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O diagnóstico das doenças reumatológicas é estabelecido de acordo com os dados da anamnese e exame físico, os quais orientam a solicitação de exames. Os exames de laboratório têm grande utilidade para fornecer diferentes valores preditivos positivos e negativos, contribuindo para a exclusão de uma doença em casos de resultado normal, ou corroborar com a suspeita diagnóstica, em casos de resultado alterado. Porém, raramente um teste laboratorial por si só estabelece um diagnóstico em reumatologia.
Provas inflamatórias
Os exames utilizados para monitorar a reação inflamatória (ou seja, a resposta do organismo frente à lesão tecidual) são chamados de provas inflamatórias. A reação inflamatória é definida pela mudança da concentração sérica de determinadas proteínas após qualquer estímulo que ocasione injúria (infecções, isquemia, neoplasia, doenças reumáticas, entre outros). Portanto, as provas inflamatórias são indicadores inespecíficos de inflamação, porém caso seus valores estejam baixos, a hipótese de uma doença reumatológica é praticamente excluída. Esses exames também têm grande valia para a monitorização da atividade da doença e de sua resposta terapêutica.
As principais provas inflamatórias seriam a proteína C reativa (PCR) e a velocidade de hemossedimentação (VHS). A PCR é produzida no fígado sob o estímulo de citocinas, e sua principal função é favorecer a eliminação de patógenos e células lesadas por meio da ativação da via clássica do sistema complemento e de fagócitos. Em paralelo, a VHS é uma medida indireta de concentração de proteínas de fase aguda, em especial a do fibrinogênio, o que torna o exame sensível mas pouco específico. Enquanto as concentrações da PCR aumentam e diminuem rapidamente, os valores da VHS alteram lentamente e permanecem elevados mesmo após a resolução da causa da lesão. É importante ressaltar que os níveis da VHS são fisiologicamente mais altos em mulheres e também aumentam com o avançar da idade e durante a gravidez. Já os níveis da PCR são mais altos em pacientes obesos, tabagistas e mais baixos em pacientes que recebem tratamento imunossupressor (mesmo na vigência de uma infecção).
Os autoanticorpos
Os exames para autoanticorpos são importantes tanto para auxiliar no diagnóstico quanto para monitorar a atividade de doenças reumáticas autoimunes, tais como a artrite reumatóide (AR), o lúpus eritematoso sistêmico (LES) e a síndrome de Sjögren. No entanto, até pessoas saudáveis podem apresentar autoanticorpos circulantes, por isso não devem ser utilizados como métodos de rastreio, mas sim para a confirmação de uma suspeita clínica. Um dos principais exames utilizados seria o fator reumatoide (FR), que são auto-anticorpos dirigidos contra a cadeia Fcγ das moléculas de imunoglobulinas, em especial as da classe M. Está indicado testar o FR na suspeita de artrite reumatóide (mesmo que 20 a 30% dos pacientes com AR apresentem o FR negativo) ou de síndrome de Sjögren.
Outros tipos de autoanticorpos seriam os anticorpos antinucleares, que reagem contra componentes celulares, como por exemplo o DNA, o RNA, as histonas ou os componentes citoplasmáticos. A identificação e diferenciação desses anticorpos é feita pelo seu padrão de fluorescência, obtido no teste do fator antinuclear (FAN) por imunofluorescência direta. O teste também fornece a concentração (titulação) do anticorpo sérico, orientando o prognóstico e monitorização da doença. Certos anticorpos têm grande associação com determinadas patologias, sendo denominados marcadores de doença, como o anti-DNA e anti-Sm que são específicos do lúpus eritematoso sistêmico. Já os anticorpos anti-Ro/SS-A e anti-La/SS-B têm alta especificidade para a síndrome de Sjögren, fazendo parte do critério para classificação da síndrome.

Fonte: https://pt.slideshare.net/pauaualambert/laboratrio-em-reumatologia
Crioglobulinas
As crioglobulinas são imunoglobulinas anômalas que precipitam reversivelmente em baixas temperaturas (abaixo de 37ºC). Ao precipitar, as crioglobulinas se agregam e diminuem a velocidade do fluxo sanguíneo, podendo até bloquear pequenos vasos. Elas podem estar presentes em pequenas quantidades em pessoas saudáveis, mas sua presença está muito associada a diversas doenças, como a infecção pelo vírus da hepatite C, LES, AR e a síndrome de Sjögren.
Caso a concentração de crioglobulinas séricas seja alta (um quadro denominado crioglobulinemia) pode ocorrer dano tecidual devido à hipoperfusão, causando sintomas como hematomas, úlceras cutâneas, dor nas articulações, fraqueza e o fenômeno de Raynaud. A presença mais acentuada das crioglobulinas também pode ativar o sistema imunológico, originando complexos imunes que se depositam nos tecidos, gerando inflamação e contribuindo na formação de coágulos.
Sistema complemento
O sistema complemento é formado por proteínas séricas que, ao se ligarem a anticorpos específicos, realizam a lise de células (contribuindo na remoção de patógenos, complexos imunes circulantes e células apoptóticas). Os parâmetros clínicos mais utilizados para determinar a ativação do complemento são os níveis de proteína de C3 e C4. Portanto, é possível avaliar o consumo dos componentes da via clássica (C3 e C4) e da via alternativa (C3). Entretanto, esses valores têm uso limitado, já que o complemento é um dos reagentes de fase aguda, tendo maior síntese durante a inflamação.
A deficiência do complemento está muito associada ao desenvolvimento da AR e principalmente do LES, devido ao importante papel desse sistema na remoção de complexos imunes formados entre anticorpos e autoantígenos. Além disso, quando os autoantígenos estão limitados a um determinado órgão (por exemplo na nefrite lúpica) a eliminação dos antígenos do organismo é dificultada, perpetuando a formação de complexos imunes, o que gera intensa ativação e consumo de complemento.
Conclusão
Os exames laboratoriais são ferramentas úteis para contribuir para o diagnóstico e para o monitoramento da eficácia e da resposta terapêutica de algumas condições reumatológicas. Porém, por serem muitas vezes sensíveis e pouco específicos, os resultados laboratoriais serão sempre secundários aos sinais e sintomas clínicos, não substituindo uma anamnese detalhada e um exame físico completo. Deste modo, o requerimento de um exame deve ser feito embasado em uma suspeita clínica, e não deve ser realizado se não alterar o diagnóstico, prognóstico ou tratamento da patologia.
Autora: Giovanna di Cola
Instagram: @giodicola
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
Reumatologia. Hochberg, Marc. 6ª edição – 2016. Capítulo 30: O papel dos exames de laboratório nas doenças reumáticas
Manual de reumatologia para graduação em Medicina. Ricardo Fuller. 2007. Capítulo 4: Laboratório de Reumatologia
O uso de provas de atividade inflamatória em reumatologia – https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0482-50042009000400008
Laboratório em reumatologia – https://www.ufjf.br/hurevista/files/2016/11/70-35-PB-1.pdf
O uso de provas de atividade inflamatória na reumatologia – https://www.scielo.br/pdf/rbr/v49n4/08.pdf
O sistema complemento nas doenças: genética e patogenia – https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0482-50042004000400006
Lab-Test: Crioglobulinas – https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/multimedia/lab-tests/v42968332_pt
Doenças associadas à deficiência do sistema complemento – https://docs.bvsalud.org/biblioref/2019/12/1046127/artigo13.pdf