Neurologia

Labirintite: quadro clínico e indicações de manejo

Labirintite: quadro clínico e indicações de manejo

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Saiba mais sobre a labirintite e como conduzir da melhor forma o atendimento do paciente nesses casos.

Você está no plantão e recebe o seguinte quadro:

Uma mulher de 40 anos apresenta-se com queixa de tontura, desequilíbrio e distúrbio auditivo há um mês. Informa que estava em casa assistindo televisão e quando se levantou, percebeu que a sala começou a girar e, na última semana, isso ocorreu com mais frequência. Diz que o quadro atual foi precedido por uma doença semelhante à gripe a cerca de uma semana e, quando buscou atendimento, foi medicada com amoxicilina, prednisona e Diazepam, mas não se recorda a posologia de nenhuma das medicações. Ao exame físico apresenta exoftalmia, tontura, vertigem posicional e sintomas auditivos do lado esquerdo, incluindo zumbido, sensibilidade ao ruído em ambos os lados (hiperacusia), plenitude à esquerda e diminuição da audição. Não conseguia ficar em pé no teste de Romberg de olhos fechados. Presença de nistagmo à direita. Não apresenta outras alterações no exame físico.

Diante dessa situação, qual seria sua principal suspeita diagnóstica? Quais os diagnósticos diferenciais para esse quadro?

Esse é um quadro bem clássico de labirintite e, abaixo, iremos discutir mais sobre essa condição clínica que pode surgir em múltiplos contextos e é também uma das complicações extracranianas mais comuns de otite média.

O que é a labirintite?

É um distúrbio inflamatório do ouvido interno – o labirinto, estrutura composta por dois sistemas: o coclear e o vestibular, como visto na imagem abaixo. Essa inflamação provoca uma série de sintomas associados a distúrbios do equilíbrio e até mesmo variações na capacidade auditiva, podendo afetar apenas um ou ambos os ouvidos, podendo durar dias ou semanas. Pacientes com labirintite, na maioria dos casos, alcançam uma recuperação completa após um episódio se tratado adequadamente. 

Anatomia da Orelha. Fonte: https://www.sanarmed.com/resumo-sobre-tontura-completo-sanarflix

O que pode causar a labirintite?

Existem várias etiologias conhecidas que podem desencadear a labirintite, tais como infecçao viral ou bacteriana – seja local ou sistêmica – e processos autoimunes. Porém é importante lembrar que algumas situações como uma isquemia vascular podem mimetizar a labiritinte e é sempre indispensável investigar adequdamente a queixa e a história do paciente para conseguir realizar o diagnóstico apropriado.

Cabe também lembrar que os sintomas da labirintite podem se confundir com uma condição vestibular chamada de neurite vestibular. É comum ver na prática que ambas são comumente associadas como sinônimos, mas na verdade, tem diferenças importantes. Na neurite vestibular, há a inflamação de um ramo do nervo vestibulococlear, enquanto na labirintite a inflamação irá afetar o labirinto.

O que é preciso saber sobre as principais etiologias de labirintite?

As duas principais etiologias são as virais e as bacterianas, embora também exista a forma autoimune. Abaixo, veremos cada uma delas com mais detalhes e os agentes infecciosos envolvidos nesse processo.

Labirintite Viral

Caracterizada pela súbita alteração da função vestibular, podendo cursar com perda auditiva unilateral. Geralmente é uma infecção estéril, mediada por toxinas ou mediadores inflamatórios na orelha interna, recebendo também o nome de labirintite serosa. Comumente apresentada com vertigem, zumbido e perda auditiva.

Os sintomas costumam a surgir de forma gradual e podem estar associados a algum quadro já existente de infecção do trato respiratório superior ou herpes zoster, por exemplo. Podem ser observadas alterações de pele locais no canal auditivo e/ou na cóclea.

Os agentes virais que estão geralmente associados às condições sistêmicas são:

  • Citamegalovirus
  • Varicella-zoster
  • Influenza
  • Adenovírus
  • Rubéola

Labiritite autoimune

É uma causa incomum de labirintite, mas pode ocorrer eventualmente em múltiplos sítios, seja local ou sistêmico.

Labirintite bacteriana

A forma bacteriana é comumente uma consequência de meningite ou otite média, sendo chamada de labirintite supurativa quando secundária a infecção bacteriana local.

Os agentes bacterianos mais comuns são:

  • Streptococcus pneumoniae
  • Haemophilus influenzae
  • Moraxella catarrhalis
  • Neisseria meningitidis
  • Streptococcus species
  • Staphylococcus species
  • Proteus species
  • Bacteroides species
  • Escherichia coli
  • Mycobacterium tuberculosis

Por vezes, num processo ativo de crise, pode ser difícil distinguir a etiologia da labirintite, sendo necessário considerar como potencialmente grave qualquer caso de vertigem que se associe a otite média. A avaliação retrospectiva torna mais fácil a determinação da etiologia, mas até que se tenha o tempo adequado para tal avalição é importante iniciar o tratamento com a antibioticoterapia, como veremos mais a seguir.

Quais as manifestações clínicas de labirintite?

Classicamente um episódio se apresenta através de sintomas como vertigem, náuseas e/ou vômitos, mas alterações de equilíbrio e marcha podem estar presentes. Devido aos sintomas serem altamente inespecíficos e facilmente associados a outras patologias, uma avaliaçao clínica bem estruturada se torna muito importante.

Outros sintomas que podem estar presentes, com menos frequência, incluem:

  • Tinitus
  • Otorreia
  • Otalgia
  • Alterações visuais como diplopia
  • Perda auditiva

O que devo investigar na avaliação clínica do paciente com suspeita de labirintite?

Além dos sintomas já citados anteriormente, é preciso observar achados do exame físico que estejam associados ao desbalanço do aparelho vestibular, além do histórico médico anterior para identificação de outras possíveis causas dos sintomas.

Além disso, deve-se lembrar que pacientes com disfunção no labirinto precisam ser observados no tocante ao consumo de estimulantes como a cafeína ou a vivência de situações altamente estressoras ou sedentarismo – fatores que podem contribuir para a incidência de tontura.

Confira nosso artigo disponível sobre os Efeitos da redução no consumo de cafeína sobre a percepção do zumbido!

Como devo fazer o exame físico?

A inspeção completa da cabeça e do pescoço deve ser priorizidas no casos suspeitos, mas deve-se também incluir o exame neurológico que busque, por exemplo, sinais de meningite, visto que estima-se a ocorrência de surdez profunda como consequência da labirintite bacteriana secundária a meningite bacteriana.

Na otoscopia, é preciso:

  • Realizar inspeção externa avaliando sinais de mastoidite ou sinais de cirurgias anteriores;
  • Inspecionar o canal auditivo para otite, otorreia ou vesículas;
  • Inspecionar a membrana timpânica e ouvido médio para verificar se existe perfuração, colesteatoma, efusão ou otite média aguda.

No exame neurológico, devemos realizar exames voltados para o equilíbrio dinâmico e estático, principalmente o Sinal de Romberg, além de buscar se existe nistagmo e avaliar a acuidade auditiva.

O nistagmo horizontal espontâneo horizontal geralmente ocorre em direção da orelha acometida na fase aguda inicial. Se você precisa revisar esses sinais, não deixe de acessar a super revisão do exame físico neurológico.

Como conduzir o diagnóstico?

Uma vez que existam sintomas e sinais clínicos que possam ser associados ao diagnóstico de labirintite, confirma-se o diagnóstico clínico. Não existe um exame laboratorial específico para essa doença, mas cabe solicitar uma hemograma na busca de sinais sistêmicos de inflamação, embora pouco específico, e também solicitar a cultura devido a possibilidade de labirintite bacteriana.

Não esqueça de sempre descartar outras situações que podem mimetizar a labirintite como trauma cranioencefálico, efeitos colaterais de medicamentos ou substâncias como tabaco, álcool e cafeína, e até mesmo um acidente vascular encefálico – lembrando que nessa última condição citada, podemos ter alguns achados audiológicos em pacientes afásicos após acidente vascular encefálico.

Quais são as principais indicações terapêuticas em casos de labirintite?

O tratamento da labirinte teoricamente deveria ser conduzido conforme a etiologia, aliando a modalidade não medicamentosa com a medicamentosa. Contudo, como já vimos anteriormente, é importante considerar principalmente todos os casos com sintomatologia suspeita e relacionado a otite média como potencialmente grave e iniciar a antibioticoterapia. No mais, os sintomas gerais de um episódio são bastante inespecíficos, sendo primordial que sejam ofertados medicamentos para o tratamento sintomático percebido no quadro.

Os antibióticos devem ser inicialmente aplicados via endovenosa, utilizando drogas que ultrapassam a barreira hematoencefálica, associado a antivertiginosos como a Betaistina e antieméticos como Cloridrato de Ondansetrona.

Um outro potencial tratamento é a utilização da reabilitação vestibular, mesmo no contexto de internação hospitalar.

Labirintite viral 

Deve ser feito o seguinte manejo:

  • Tratamento não medicamentoso: repouso e hidratação
  • Tratamento medicamentoso: basicamente sintomático, pode incluir antieméticos, benzodiazepínicos e alguns antivirais, como veremos abaixo. Contudo, não existe na literatura uma terapia antiviral específica para labirintite. 

Diazepam ou algum outro benzodiazepinico pode ajudar enquanto supressor do sistema vestibular, podendo diminuir os sintomas associados a essa região.

O uso de corticoideesteroides podem contribuir para redução de edema e inflamação do labirinto. Pode ser utilizado a prednisona por 10 dias, com dose incial de 60mg nos 5 primeiros dias e progressiva redução da dose em 10mg nos dias subsequentes. 

Labirintite bacteriana

Além do tratamento não medicamentoso, recomenda-se o tratamento empirico com antibioticoterapia até que se tenha o resultado da cultura.

O foco dessa modalide de tratamento é eliminar a condição infecciosa associada para evitar se espalhe progressivamente. Casos de labirintite resultantes de otite média devem ser levados a miringotomia (incisão da membrana timpanica) e a drenagem adequada do conteúdo, posteriormente submetendo-o para cultura.

Qual o prognóstico mais provável?

Os sintomas mais agudos, como visto anteriormente, tendem a cessar ocasionalmente, variando entre dias ou semanas. Já a perda auditiva, quando ocorre, pode variar de acordo com cada quadro, mas tende a ser mais crítica e definitiva nos quadros de labirintite supurativa. 

Na labirintite serosa, os pacientes se recuperam sem nenhuma ou pouca sequela.

Quais diagnósticos diferenciais devem ser considerados?

Os principais são:

  • Neurite vestibular
  • Infarto cerebelar
  • Desequilíbrio associado a idade
  • Vertigem ou lerda auditiva induzida por drogas
  • Sindrome vaso vagal

VOCÊ SABIA?

Existe uma discussão na literatura atual sobre o termo adequado para nomear essa condição clínica. A proposta vigente é de que a melhor nomenclatura seria “vestibulopatia aguda unilateral”.

Com essa revisão completa, nossa intenção é capacitar você para responder perguntas comuns observadas na prática clínica como:

  • “O que causa labirintite?”
  • “Como saber se tenho labirintite?”
  • “Quais são os sintomas de labirintite?”
  • “Como cura labirintite?”
  • “quais remédios usar para labirintite”? e muitas outras referentes a esse tema que surgem no contexto emergencial e/ou ambulatorial.

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Referências bibliográficas

  • Alencar, I. 22 de abril: Dia Nacional da Tontura. Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco, 2021. Disponível em: https://www.cremepe.org.br/2021/04/22/22-de-abril-dia-nacional-da-tontura/. Acesso em 15 de Set 2023.
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  • Furman, J. M. Vestibular neuritis and labyrinthitis. Uptodate, 2023.
  • Kerber KA, Callaghan BC, Telian SA, et al. Dizziness Symptom Type Prevalence and Overlap: A US Nationally 
  • Representative Survey. Am J Med. 2017 Dec;130(12):1465;e1-1465;e9. 
  • Tratado de otorrinolaringologia / organização Shirley Shizue Nagata Pignatari , Wilma Terezinha Anselmo Lima. – 3. ed. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2018.

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