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Incisão de Pfannenstiel e o parto cesárea | Colunistas

Incisão de Pfannenstiel e o parto cesárea | Colunistas

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Introdução

Você sabia que existem relatos de cesarianas na mitologia greco-romana e até mesmo nos papiros egípcios? Na antiguidade o procedimento cirúrgico era realizado no pós-mortem em uma tentativa de garantir a sobrevivência do bebê. No entanto, foi em 1817 que o procedimento chegou ao solo brasileiro, através do médico José Corrêa. Além de realizar a primeira cesárea em vida no país, participou da fundação das faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, passando a ser conhecido como o patrono da obstetrícia brasileira. A partir disso, a integração do movimento científico possibilitou embasamento teórico e técnicas cirúrgicas, como a incisão de Pfannenstiel, que consolidaram a cesariana no país e no mundo.

O que é a incisão de Pfannenstiel?

O parto cesáreo é a extração fetal através de uma abertura na parede abdominal e uterina. Esse acesso ocorre, por sua vez, principalmente por meio da incisão de Pfannenstiel, uma incisão transversa, curvada, com 8 a 12 cm de extensão e realizada de 2 a 3 cm acima da sínfise púbica.

Por ser uma incisão transversa, apresenta menor possibilidade de dor pós-operatória e formação de hérnias, se comparada à incisão mediana. Além de que também é a mais utilizada por apresentar um melhor resultado estético em relação a outras incisões transversas, como a de Joehl Cohen.

Desse modo, a incisão mediana, executada na porção infraumbilical, é utilizada quando é necessário um acesso mais rápido à cavidade abdominal ou uma melhor exposição, uma vez que causa menos sangramento e lesões de nervos superficiais e pode ser ampliada cefalicamente para facilitar o acesso.

Quando fazer?

A incisão de Pfannenstiel é utilizada, portanto, quando há indicação de parto cesárea e quando não há comprometimento de tempo ou de visibilidade para o caso em específico. Desse modo, opta-se pelo procedimento quando a via abdominal irá possibilitar um melhor resultado materno e/ou fetal, podendo ser escolhido por solicitação materna ou indicação médica.

Todavia, as indicações médicas podem ser absolutas ou relativas e é possível destacar a seguir algumas das indicações mais frequentes.

Falha na progressão do trabalho de parto

Consiste na dificuldade do parto em virtude de alterações na eficácia das contrações uterinas ou devido à distocia funcional, que se traduz como embates relacionados ao tamanho e/ou posição do feto, sendo possível destacar a desproporção cefalopélvica e a má posição fetal.

A desproporção do tamanho do feto em relação à pelve materna pode ser identificada aos 6 cm de dilatação, durante a fase ativa do trabalho de parto. Nesse quadro, pode-se constatar dinâmica uterina maior ou igual a 4/10 min, bolsa rota, presença de bossa serossanguínea, edema de colo e parada de progressão.

Já no caso da apresentação fetal*, a depender da posição em questão, a indicação pode ser indiscutível, como na apresentação córmica, ou não. Nesse sentido, fetos cefálicos na posição occipital posterior, transversa ou fletida, apresentam maiores chances de complicações perinatais e, caso não corrigidas durante a dilatação completa, demandam a intervenção cesariana. Na apresentação pélvica, por sua vez, apesar da comprovada vantagem de redução de risco de mortalidade perinatal e neonatal ou morbidade grave, se comparada ao parto vaginal, não há evidências que recomendem a intervenção em uma gestante em trabalho de parto ativo, com parto vaginal prévio e submetida aos cuidados de uma equipe experiente.

Cesariana prévia e cicatriz uterina prévia

Mulheres com miomectomia prévia, de comprometimento intramural significativo, ou então que apresentam cicatriz uterina fúndica ou longitudinal de uma cesariana anterior estão sujeitas a um maior risco de complicações no parto seguinte. No entanto, é comum se recomendar o parto cesáreo, uma vez que apresenta menor risco de rotura uterina em relação ao parto vaginal.

Sinais de alteração da vitalidade fetal

Desarmonias dos sinais vitais do feto podem ser diagnosticadas antes ou durante o trabalho de parto. Quando reconhecidas anteriormente, indica-se uma cesariana protetora, comum em casos de cardiotocografia categoria III e doppler obstétrico mostrando diástole zero ou reversa na artéria umbilica e/ou alteração do ducto venoso. No entanto, quando a identificação ocorre durante o processo, deve-se seguir para o parto cesárea se as manobras de melhoria da oxigenação fetal não apresentarem resultados ou se o parto vaginal não for mais rápido.

Como é feito o procedimento?

Para a realização da incisão de Pfannenstiel e a execução do parto cesárea, é necessário seguir uma ordem de requisitos, a fim de garantir a maneira mais eficaz e segura. Assim, é possível destacar a seguir os principais passos em prol dessa concretização.

Preparo pré-operatório

Próximo ao momento da cirurgia, é solicitado que a paciente esvazie a bexiga e é realizada a tricotomia. Feito isso, inicia-se o banho de aspersão, a degermação do local da incisão e a antissepsia, efetuada de forma centrífuga do centro para a periferia. É importante ressaltar também, que a antissepsia deve apresentar uma margem superior à área determinada, para caso haja necessidade de extensão da incisão, novas incisões ou colocação de drenos.

Concomitantemente, também é feita a embrocação ginecológica, a fim de reduzir a incidência de endometrite. Dessa maneira, elimina-se parte da flora bacteriana do canal vaginal, a partir do uso de uma solução asséptica aquosa, comumente a clorexidina.

Por fim, os membros que participam da cirurgia devem realizar a antissepsia de mãos e membros e efetuar a profilaxia antibiótica da paciente. Para isso, é administrada cefazolina em dose única nos 60 minutos que antecedem a incisão, recomendando-se 2g em pacientes de até 120Kg e 3g para acima desse peso. Caso a cirurgia exceda 4h de duração ou ocorra um sangramento com perda superior a 1,5L de sangue, é necessário administrar uma nova dosagem. Além disso, em caso de alergia, a cefazolina pode ser substituída pela clindamicina 900 mg com ou sem aminoglicosídeo.

Incisão da pele

Após o pré-operatório é feita a incisão da pele por meio da incisão de Pfannenstiel, como descrito anteriormente na sua definição.

Abertura do tecido subcutâneo

Após a secção da pele, chega-se ao tecido subcutâneo. Nesse momento, pode-se optar pela incisão com os dedos, bisturi ou eletrocautério e, em seguida, divulsionar o tecido com afastador de Farabeuf.

Aponeurose

Ao encontrar a aponeurose é realizada uma incisão com bisturi na camada fascial e uma extensão lateral com tesoura de 1 a 2cm, por baixo da pele. Depois, desloca-se a aponeurose 8 a 10 cm para cima, no sentido do umbigo, utilizando-se tesoura e dissecção romba, repetindo o mesmo procedimento inferiormente até a sínfise púbica.

Músculo reto abdominal e piramidal

Nessa etapa deve-se evitar a dissecção da musculatura. O ideal é o afastamento dos músculos na linha média com manobra digital e tesoura.

Peritônio

A incisão é feita no sentido vertical por meio de abertura com os dedos, acima da reflexão vesical.

Histerotomia

A histerotomia pode ser transversa ou vertical e, portanto, deve-se observar qual é a mais indicada para as características de cada caso. A histerotomia transversa é mais utilizada quando há interesse em gestações futuras, uma vez que a vertical, apesar de possibilitar ampliação cefálica da incisão e garantir melhor exposição, está associada a maior risco de rotura uterina em gestações posteriores.

Dessa maneira, com o bisturi, realiza-se uma incisão arciforme e, com o dedo indicador, entra-se na cavidade uterina. Em seguida, com os próprios dedos é feita a ampliação da incisão verticalmente, no sentido cefalocaudal e, em presença de membranas rotas é feita a aspiração do líquido aminiótico.

Extração fetal, fechamento e pós-operatório

Ao atingir a cavidade uterina é realizada a extração fetal correspondente à sua apresentação*, e de 30 a 60 segundos após o nascimento é efetivado o clampeamento do cordão umbilical. Feito isso, a dequitação espontânea da placenta é estimulada, por reduzir risco de endometrite e perda sanguínea.

Concluído o procedimento, inicia-se o fechamento uterino e da parede abdominal, bem como o acompanhamento pós-operatório da paciente, através da monitorização dos sinais vitais, estímulo à deambulação, supervisão do curativo, administração de analgésicos e medidas de tromboprofilaxia.

Conclusão

Diante disso, é possível concluir que a incisão de Pfannenstiel é a incisão cirúrgica mais frequente no parto cesárea, em virtude de vantagens pós-operatórias e estéticas. Ela é realizada por solicitação materna ou indicação médica, em situações em que a via abdominal irá promover melhores resultados para a mãe e o seu bebê, como em falhas na progressão do trabalho de parto, cesariana ou cicatriz uterina prévia e sinais de alteração da vitalidade fetal.

A sua realização tem como base um conjunto de técnicas que visam a manutenção da integridade da paciente, bem como também resultados menos invasivos e redução de complicações. Dessa forma, adotam-se as condutas específicas para o pré-operatório, as técnicas de abertura das camadas subsequentes, as manobras ideais para cada tipo de extração fetal, o modo mais eficiente de auxiliar na extração da placenta e de executar o fechamento das camadas, bem como os principais cuidados a se ter no pós-operatório.

Sugestão de leitura complementar


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

FERNANDES, César E.; Sá, Marcos F. S.; Tratado de obstetrícia Febrasgo. 1. Ed. Elsevier, 2018.

MONTENEGRO, Carlos Antonio Barbosa; FILHO, Jorge de Rezende. Rezende obstetrícia. 13 ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2017.