Índice
Classicamente utilizado no tratamento dos transtornos do humor, o lítio foi descoberto em 1817, em Estocolmo, por August Arfvedson (1792-1841). Também foi utilizado por muitos anos como medida terapêutica no tratamento da gota, depressão recorrente, ansiedade e, até mesmo, como substituto do sal na década de 1940 em pacientes cardíacos e doentes crônicos, o que originou informes sobre intoxicações graves, inclusive mortes, que levaram a suspensão do uso, sendo assim, é um fármaco com ampla quantidade de estudos publicados.
Efetivamente, a introdução na psiquiatria em 1949 para o tratamento específico da mania foi um tipo de Serendipitia, pelo psiquiatra Cade que, ao buscar substancias tóxicas nitrogenadas na urina de pacientes psiquiátricos para realizar ensaios em animais, descobriu as propriedades curativas nos episódios maníacos de pacientes psiquiátricos ao administrar carbonato de lítio, sendo que também está estabelecida sua utilização na prevenção de suicídio em pacientes com transtornos do humor.
Propriedades farmacológicas
É um cátion monovalente e o mais leve dos metais alcalinos, ainda se desconhecem especificamente todos os mecanismos de ação como agente de estabilização anímica, acredita-se que atua afetando sinais de transdução através da inibição de enzimas de segundos mensageiros como, por exemplo, a inositol.
Absorção
Apresentação unicamente via oral, com 100% de biodisponibilidade.
Atinge pico plasmático cerca de 2 horas depois, em preparações padrões, e, em 4 horas, nas preparações de liberação prolongada com o pico do efeito ocorrendo em até 24 horas, momento que está relacionado com a maior incidência dos efeitos adversos.
Distribuição
Inicialmente se distribui nos fluidos extracelulares e, gradualmente, passa aos tecidos com distribuição não uniforme. Não se metaboliza pelo citocromo P450 e, tampouco, se une às proteínas plasmáticas, distribuindo-se no total de água do organismo em um volume de distribuição de 0.7 a 0.9 l/kg.
A meia-vida plasmática do lítio é variável, dependendo do paciente em particular, com oscilações entre 12 e 60 horas, e a estabilização dos níveis plasmáticos ocorre entre 4 e 7 dias.
Excreção
O lítio é eliminado exclusivamente pelos rins, sendo livremente filtrado pelos glomérulos. A fração de excreção é de 20%, e se reabsorve em 80% no túbulo proximal, alça de Henle e ducto coletor.
Interações
Diuréticos tiazídicos, AINES, inibidores da enzima convertidora de angiotensina, antagonistas da angiotensina II, metronidazol, aintiinflamatorios não esteroidais (exceto ibuprofeno e aspirina), aumentam a concentração do lítio.
Em combinação com antipsicóticos, aumenta o risco de neurotoxicidade (Síndrome de encefalopatia), caracterizada por delírio, convulsõese incremento na incidência de sintomas extrapiramidais.
Interações com os inibidores da receptação de serotonina poderia precipitar uma síndrome serotoninérgica e também, com os bloqueadores dos canais, são capazes de aumentar os efeitos neurotóxicos.
É imprescindível que o tratamento com lítio tenha uma dosificação que esteja no extremo mais baixo do marco terapêutico, uma vez que a litemia é mais importante que a dose propriamente dita.
Reações adversas e efeitos colaterais
A margem terapêutica do lítio oscila de 0,75 mEq/Lt a 1,25 mEq/Lt, e manifestações clínicas da toxicidade estão relacionadas com a concentração plasmática do lítio (litemia) e com o tempo de exposição.
Entre as primeiras e mais frequentes manifestações, mencionamos as do trato gastrointestinal, tipicamente vômitos, náuseas e diarreia, seguido de poliúria, tremor, ataxia e aumento de peso. Entretanto, foram reportados casos de toxicidade mesmo com níveis séricos normais.
De acordo com o tempo, há três tipos de intoxicação: aguda, crônica agudizada e crônica, sendo esta última considerada a de maior gravidade, já que se relaciona com o hipotireoidismo e alterações renais, devido justamente à sua ação sobre os segundos mensageiros.
As semelhanças que possui com o sódio, tanto químicas como na sua reabsorção, faz com que exista uma competição entre o sódio e o lítio, então tudo aquilo que provoca diminuição dos níveis de sódio, aumenta a litemia e vice-versa. O mesmo ocorre em situações que provocam avidez pelo sódio, como estados de desidratação profusa, insuficiência cardíaca congestiva, poliúria e cirrose, iniciando-se um círculo vicioso que eleva os níveis séricos do lítio, até mesmo em níveis terapêuticos, já que o lítio também induz poliúria e depleção de volume predispondo a retenção da droga.
Destaca-se, entre as complicações renais, o risco de desenvolver diabetes insipidus nefrogênica, que pode chegar a uma prevalência entre 20% a 70%, e acidose tubular renal, aumentando o risco de progressão a uma nefrite túbulo intersticial crônica. Está bem estabelecido que concentrações acima de 2 mEq/l aumentam o risco de surgir insuficiência renal aguda.
Alterações cardíacas não são frequentes e, quando ocorrem, geralmente são benignas e reversíveis, como inversão e achatamento da onda T, hipotensãoe arritmias.
Síndrome de neurotoxicidade irreversível por lítio é a sequela mais importante deixada por este fármaco, outras vezes, atipicamente, ocorre mielinólise pontina central e neurite óptica retrobulbar.
Sintomas precoces: disartria, ataxia e tremor intenso. |
Sintomas leves: vômitos, diarreia, dor abdominal, náuseas, sedação e tremor fino, leucocitose que reverte em uma semana depois do fim do tratamento. |
Sintomas graves: afeta o SNC, com presença de confusão mental, hiperrreflexia, tremor grosso, disartria, convulsão, e signos neurológicos focais e dos pares carneais, que podem levar ao coma e à morte. Ocorre com uma litemia acima de 2,5 mEq/L. |
Contraindicação
Está contraindicado o uso durante a gravidez e a amamentação, devido ao risco de malformação cardíaca, especialmente cardiopatia de Ebstein, bócio neonatal e hipotonia (letargia do neonato).
Diagnóstico e tratamento
Geralmente, ao iniciar o tratamento com lítio, aparece poliúria leve com tendência a desaparecer, entretanto, uma manifestação tardia pode indicar a necessidade de diminuir a dose ou até mesmo acrescentar um diurético poupador de potássio ou um tiazídico.
Ante uma suspeita de manifestações de toxicidade, deve ser solicitado um ionograma completo que inclua medição dos níveis de Mg, creatinina e, obviamente, dos níveis plasmáticos do lítio.
O tratamento para a toxicidade deve iniciar baseando-se nas medidas gerais para um paciente intoxicado, como lavagem gástrica, reposição venosa vigorosa e suporte na manutenção dos signos vitais, não sendo indicado a utilização de carvão ativado, uma vez que não absorve o lítio.
A hemodiálise é a principal estratégia para remoção do íon, indicada para pacientes com intoxicação grave, e está contraindicado à alcalinização da urina bem como à diurese forçada.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências
- https://www.archivosdemedicina.com/medicina-de-familia/intoxicacion-por-litio-como-causa-de-inicio-prioritario-de-hemodialisis-a-proposito-de-un-caso.pdf
- https://www.scielo.br/pdf/ramb/v56n5/v56n5a25.pdf
- http://rinfi.fi.mdp.edu.ar/bitstream/handle/123456789/63/TrabajoFinalIntegrador-Especializaci%C3%B3nGTI-AlejandroManrique.pdf?sequence=1&isAllowed=y
- https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0717-92272016000100006
- http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-87052016000100015&lng=en&nrm=iso&tlng=es
- Alvano SA., (2016). Trastornos del Estado de Animo y de Ansiedad. Aspectos neurobiológicos, clínicos y terapéuticos, Buenos Aires, Argentina, 1 ed.SIIC.
- Brunton Laurence L., Lazo John S., Parker Keith L. “Goodman & Gilman. Las bases farmacológicas de la Terapéutica”. Undécima Edición. McGraw Hill. 2006.