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Janeiro Verde: mês de conscientização e prevenção do câncer cervical | Colunistas

Janeiro Verde: mês de conscientização e prevenção do câncer cervical | Colunistas

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O mês de janeiro é marcado pela campanha em prol da conscientização sobre o câncer cervical. A proposta do Janeiro Verde é alertar a população sobre a importância da prevenção e do combate ao câncer de colo de útero, visto que em países que não têm acesso a programas de rastreamento e prevenção, esse câncer continua sendo uma causa significativa de morbidade e mortalidade.

O que você precisa saber sobre o câncer cervical

Aspectos gerais

O câncer do colo do útero é uma doença que resulta da replicação desordenada do epitélio de revestimento do órgão, comprometendo o tecido subjacente, denominado estroma, e pode invadir órgãos e estruturas adjacentes ou à distância. Os dois tipos histológicos mais comuns são o carcinoma de células escamosas, responsável por 70%, e o adenocarcinoma, que corresponde a 25% dos casos.

A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) é central para o desenvolvimento da neoplasia e sua presença pode ser detectada em 99,7% dos cânceres cervicais, destacando-se os subtipos HPV 16 e 18 encontrados em mais de 70% dos casos. Alguns fatores de risco, como início precoce da atividade sexual, multiplicidade de parceiros sexuais, parceiro sexual de alto risco, história de infecções sexualmente transmissíveis e de câncer ou neoplasia intraepitelial escamosa vulvar ou vaginal, idade precoce ao primeiro parto, multiparidade e imunossupressão, estão relacionados ao HPV, enquanto outros, como baixo nível socioeconômico, uso de contraceptivos orais, tabagismo e genética, não se relacionam diretamente com a infecção pelo papilomavírus.

Epidemiologia

Atualmente, o câncer cervical é o quarto câncer mais comum entre a população que pode ser acometida em todo o mundo, com 84% dos casos ocorrendo em países com recursos limitados, nos quais essa neoplasia ocupa o segundo lugar entre os cânceres mais comuns e é a terceira causa mais comum de mortalidade por câncer.

A taxa de mortalidade é maior nas mulheres negras e o pico de incidência ocorre na faixa etária de 45 a 50 anos. Tanto a taxa de incidência quanto a de mortalidade são mais elevadas em países menos desenvolvidos em comparação com os países desenvolvidos com programas de detecção precoce bem estruturados.

Manifestações clínicas

O câncer do colo do útero é frequentemente assintomático em seu estágio inicial, ressaltando a importância do rastreamento. Nos indivíduos com sintomas, os mais comuns são sangramento vaginal irregular ou intenso e sangramento pós-coito. Alguns pacientes apresentam corrimento vaginal que pode ser aquoso, mucoide ou purulento e malcheiroso. Por ser um achado inespecífico, esse sintoma pode ser confundido com vaginite ou cervicite.

Nos casos em que o câncer já está em estágio avançado, o indivíduo pode apresentar dor pélvica ou lombar, que pode irradiar ao longo do lado posterior das extremidades inferiores. Sintomas intestinais ou urinários, como queixas relacionadas à pressão, hematúria, hematoquezia ou passagem vaginal de urina ou fezes, sugerem doença avançada, apesar de serem incomuns.

Diagnóstico e rastreamento

Um exame físico, sobretudo, pélvico deve ser realizado em qualquer paciente com sintomas sugestivos e qualquer lesão visível deve ser biopsiada independentemente de resultados de citologia cervical benigna anterior. Além disso, no exame físico também podem ser identificados outros achados suspeitos, como virilha palpável ou linfonodos supraclaviculares. A realização do exame pélvico completo, incluindo exame retovaginal com avaliação do tamanho do tumor e envolvimento vaginal ou parametrial, é necessária para o estadiamento do câncer do colo do útero.

O diagnóstico é estabelecido com base na avaliação histológica de uma biópsia cervical, que pode ser realizada como parte de uma avaliação inicial ou com um procedimento completo de estadiamento, dependendo do nível de suspeita de malignidade e do acesso do paciente aos cuidados de saúde.

Em pacientes com lesão macroscopicamente visível, a suspeita de diagnóstico de câncer deve ser confirmada por biópsia da lesão, preferencialmente da área que parece mais suspeita. Além disso, deve ser realizada biópsia por punção e curetagem endocervical em qualquer colo do útero que esteja anormalmente firme ou expandido, mesmo que o teste de citologia cervical não revele evidências de neoplasia. Já em pacientes sintomáticos sem lesão visível e naqueles que apresentam apenas citologia cervical anormal, deve ser feita uma colposcopia com biópsia direcionada ou uma biópsia direcionada com o auxílio de métodos de inspeção visual em locais em que a colposcopia não está disponível.

Ademais, em casos de suspeita de malignidade que não foi encontrada com biópsias cervicais direcionadas deve ser feita a conização cervical ou o procedimento de excisão eletrocirúrgica em alça. A conização também é utilizada no câncer microinvasivo para determinar se a cirurgia conservadora ou radical é necessária para o tratamento.

No Brasil, o método de rastreamento utilizado é o exame citopatológico, que deve ser oferecido à qualquer pessoa com colo do útero, incluindo homens trans e pessoas não binárias designadas mulheres ao nascer, na faixa etária de 25 a 64 anos e que já tiveram atividade sexual. A rotina recomendada para o rastreamento é a repetição do exame Papanicolau a cada três anos, após dois exames normais consecutivos realizados com um intervalo de um ano.

O rastreamento pode detectar precursores e a doença em estágio inicial para ambos os principais tipos de câncer do colo do útero e o tratamento nesses casos pode prevenir o desenvolvimento de câncer cervical invasivo e reduzir a mortalidade. Além disso, a vacinação contra o HPV, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), complementa a ação do exame citopatológico na prevenção do câncer do colo do útero.

Tratamento

Para pacientes em estágio inicial, ou seja, com câncer cervical limitado ao colo do útero e útero, as opções para tratamento primário incluem histerectomia, cirurgia de preservação da fertilidade ou radioterapia (RT) com ou sem quimioterapia. A escolha da terapia depende de fatores do tumor e do paciente, bem como dos recursos disponíveis no sistema de saúde.

Quando o câncer cervical está localmente avançado, o tratamento sugerido envolve quimiorradiação primária em vez de cirurgia primária, quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia ou radioterapia acompanhada de cisplatina semanal em vez de quimioterapia combinada. Nesses casos, deve ser feita uma tomografia por emissão de pósitrons (PET)/tomografia computadorizada (TC) para definir a extensão da doença e avaliar os linfonodos pélvicos e paraórticos. Em caso de envolvimento suspeito ou patologicamente confirmado, é sugerida quimiorradiação primária com RT de campo estendido, porém, os riscos do tratamento devem ser discutidos com os pacientes.

Após o tratamento primário com intenção curativa, realiza-se monitoramento em série com história, exame físico e exames de Papanicolau. Já para fins de prognóstico, deve ser obtida uma PET/CT três a quatro meses após a conclusão da terapia.

Janeiro Verde e a importância do rastreamento

O câncer do colo do útero é o quarto mais comum entre a população que pode ser acometida em todo o mundo. Isso se deve, sobretudo, às características supracitadas da doença, como, por exemplo, sua associação com a infecção por HPV, extremamente comum na população, e sua apresentação frequentemente assintomática em seu estágio inicial, diminuindo as chances de um diagnóstico e tratamento precoce.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), com uma cobertura da população-alvo de, no mínimo, 80% e a garantia de diagnóstico e tratamento adequados dos casos alterados, é possível reduzir, em média, de 60 a 90% a incidência do câncer cervical invasivo. Isso é evidenciado pela redução em torno de 80% na taxa de incidência de câncer do colo do útero em países desenvolvidos promovida pela implantação de programas de rastreamento, com qualidade, cobertura, tratamento e seguimento das mulheres, e vacinação contra o vírus do papiloma humano (HPV).

Diante disso, verifica-se que a detecção precoce é de extrema importância para a prevenção do câncer do colo do útero e que a conscientização da população sobre essa neoplasia durante o Janeiro Verde é fundamental para a promoção do aumento da adesão ao exame preventivo e à vacinação e, consequentemente, da redução das taxas de incidência e mortalidade por câncer cervical.

Autora: Maria Fernanda Lima

Instagram: @fxrnandasouza

Referências

FRUMOVITZ, M. Invasive cervical cancer: Epidemiology, risk factors, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate. 2022. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/invasive-cervical-cancer-epidemiology-risk-factors-clinical-manifestations-and-diagnosis?search=c%C3%A2ncer%20de%20colo%20do%20%C3%BAtero&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1#>. Acesso em: 10 fev. 2022.

INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA (INCA). Controle do Câncer do Colo do Útero: Conceito e Magnitude. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/controle-do-cancer-do-colo-do-utero/conceito-e-magnitude>. Acesso em: 12 fev. 2022.

INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA (INCA). Controle do Câncer do Colo do Útero: Detecção precoce. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/controle-do-cancer-do-colo-do-utero/acoes-de-controle/deteccao-precoce>. Acesso em: 14 fev. 2022.

STRAUGHN, J. M; YASHAR, C. Management of early-stage cervical cancer. UpToDate. 2022. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/management-of-early-stage-cervical-cancer?search=c%C3%A2ncer%20de%20colo%20do%20%C3%BAtero&topicRef=3179&source=see_link#H1>. Acesso em: 15 fev. 2022.

STRAUGHN, J. M; YASHAR, C. Management of locally advanced cervical cancer. UpToDate. 2022. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/management-of-locally-advanced-cervical-cancer?search=c%C3%A2ncer%20de%20colo%20do%20%C3%BAtero&topicRef=3179&source=see_link#H1>. Acesso em: 16 fev. 2022.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.