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Manual de Clínica Médica

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4.14

ACIDENTES POR ANIMAIS PEÇONHENTOS

Animais peçonhentos são animais que possuem estruturas especializadas (dentes, ferrões) capazes de inocular seus venenos, como cobras, escorpiões, aranhas, abelhas, lagartas, entre outros. Os acidentes ofídicos, escorpionismo, araneísmo e os acidentes com lagartas, são os acidentes mais comuns na prática médica, capazes de desencadear quadros moderados a graves. Têm importância médica significativa devido à sua grande frequência e gravidade.

ACIDENTE OFÍDICO

Acidente ofídico é o envenenamento causado por toxinas presentes no veneno de serpentes peçonhentas, que exercem ação local e sistêmica, sendo responsáveis pelas manifestações clínicas. Como as serpentes ocupam quase todos os tipos de ambiente, tanto aquático como terrestre, os acidentes ofídicos apresentam elevada incidência, principalmente na zona rural.

ACIDENTE BOTRÓPICO - AÇÕES DE VENENO

3.1 Ações do veneno Proteolítica, coagulante e hemorrágica, as quais determinam o quadro clínico. São exuberantes e precoces, caracterizadas por dor e edema intensos, além de equimose no local da mordedura (pode ocorrer extensão ao longo do membro acometido). Os dois orifícios de inoculação das presas nem sempre são visíveis. Podem surgir lesões bolhosas com conteúdo sero-hemorrágico, podendo evoluir para áreas de necrose, infecção secundária, abscesso, gangrena e em casos mais graves, síndrome compartimental. Essas constituem as principais complicações locais, com indicação de intervenção cirúrgica (fasciotomia, desbridamento de tecidos desvitalizados, amputação) e consequente déficit funcional do membro.

ACIDENTE BOTRÓPICO - Manifestações sistêmicas

Caracterizam-se por sangramentos devido à coagulopatia (gengivorragia, equimoses, hematúria, hematêmese, petéquias, entre outros), hipotensão por hipovolemia consequente a sangramento, sudorese, choque hipovolêmico, insuficiência renal aguda por ação direta do veneno, desidratação e hipovolemia.

ACIDENTE BOTRÓPICO - Classificação de acordo com a gravidade

Acidente leve: forma mais comum, caracterizada por dor e edema local discretos, manifestações hemorrágicas discretas ou ausentes, com ou sem alteração do tempo de coagulação (TC). • Acidente moderado: caracterizado por dor e edema evidentes que ultrapassam o segmento anatômico afetado, alterações hemorrágicas locais ou sistêmicas ausentes ou discretas, tempo de coagulação normal ou alterado.

ACIDENTE BOTRÓPICO - Exames complementares

É recomendado analisar o Tempo de Coagulação (TC) – importante para avaliar eficácia da soroterapia – hemograma, exame sumário de urina, eletrólitos, ureia e creatinina.

ACIDENTE CROTÁLICO - Ações do veneno

Observa-se ações neurotóxicas, miotóxicas e coagulantes. Essas são discretas e restritas ao local da mordedura.

ACIDENTE CROTÁLICO - Manifestações sistêmicas

São precoces e potencialmente graves. Incluem manifestações neuroparalíticas com progressão crânio-caudal, caracterizadas por ptose palpebral, fácies miastênica, turvação visual e oftalmoplegia, além de distúrbios de olfato e paladar, ptose mandibular, sialorreia e insuficiência respiratória aguda, pela ação neurotóxica do veneno, as quais são reversíveis.

ACIDENTE CROTÁLICO - Classificação de acordo com a gravidade

• Leve: sinais e sintomas neurotóxicos ausentes ou tardios, sem mialgia ou alteração da cor da urina, ausência de oligúria. • Moderado: sinais e sintomas neurotóxicos discretos, de instalação precoce, mialgia discreta, alteração da cor da urina ausente ou discreta, sem oligúria.

ACIDENTE CROTÁLICO - Exames complementares

Hemograma, ureia, creatinina, eletrólitos, creatinoquinase (CK), desidrogenase lática (LDH), aspartase-amino-transferase (AST), aspartase-alanino-transferase (ALT), TC, sedimento urinário.

ACIDENTE LAQUÉTICO - Ações do veneno

Apresenta ações proteolíticas, coagulantes e hemorrágicas. As manifestações locais e sistêmicas são semelhantes às do Acidente Botrópico. Em casos graves de envenenamento podem ocorrer manifestações vagais (náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarreia, hipotensão e choque).

ACIDENTE ELAPÍDICO - Ações do veneno

Apresenta ação neurotóxica e miotóxica. As manifestações locais são discretas. Os sinais e sintomas sistêmicos são decorrentes da ação neurotóxica do veneno: fraqueza muscular progressiva, ptose palpebral, fácies miastênica, mialgia difusa e dificuldade para deglutir.

ACIDENTE ELAPÍDICO - Acidentes por outras serpentes

A maioria causa apenas manifestações locais discretas (edema, dor e equimose).

ACIDENTE ELAPÍDICO - Tratamento

• Manter elevado e estendido o membro afetado. • Analgesia e antibioticoterapia se evidência de infecção secundária. • Hidratação vigorosa: manter diurese entre 30 a 40 mL/hora no adulto, e 1 a 2 mL/kg/hora na criança. • Fasciotomia: se presença de síndrome compartimental, debridamento de áreas necrosadas e drenagem de abscessos.

ESCORPIONISMO

Tem caráter predominantemente urbano. As manifestações locais e sistêmicas são decorrentes da ação de toxinas presentes no veneno, que atuam nas terminações nervosas pós-ganglionares. Esses acidentes atingem predominantemente os membros superiores. Sua importância está relacionada à grande frequência e à potencial gravidade, principalmente em crianças menores de 10 anos. Os acidentes predominam nos meses quentes e chuvosos e a maioria tem curso benigno.

Quadro clínico de ESCORPIONISMO

Decorrente da liberação de catecolaminas e acetilcolina nas terminações nervosas, determinando manifestações orgânicas simpáticas ou parassimpáticas. A gravidade do quadro depende do volume de veneno inoculado, faixa etária e espécie envolvida. Crianças são mais suscetíveis a quadro sistêmico grave.

Manifestações locais de ESCORPIONISMO

Dor intensa de instalação imediata, com extensão para o membro, associada à parestesia, eritema, edema e sudorese local.

Exames complementares para diagnosticar ESCORPIONISMO

São indicados em casos graves (repercussão sistêmica): • Exames laboratoriais: hemograma, eletrólitos, CPK, CK-MB, glicemia. • Eletrocardiograma: avaliar arritmias (taqui ou bradiarritmias). • Radiografia de tórax: avaliar sinais de congestão pulmonar

TRATAMENTO DE ESCORPIONISMO

Sintomático , formas moderadas e graves;

ARANEÍSMO

Envenenamento causado por toxinas presentes no veneno de aranhas peçonhentas, desencadeando alterações locais e sistêmicas. Atinge principalmente adultos, de ambos os sexos, predominando em áreas urbanas. Ocorre preferencialmente em mãos e pés.

Quadro clínico de Loxoscelismo

Corresponde à forma mais grave de araneísmo no Brasil. O veneno loxoscélico atua sobre membranas das células, principalmente do endotélio vascular e hemácias, resultando em intensa vasculite no local da picada, obstrução capilar, hemorragia e hemólise intravascular.

Quadro clínico de Foneutrismo

Quadro clínico indistinguível do escorpionismo.

Quadro clínico de Latrodectismo

A toxina do veneno atua sobre o sistema nervoso autônomo, levando à liberação de neurotransmissores adrenérgicos e colinérgicos, responsáveis pelo quadro clínico.

Exames complementares

Hemograma, eletrólitos, função renal, coagulograma, sedimento urinário, bilirrubina total e frações, glicemia e ECG.

Tratamento

Para o tratamento sintomático realizar antissepsia local, compressa morna no local da picada, anestesia local ou troncular sem vasoconstritor (com lidocaína 2%), analgesia sistêmica e, nos casos de dor refratária, meperidina 50-100 mg por via intramuscular.

Latrodectismo

• Diazepan 5 a 10 mg para adultos, intravenoso, de 4 em 4 horas; Gluconato de cálcio 10% de 10 a 20 mL para adultos, intravenoso lentamente, de 4 em 4 horas; ou Clorpromazina: 25 a 50 mg para adultos, intravenoso, de 8 em 8 horas, se necessário. Observação por pelo menos 24 horas. • Soro antilatrodectus (SALatr): em casos graves, administrar 1 a 2 ampolas por via intramuscular.

Conclusões sobre Acidentes por animais peçonhentos

Devido à potencial gravidade dos acidentes por animais peçonhentos, recomenda-se a observação mínima de 6 a 12 horas em todos os casos. A indicação de antiveneno deve ser criteriosa, para se evitar a administração desnecessária de soro nos casos de acidente sem envenenamento. Evidências clínicas e laboratoriais de envenenamento, indicam soroterapia intravenosa específica imediata, por se tratar de emergência médica. Diagnóstico e tratamento precoces influenciam favoravelmente a evolução e o prognóstico do acidente.

CASO CLÍNICO DE Acidentes por animais peçonhentos

Paciente, 45 anos, masculino, trabalhador rural, previamente hígido, procura pronto atendimento referindo acidente ofídico causado por jararaca, em membro inferior direito, há cerca de seis horas. Refere dor intensa no local da mordedura, associada a eritema, edema intenso e calor local. Relata progressão do edema e surgimento de equimose local. Refere ainda gengivorragia discreta. Nega demais queixas. Diurese preservada. Nega doenças de base, uso de medicamentos e alergias. Refere tabagismo e etilismo.

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