Urgência e Emergência

Interpretação de gasometria arterial

Interpretação de gasometria arterial

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Confira neste post como funciona uma interpretação de gasometria arterial e a identificação de distúrbios ácido-base!

Você está diante um paciente grave dando plantão na emergência. Um dos principais exames no contexto do paciente grave é a Gasometria Arterial.

O que é a gasometria arterial?

Esse exame é responsável por identificar os distúrbios ácido-base, que são acometimentos que demandam condutas enérgicas do médico que está a frente do caso. 

O aparelho de gasometria mede o pH e os gases sanguíneos sob a forma de pressão parcial do gás (pO2 e pCO2), ao passo que os demais parâmetros são calculados.

É um exame no qual a coleta é de fácil realização e o resultado rápido. Portanto, o ideal é a sua interpretação ocorra do mesmo jeito! O principal objetivo desse e-book: sistematizar a análise da gasometria!

Interpretação de gasometria: quais são os distúrbios ácido-base?

O pH plasmático representa a relação entre o bicarbonato e o dióxido de carbono, segundo a fórmula de Henderson-Hasselbach:

gasometria arterial fórmula de Henderson-Hasselbach

pH = 6,10 + log [HCO3] / 0,03 x PCO2

Esta fórmula nos mostra que, se o HCO3 aumenta, o pH aumenta (relação diretamente proporcional), tornando o meio básico. Ao contrário, se o pCO2 aumenta, o pH diminui (relação inversamente proporcional), tornando o meio ácido.

No plasma sanguíneo, o HCO3 e o CO2 compõem o sistema tampão bicarbonato-CO2 (de acordo com reação química descrita abaixo), que é o principal sistema regulador do pH plasmático, evitando variações bruscas.

Nessa equação de um equilíbrio químico, a parte da esquerda é a parte metabólica da equação, exercida pelos rins, enquanto que a parte da direita é a parte respiratória, exercida pelos pulmões. Percebam que qualquer alteração em um lado irá repercurtir no outro, através de uma compensação.

A compensação respiratória de um distúrbio metabólico é imediata, gerando hipo ou hiperventilação. Já a compensação metabólica de um distúrbio respiratório pode levar até três dias para acontecer com sua máxima efetividade.

Com isso, temos que o pH normal varia de 7,35 – 7,45.

  • pH < 7,35 à acidose
  • pH > 7,45 à alcalose

Classificação

Estes, são divididos em: acidose metábolica, alcalose metabólica, acidose respiratória e alcalose respiratória.

Um distúrbio metabólico compensa com um mecanismo respiratório, ou vice-versa. Se essa compensação do distúrbio primário for insuficiente ou excessiva, temos um distúrbio secundário associado.

Exemplo: Uma acidose metabólica pode estar associada a uma alcalose respiratória ou a uma acidose respiratória. Vamos aprender como isso funciona mais na frente.

  • OS PARÂMETROS AVALIADOS NA GASOMETRIA
  • OS GASES
  • PaO2:

A pressão parcial de oxigênio indica a fração de oxigênio que está livre no sangue, o que reflete a hematose: a troca de oxigênio alveolo-capilar.

Valor de referência: 80-100mmHg. Valores menores traduzem uma hipoxemia.

PaCO2

Diferentemente da PaCO2, a pressão parcial de gás carbônico reflete a ventilação alveolar. O gás carbônico é o gás mais solúvel no sangue.

Valor de referência: 35-45 mmHg

Valores maiores demonstram hipoventilação, retenção de gás carbônico, retenção de gás carbônico, enquanto que valores menores que 35 mmHg demonstram hiperventilação.

Saturação de O2

A Saturação de Oxigênio (SaO2), por sua vez, é o percentual de hemoglobina do sangue arterial que está ligada ao oxigênio.

Valor de referência: acima de 95%

Uma oxigenação tecidual adequada gira em torno de 95-97% de saturação. Importante lembrar que na gasometria, a Saturação de Oxigênio é calculada a partir da PaO2 sanguínea, podendo diferir do valor da Oximetria de Pulso, que calcula a saturação de maneira indireta.

oxigenação tecidual Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base

AS BASES

HCO3: Bicarbonato Standard

A principal base avaliada na gasomeria é o bicarbonato de sódio, sendo o Bicarbonato Standard a principal representação da concentração dessa base para o nosso organismo.

Valor de referência: 21-27 mEq/L

Buffer Base e Base Excess

O Bicarbonato, porém, não é a única base do nosso organismo. Há ainda outras que, quando somadas, habitualmente representam um valor, que é o Buffer Base. Esse valor do Buffer Base é fixo, funcionando como uma espécie de valor de referência esperado para a soma das bases.

Se todas as Bases do paciente quando somadas não corresponderem ao valor de referência da Buffer Base, esse excesso é correspondente ao Base Excess.

Valore de referência para o Base Excess: de -3 a +3.

Se tivermos um valor de bases menor que -3, o organismo está perdendo bases por um distúrbio primário (acidose metabólica) ou compensatório (alcalose respiratória – excreção maior de bases para compensar uma diminuição da PCO2).

Caso tenhamos um valor superior a +3, há um aumento do total de bases, ou seja, o organismo está retendo bases podendo indicar um distúrbio primário (alcalose metabólica) ou compensatório (acidose respiratória – retenção de bases para compensar um aumento de PCO2).

Abordagem sistematizada da gasometria arterial

Hora de partir para a análise sistemática passo-a-passo da gasometria arterial. Se ligue!

PASSO 1: Determine se existe uma acidemia ou alcalemia

Antes de tudo para interpretação de gasometria arterial: analise o pH (Tabela 1)

Tabela 1 – Analise o pH

Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base

Fonte: Adaptado de Rocha PN. Abordagem diagnóstica dos distúrbios do equilíbrio ácido-base.

PASSO 2: Identifique o distúrbio primário

Após identificar se há acidemia ou alcalemia, devemos identificar se o distúrbio primário é metabólico ou respiratório!

Para isso devemos analisar o HCO3 (componente metabólico) e a PaCO2 (componente respiratório).

PASSO 3: Determinar se o distúrbio está sendo compensado

Para acidose metabólica: A resposta compensatória deve ser uma hiperventilação a fim de reduzir o CO2 (observe a equação). Para avaliarmos essa resposta compensatória, calculamos o valor da pCO2 através da fórmula de Winter: pCO2 esperada = 1,5 x [HCO3] + 8 ± 2.

Se a pCO2 estiver dentro da faixa esperada significa que está ocorrendo compensação, dessa forma, temos uma acidose metabólica COMPENSADA.

Se estiver abaixo do valor mínimo esperado significa que está ocorrendo uma hiperventilação maior do que deveria e, por isso, existe TAMBÉM uma alcalose respiratória associada.

Por fim, se o valor esperado for acima da faixa esperada, o paciente não hiperventila como deveria e, por isso, existe ASSOCIAÇÃO de uma acidose respiratória.

Para alcalose metabólica:  A resposta compensatória deve ser uma hipoventilação a fim de reter o CO2. Para avaliar essa resposta compensatória, calcula-se o valor do pCO2 através da fórmula: pCO2 = [HCO3] + 15 ± 2.

Para acidose respiratória:  existe uma dificuldade de ventilação do paciente, isso leva a uma hipoventilação e, consequentemente, retenção do CO2. A resposta compensatória neste caso é renal (retém HCO3 ou excreta mais ácido), com posterior elevação do HCO3 na gasometria. Nos distúrbios respiratórios, avaliamos se o distúrbio é crônico ou agudo através da resposta compensatória. Nos distúrbios crônicos, observamos maior elevação de HCO3. Dessa forma, usamos as seguintes correlações: um acréscimo de 1 mEq/L no HCO3 para cada elevação de 10mmHg do pCO2 acima de 40 mmHg, nos casos agudos e um acréscimo de 4 mEq/L no HCO3 para cada elevação de 10mmHg do pCO2 acima de 40 mmHg, nos casos crônicos.

Para alcalose respiratória: o paciente está hiperventilando e, consequentemente, “lavando” o CO2, isto é, expulsando o CO2. A resposta neste caso é renal com excreção de HCO3. Da mesma forma da acidose respiratória, aqui também avaliamos se o distúrbio é agudo ou crônico. Neste caso, as relações que usamos são: um decréscimo de 2 mEq/L no HCO3 para cada redução de 10mmHg do pCO2 abaixo de 40 mmHg, nos casos agudos e um decréscimo de 5 mEq/L no HCO3 para cada redução de 10mmHg no pCO2 abaixo de 40 mmHg, nos casos crônicos.

Algumas vezes observamos a ocorrência simultânea de dois ou três distúrbios acidobásicos independentes. Este fenômeno é chamado de distúrbio misto, que não representa uma resposta compensatória.

Uma forma de distinguir se é resposta compensatória ou distúrbio misto é observar o valor do pH. Na resposta compensatória, o pH nunca se normaliza, mas de forma oposta, podemos encontrar pH normal em distúrbios mistos opostos (por exemplo: acidose metabólica e alcalose respiratória simultaneamente).

Resumo dos cálculos de compensação

O resumo dos cálculos de compensação no contexto de interpretação de gasometria arterial podem ser vistos na Tabela abaixo:

Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base

Identificando o Distúrbio Primário na interpretação da gasometria

Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base

PASSO 4: Calcule o ânion gap e corrija seu valor para a albumina

ATENÇÃO: TUDO DO PASSO 4 PARA BAIXO SÓ É VÁLIDO PARA ACIDOSE METABÓLICA!

Se seu distúrbio inicial foi outro, sua análise termina no PASSO 3!

Existem duas classificações (“sobrenomes”) da acidose metabólica. Ela pode ser com ânion gap elevado ou hiperclorêmica. Portanto, diante de uma acidose metabólica, devemos calcular o ânion gap para saber se é uma acidose metabólica com Ânion Gap elevado ou não.

Mas o que é o ânion gap?

O Ânion Gap (AG) representa os ânions não quantificáveis no sangue, como o lactato. Os ânions quantificáveis são: HCO3– e Cl-. Vamos lembrar que existe a lei da eletroneutralidade, a qual diz que as cargas negativas são iguais às cargas positivas. O principal cátion mensurável é o sódio. Dessa forma, a quantidade do sódio tem que ser igual a quantidade do somatório de AG, HCO3 e Cl, conforme equação e Figura 2 abaixo:

Ânion Gap Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base

[Na+] – (Cl + HCO3) = Ânion gap

Valor de Rerefência: 8-12 mEq/L

Ânion gap (sem o potássio)

Ânion Gap sem potássio Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base

As proteínas plasmáticas são as principais constituintes do AG, como a albumina. Logo, em casos de hipoalbuminemia devemos corrigir o valor do ânion gap de acordo com a albumina plasmática.

Essa correção é feita através da fórmula de Figge: AG corrigido = AG + [(4,0 − Albumina) x2,5]. Porém, existe uma regra prática:  para cada 1,0 g/dL que a albumina cai abaixo de 4, devemos acrescendo 2,5 mEq/L ao ânion gap calculado.

PASSO 5: Calcule o Delta/Delta

Este passo deve ser feito se foi achado inicialmente uma acidose metabólica com ângio gap elevado. A relação  ΔAG/ΔHCO3- (veja equação abaixo) normal é entre 1 e 2. Ela existe porque se eu tenho AG aumentado, eu tenho acúmulo de ácidos orgânicos. Assim, para que se mantenha o equilíbrio, deve existir uma diminuição obrigatória do bicarbonato.

Se o delta/delta < 1, temos uma acidose metabólica hiperclorêmica associada à acidose metabólica com AG elevado. Ou seja, a diminuição do bicarbonato superou a elevação do AG.

Se o delta/delta > 2, temos uma alcalose metabólica associada à acidose metabólica com AG elevado.

Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base

ΔAG/ΔHCO3- = (AG – 12) / (24 – HCO3)

Praticando a interpretação da gasometria arterial

Hora de colocar a mão na massa! Siga o caso abaixo:

Paciente com diarreia aquosa volumosa, tosse e febre há 3 dias.

Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base

Primeiro: olhar o pH! O paciente se encontra em acidemia. Como o HCO3 está diminuído, isso configura uma acidose metabólica!

Agora vamos analisar a compensação, através da fórmula pCO2 esperada = 1,5 x [HCO3] + 8 ± 2. Portanto o pCOesperado nesse caso é varia de 28,5 até 32,5. Estando abaixo do pCO2 da gasometria, ou seja, este paciente não está conseguindo compensar o distúrbio metabólico com o componente respiratório, que nesse caso é a hiperventilação. Algo está impedindo essa “lavagem de CO2”, portanto ele tem uma distúrbio secundário: uma acidose respiratória.

Vamos então para o passo 4: calcular o ânion gap, pela fórmula: [Na+] – (Cl + HCO3). Logo AG = 145 – (110 + 15) = 145 – 125 = 20. Como o valor de referência é entre 8 e 12, o paciente tem uma acidose metabólica com ânion gap elevado.

 Vamos calcular o Delta/Delta: ΔAG/ΔHCO3 = (AG – 12) / (24 – HCO3). Para este caso temos Delta/Delta = (20-12)/(24-15) = 8/9 = 0,89. Como o delta/delta < 1, o paciente tem uma acidose hiperclorêmica associada.

ANÁLISE FINAL: ácidose metabólica com ânion gap elevado associado à acidose hiperclorêmica e acidose respiratória.

Fluxograma sobre interpretação de gasometria

Interpretação de gasometria arterial e identificação de distúrbios ácido-base ácidose metabólica com ânion gap elevado

Sugestão de leitura

Veja também:

Referências do texto sobre interpretação de gasometria

Dzierba AL, Abraham P. A practical approach to understanding acid-base abnormalties in critical illness. Journal of Pharmacy Practice. (24)1. 2011.

Rocha PN. Abordagem diagnóstica dos distúrbios do equilíbrio ácido-base.

Emmet M, Palmer BF. Simple and mixed acid-base disorders. 2018.

]Viegas CAA. Gasometria arterial. J Pneumol 28(Supl 3) – outubro de 2002.