Anatomia
As artérias responsáveis pela irrigação do trato gastrintestinal correspondem ao tronco celíaco; artéria mesentérica superior e inferior.
O tronco celíaco origina-se da parede anterior da aorta, divindido-se em três ramos: artéria gástrica esquerda, hepática e esplênica, que irrigam o trato digestivo do estômago até o terço distal do duodeno.
A artéria mesentérica superior emite os ramos jejunais; ileais; artéria ileocólica e artéria cólica que irrigam o intestino delgado, cólon ascendente e transverso.
A artéria mesentérica inferior emite os ramos que formam artéria cólica esquerda; média; artérias sigmoide e artéria retal superior.
Essas artérias estão interligadas por uma rede de vasos colaterais capazes de manter o fluxo adequado durante uma obstrução que se instala de forma gradual. A drenagem venosa é feita pela veia mesentérica superior, que se une à veia porta.
Epidemiologia
A isquemia mesentérica é uma emergência vascular potencialmente fatal, com mortalidade em torno de 60 a 80% dos casos. A idade média dos pacientes varia entre 45 a 60 anos, com discreto predomínio no sexo masculino, e forte associação com doenças cardíacas, vasculares e trombóticas
Achados clínicos
A velocidade de instalação dos sintomas e gravidade da lesão intestinal é dada pela localização, extensão, presença de colaterais e a rapidez da formação de trombos e pontos isquêmicos.
Em geral, os pacientes queixam-se de dor abdominal de forte intensidade, persistente, difusa e constante, pouco responsiva aos analgésicos habituais. Na doença embólica, o início é súbito, sem alterações significativas ao exame clínico. No quadro trombótico, o mais comum é a presença de dor abdominal, intermitente, pós-prandial e de início mais indolente.
A tríade clássica: dor abdominal, febre e sangue nas fezes pode estar presente, mas em apenas um terço dos pacientes, no momento da apresentação. Náuseas e vômitos estão presentes em até 75% dos casos. Distensão abdominal e sangramento gastrintestinal podem estar presentes em até 25% dos pacientes, nas fases iniciais.
Na isquemia mesentérica não oclusiva, até 25% dos casos podem ser assintomáticos. Achados no exame físico, como hipotensão, taquicardia, distensão abdominal, alteração dos ruídos intestinais e aumento da tensão abdominal falam a favor de maior gravidade. Deve-se sempre levantar a suspeita de isquemia mesentérica em pacientes com mais de 50 anos de idade, com história de arritmia cardíaca, infarto do miocárdio recente e insuficiência cardíaca congestiva, que desenvolvem quadro de dor abdominal súbita ou intermitente.
A isquemia mesentérica aguda pode ser classificada em quatro tipos específicos, de acordo com a etiologia: embolia arterial; trombose arterial; isquemia não oclusiva e trombose venosa.
A embolia arterial corresponde a 40 a 50% dos casos de isquemia mesentérica aguda, na maior parte dos casos, relacionada a êmbolos provenientes do átrio ou do ventrículo esquerdo. A causa mais comum é a fibrilação atrial. A dor abdominal tende a iniciar-se subitamente e ser de forte intensidade, associada à diarreia.
A trombose arterial corresponde a 10 a 20% dos casos de isquemia mesentérica aguda, sendo a artéria mesentérica superior a mais acometida, principalmente, em indivíduos idosos, com história de aterosclerose significativa. A isquemia aguda pode ser precedida de história de dor abdominal pós-prandial e perda de peso, relacionado ao medo de comer, devido piora dos sintomas.
A isquemia mesentérica não oclusiva corresponde a 20 a 30% dos casos e ocorre devido à vasoconstrição mesentérica, em resposta a substâncias vasoativas, liberadas em situações de baixo débito. Ela pode surgir como consequência de infarto agudo do miocárdio, arritmia, insuficiência, choque, cirrose e insuficiência renal crônica. O quadro clínico é semelhante aos de oclusão embólica ou trombótica, desenvolvendo-se com sintomas inespecíficos, como distensão abdominal, náuseas, febre e hipotensão.
A trombose venosa mesentérica é uma doença oclusiva da circulação venosa que envolve a veia mesentérica superior, podendo se manifestar de forma aguda ou crônica. Representa apenas 10% dos casos. O acometimento é normalmente segmentar, ocasionando edema e hemorragia da parede intestinal. Está associada, principalmente, a estados de hipercoagulabilidade, hipertensão portal, infecções intra-abdominais, neoplasias, vasculites e trauma. O quadro clínico assemelha-se ao das oclusões arteriais.
A isquemia mesentérica crônica afeta menos de 5% dos pacientes com isquemia mesentérica, tendo a aterosclerose a etiologia principal.
Diagnóstico
O diagnóstico precoce é essencial para instituição adequada de terapêutica e redução de mortalidade. Considerando a inespecificidade dos sintomas, deve-se sempre manter um alto grau de suspeição diagnóstica para não perder o diagnóstico.
As alterações laboratoriais são inespecíficas e pouco auxiliam no diagnóstico. Em pacientes com infarto intestinal, acidose e aumento de lactato podem aparecer, bem como, aumentos dos níveis de LDH e amilase, leucocitose, aumento de hematócrito e d-dímero.
A radiografia simples de abdome é de pouco valor para o diagnóstico, visto que os principais achados radiológicos: a pneumatose; íleo e edema de parede, consistem em alterações tardias, associadas a alta taxa de mortalidade.
Embora a tomografia computadorizada (TC) possua maior sensibilidade e especificidade comparada à radiografia, em estados iniciais, a TC pode apresentar-se como normal ou apresentar achados poucos específicos.
Considera-se a angiografia o exame padrão-ouro para o diagnóstico de isquemia mesentérica aguda, uma vez que confirma e estabelece etiologia da isquemia, além de permitir a terapêutica do quadro, através da infusão de drogas vasodilatadoras ou agentes trombolíticos quando indicados.
A laparotomia exploratória é indicada para pacientes com risco de isquemia mesentérica aguda quando a angiografia não estiver disponível ou na presença de sinais de irritação peritoneal.
Tratamento
O tratamento da isquemia mesentérica aguda se baseia na associação de medidas de estabilização hemodinâmica do quadro (correção de distúrbios hidroeletrolíticos, ácido-base, hipotensão); instituição de antibioticoterapia; mais a correção precoce do fator obstrutivo, seja ele, trombo, êmbolo ou vasoconstritivos.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
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Referências:
FOCHESATTO, Filho L.; BARROS, E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed, 2013.
MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F. Anatomia orientada para a clínica. 6 ed. Rio De Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2011.
NETO, Rodrigo A.B. Trombose venosa mesentérica. Acesso em: 21 jan 2021 http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/5881/trombose_venosa_mesenterica.htm
ANSARI, Parswa. Isquemia mesentérica aguda. Acesso em: 22 jan 2021. https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/dist%C3%BArbios-gastrointestinais/abdome-agudo-e-gastroenterologia-cir%C3%BArgica/isquemia-mesent%C3%A9rica-aguda