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Inatividade física e suas repercussões metabólicas negativas na pandemia | Colunistas

Inatividade física e suas repercussões metabólicas negativas na pandemia | Colunistas

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As providências para reter a pandemia do COVID-19 integram confinamento e outros meios de isolamento físico. Esses métodos provocaram preocupações sobre a diminuição de exercícios físicos com consequências negativas para a saúde. Para que isso não ocorresse na quarentena, dispusemos de diversas instruções remotas para a prática de atividade física em casa, como yoga, alongamento, dança e pilates. Já é sabido, por diversos estudos, que os benefícios da atividade física contribuem para a redução de patologias e mortalidade. Além das associações entre a aptidão mitocondrial e cardiorrespiratória, e sua influência na atuação do sistema imunológico e na resposta antiviral do hospedeiro, pouca relevância tem sido dada ao seu potencial para modular a vulnerabilidade e a gravidade do COVID-19.

Atividade física mantém as mitocôndrias em forma

É evidente que manter-se em casa nesse momento de pandemia, sem muita interação social, nos provoca angústia e ansiedade. Diversos estudos já citaram a prática física, cautelosamente efetuada, colaborando para a melhoria do humor e reduzindo a ansiedade e depressão. Ademais, nem todos dispõem de equipamentos para se exercitar, como bicicleta ergométrica, esteira, entre outros. Mas as mídias sociais realizaram a democratização de atividades que você pode fazer na sua casa, como execuções endurance, subindo e descendo as escadas, e pulando corda com orientações ao vivo em vídeo conferências. Ao abordar sobre o aumento da imunidade procedente do exercício físico em quarentena, você compreende que a bioquímica, mesmo que complexa, é importante para entender a atuação metabólica do nosso corpo.

A atividade física permite que as mitocôndrias sejam treinadas para a aptidão mitocondrial, combinando sua integridade, eficiência e adaptação dinâmica aos estressores. As mitocôndrias controlam uma vasta gama de processos celulares, incluindo a geração do ATP, a diferenciação celular, a apoptose e a ativação imune antiviral. Uma parte importante na defesa imune inata é o complexo de sinalização antiviral mitocondrial (MAVS), um grande complexo de proteínas localizado na membrana mitocondrial externa. O MAVS é ativado por uma família de receptores detectores de patógenos, receptores estes que são semelhantes à genes indutíveis por ácido retinóico (RLRs), e induz uma resposta que inclui a transcrição de interferons de tipo I, que atuam como moléculas centrais na defesa celular contra vírus. Para debilitar os sistemas de defesa antiviral celular, muitos vírus geraram mecanismos para escapar da detecção celular por RLR ou para diminuir a eficiência mitocondrial e, assim, impedir a resposta antiviral do hospedeiro. 

Quaisquer déficits medíveis de mitocôndrias resultam em disfunções mitocondriais, podendo assim comprometer a integridade mitocondrial e do controle de qualidade, capacidade das mitocôndrias de modificar adequadamente sua morfologia, aumentar seu número ou massa (biogênese mitocondrial) e elevar sua mobilidade e distribuição por meio das células.

Fonte: Burtscher J, Millet GP, Burtscher MLow cardiorespiratory and mitochondrial fitness as risk factors in viral infections: implications for COVID-19British Journal of Sports Medicine Published Online First: 24 November 2020. doi: 10.1136/bjsports-2020-103572

A imagem acima mostra a disfunção mitocondrial inter-relacionada, estresse oxidativo e inflamação são modulados pela idade e atividade física no COVID-19. As disfunções mitocondriais incluem déficits na integridade metabólica e estrutural mitocondrial, fosforilação oxidativa, bem como na dinâmica mitocondrial, biogênese e controle de qualidade. Eles podem levar ao aumento da produção de espécies reativas de oxigênio mitocondrial (e estresse oxidativo), deficiência de energia (ATP), defesa imunológica prejudicada e morte celular.

Aptidão mitocondrial e cardiorrespiratória na vulnerabilidade COVID-19

Para garantir que a taxa de infecção não aumente, ficar em casa é importante, mas precisamos também de sensatez, não é indispensável ser super produtivo em meio a uma pandemia. Não é porque Newton teve seu Annus Mirabilis durante a peste negra e desenvolveu conceitos e cálculos matemáticos, que você precisa fazer o mesmo. Porém, é crucial compreender que a medida de isolamento é para o combate de uma doença que já matou mais de um milhão de pessoas no mundo, desse modo, temos de usar artifícios dentro de casa para fortificar o sistema imunológico. Além dos protocolos de proteção para evitar que o vírus entre em casa, temos disponíveis estratégias para a prática física de maneira remota que nos auxiliam na construção de um sistema imune mais resistente para combater o vírus.

Ao se exercitar regularmente e de forma moderada, as funções do sistema imunológico são, pelo menos parcialmente, mediadas pela aptidão mitocondrial. Tanto a baixa aptidão mitocondrial quanto a cardiorrespiratória podem ser fatores de risco importantes para a pandemia de COVID-19 em andamento, possivelmente representando uma ligação entre fatores de risco estabelecidos.

Por administrar melhor as respostas pró-inflamatórias e intensificar as reações antivirais do hospedeiro após a infecção, uma alta aptidão cardiovascular é apontada como benéfica contra COVID. Mecanicamente, foi proposta a hipótese de que a modulação de ACE2, um receptor participativo na absorção celular do vírus em COVID-19 e do proto-oncogene angiotensina- (1-7) / MAS1, receptor conectado à proteína G (GPCR) do eixo do receptor (receptor MAS) pode estar contribuindo na concessão de benefícios da prática física contra a doença. Além disso, pode melhorar a eficiência da defesa imunológica do hospedeiro e prevenir, às vezes, respostas indevidas de citocinas no COVID-19, podendo resultar em sepse e morte relacionada a COVID-19.

Disfunção mitocondrial e fatores de risco

O vínculo direto entre disfunção mitocondrial e comorbidades relativas a gravidade da COVID-19 ajuda a entender a necessidade de manter a saúde mitocondrial em avanço para reduzir a inflamação associada à hipertensão, obesidade e diabetes.

Hipertensão

Os exercícios de ioga, por exemplo, melhoram e treinam os músculos de forma suave. O metabolismo fica mais estimulado e sua mente mais forte. As técnicas dos exercícios de respiração fortalecem o diafragma e os músculos auxiliares da respiração. Você respira melhor e seu sangue se torna mais alcalino, aumentando o nível de oxigênio e de HDL. Ioga alivia a tensão mental e ajuda a controlar a pressão arterial, evitando manifestar um dos mais populares fatores de risco para o COVID-19, a hipertensão.

A hipertensão provoca a liberação de citocinas inflamatórias nos tecidos vasculares. Citocinas pró-inflamatórias, como IL17, IL6, TNFα e IFNγ, são encontradas em níveis elevados em pacientes hipertensos. Nesse processo, a disfunção mitocondrial também desempenha um papel ativo na população de macrófagos contribuindo fortemente para o desequilíbrio M1 / M2, favorecendo a atividade de macrófagos M1 pró-inflamatórios. A hipertensão associada à obesidade também desequilibra a população de macrófagos, aumentando a quantidade e a atividade do M1 e diminuindo a função anti-inflamatória e respiratória dos macrófagos M2.

Obesidade

O perfil pró-inflamatório e a desregulação metabólica causam sintomas e complicações graves, como a hipercoagulopatia. Em relação à atividade mitocondrial, o desafio lipídico na obesidade causa desregulação da resposta imune. Altos níveis de ácidos graxos inibem a atividade das células T CD4 + em um efeito ligado com o mau funcionamento da formação de autofagossomos e degradação mitocondrial. Esta interrupção bloqueia a renovação mitocondrial, acompanhada pelo aumento nas EROs (Espécies Reativas de Oxigênio) mitocondriais e diminuição nos níveis de ATP como marcas da disfunção mitocondrial.

Uma das recomendações amplamente indicada pelos especialistas é a dança. Impulsionando as atividades metabólicas, a dança treina o músculo cardíaco e regularmente tonifica a força muscular e o sistema imunológico a longo prazo. É sabido que o cérebro é melhor suprido com sangue e oxigênio quando estamos em movimento. Ao dançar, as endorfinas (drogas endógenas) são liberadas após um certo tempo. O número de células Natural Killers é positivamente influenciado e a capacidade das células imunológicas de destruir invasores indesejados aumenta significativamente. O sistema enzimático muda positivamente. São formadas enzimas que queimam gordura, dificultando a alteração nos lipídios e a alta carga de gordura que interferem no processo autofágico, que contribuem para o acúmulo de mitocôndrias danificadas

Diabetes

Somente no Brasil temos mais de 15 milhões de diabéticos adultos, e provavelmente você conhece alguém que tenha diabetes. Os pacientes com diabetes têm um risco aumentado de complicações graves, porque a capacidade do corpo de combater infecções é comprometida, principalmente, se a doença não estiver controlada. Pessoas com diabetes não têm maior probabilidade de contrair Covid-19 do que a população em geral, mas é indicado que esse grupo intensifique os cuidados para não ter contato com o vírus. É necessário destacar que, mesmo em quarentena, manter o controle da glicemia, uma boa educação alimentar, ficar atento ao peso e praticar atividade física regular são indispensáveis.

Os níveis de citocinas pró-inflamatórias no plasma, nesta doença, foram associados à gravidade da infecção por COVID-19. A atividade das células fagocíticas profissionais, incluindo macrófagos e a imunidade inata mediada por células, é prejudicada em pacientes diabéticos, que também apresentam níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias, como IL1β, IL6 e TNFα, as mesmas citocinas induzidas por disfunção mitocondrial. Nesses pacientes, as espécies reativas de oxigênio mitocondrial induz disfunção lisossomal, que prejudica o fluxo autofágico e contribui para a polarização do macrófago M1 para o fenótipo inflamatório.

Exercícios de alongamento, por exemplo, proporcionam melhor utilização da glicose pelos músculos alongados e, como resultado, a diminuição da hiperglicemia. Uma vez que a diabetes tem a capacidade de lesionar tendões, circulação e sensibilidade, o diabético pode ter sua funcionalidade restringida se adotar um costume sedentário. Alongar-se é uma forma cuidadosa e efetiva de contribuir para o controle da glicemia, logo, para a diminuição da probabilidade de se desenvolver doenças associadas. Ao adquirir uma infecção viral, esses pacientes lidam com o risco aumentado de cetoacidose diabética (CAD), que pode tornar fatigante a ingestão de líquidos e reduzir os níveis de eletrólitos, primordial no gerenciamento da sepse.

Conclusão

O número de casos aumenta constantemente. É indicado ficar em casa, pois o vírus propaga se lhe dermos a oportunidade. É preciso manter hábitos saudáveis, mesmo sob isolamento social e condições restritas, e reforçar frequentemente informações sobre higiene para não contrair e transmitir o COVID-19. Impulsionar o metabolismo e desenvolver a eficiência mitocondrial e cardiovascular fazem, igualmente, parte dos cuidados contra o vírus. É vital aumentar os esforços para reduzir o tempo gasto sentado em frente à TV diariamente, e, para isso, não é necessário uma atividade física de alta performance. Alongar-se e dançar regularmente podem ser o suficiente, não apenas para não se tornar, mas também, para auxiliar os grupos de risco. O Natal e Ano-Novo de 2020 não tem que se tornar o evento que ficará na história da família porque foi a última vez que você viu um familiar ou amigo querido.

Autora: M.Grazielly Lima

Instagram: MeganGrazielly

Referência:

  1. Age-related mitochondrial dysfunction as a key factor in COVID-19 disease – https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33171276/.
  2. Low cardiorespiratory and mitochondrial fitness as risk factors in viral infections: implication for COVID-19. – https://bjsm.bmj.com/content/early/2020/11/23/bjsports-2020-103572

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.