àqueles que negam a vacina, pois até uma quantidade significativa de um grupo de médicos e de estudantes de medicina entrevistados no estudo de Mizuta et al. (2019), mesmo possuindo carteira de vacinação, relataram não ter conhecimento do calendário vacinal do PNI e deixar de tomar algumas vacinas por falta de interesse ou por medo de efeito adversos.

Outro fator associado à menor adesão na atualidade é o fato de, por sermos de gerações que cresceram em meio a uma realidade de conquistas no campo da epidemiologia, refletidas na melhoria das condições sociais, não fomos capazes de ver, em nosso convívio, os danos provocados por muitas dessas doenças infectocontagiosas. Assim, surge despreocupação, a partir da ideia equivocada de que essas doenças são de fácil tratamento ou não voltarão a provocar contágio.

Como contornar a problemática antivacina

Médicos atuantes ou em formação possuem um papel fundamental que vai além de reafirmar para os demais cidadãos a necessidade do cumprimento da medida legal em vigor. Cabe a nós a iniciativa de informar apropriadamente a respeito do mecanismo de funcionamento das vacinas e dos seus benefícios (não só individuais, mas coletivos), além de esclarecer a compensação dos efeitos adversos sobre os riscos das doenças em si.

Também é importante a vigilância em relação às fake news propagadas nos meios de comunicação, não só usufruindo dos artifícios que existem para taxá-las como falsas, mas também esclarecendo os equívocos.

Vale destacar a importância em fazer essa abordagem com as gestantes, durante a assistência pré-natal, pois, apesar de os números vacinais estarem em queda, essa redução foi menor entre os imunobiológicos que fazem parte da carteira vacinal da gestante.

Esse indicativo, juntamente ao que aponta que o maior comparecimento aos serviços de saúde ocorre durante a gestação, deve ser aproveitado para proporcionar a continuidade do cuidado preventivo para o período pós-natal.

Em último caso, quando a resistência supera as tentativas de esclarecimento, o Conselho Tutelar deve ser acionado para notificar a omissão dos pais.

Além de tudo, disputas geopolíticas têm permeado o imaginário popular acerca dos potenciais benefícios e malefícios das candidatas à vacina da COVID-19, gerando recusa em relação ao produto de nações específicas. Deve prevalecer, entretanto, a confiança nos artifícios científicos e nas instituições de saúde, que, há séculos, lutam pelo fornecimento de melhores condições de vivência.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


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Referências

DRAFT LANDSCAPE OS FOVID-19 CANDIDATE VACCINES. World Health Organization, 2020. Disponível em: . Acesso em: 02, dezembro, 2020.

LISBOA, Vinícius. Em queda há 5 anos, coberturas vacinais preocupam Ministério da Saúde. Agência Brasil, 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-10/em-queda-ha-5-anos-coberturas-vacinais-preocupam-ministerio-da-saude>. Acesso em: 02, dezembro, 2020.

A REVOLTA DA VACINA. Agência Fiocruz de Notícias, 2005. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/revolta-da-vacina-2#:~:text=Em%20meados%20de%201904%2C%20chegava,ser%20inoculado%20com%20esse%20l%C3%ADquido>. Acesso em: 02, dezembro, 2020.

LEGISLAÇÃO INFORMATIZADA – LEI N° 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990 – PUBLICAÇÃO ORIGINAL. Câmara dos deputados. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1990/lei-8069-13-julho-1990-372211-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 02, dezembro, 2020.

BELTRÃO, R. P. L et al. Perigo do movimento antivacina: análise epidemio-literária do movimento antivacinação no Brasil. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 12, n. 6, p. e3088, 30 abr. 2020. Disponível em: < https://doi.org/10.25248/reas.e3088.2020>. Acesso em: 02, dezembro, 2020.

NASSARALLA, A. P. A. et al. Dimensões e consequências do movimento antivacina na realidade brasileira. Revista Educação em Saúde, v. 7, 2019. Disponível em: < http://revistas2.unievangelica.edu.br/index.php/educacaoemsaude/article/view/3813>. Acesso em: 02, dezembro, 2020.