A Hemorragia Digestiva Alta (HDA) é definida como sangramento digestivo intraluminal de origem proximal ao ligamento de Treitz (demarcação anatômica da junção duodeno-jejunal), podendo ter origem no esôfago, estômago ou duodeno.
A causa da HDA pode ser estabelecida em aproximadamente 80% dos casos. Quanto à etiologia, pode ser dividida em dois grupos: Não varicosa (decorrente de lesão da mucosa esofágica, gástrica e/ou duodenal). Varicosa (sangramento devido à ruptura das varizes esofágicas e/ou gástricas).
Dentre as causas de HDA não varicosa, a doença ulcerosa péptica (gástrica ou duodenal) mantém-se como a principal causa de sangramento, apesar da diminuição na incidência devido à terapia com inibidores de bomba de prótons (IBP). No entanto, até 25% dos pacientes podem apresentar recorrência do sangramento. Os principais fatores relacionados à úlcera péptica são: anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) e a infecção por Helicobacter pylori. Outros fatores podem estar relacionados, como o uso de aspirina (AAS), corticoides, tabagismo e etilismo. Em pacientes graves e hemodinamicamente instáveis, a situação de estresse pode favorecer o aparecimento de úlceras, especialmente no corpo e fundo gástrico.
Trata-se de sangramento, geralmente de grande monta, pela ruptura de varizes esofágicas e, menos frequentemente, gástricas. Essas alterações são decorrentes do aumento da pressão no sistema venoso portal (secundário a doença hepática estrutural, como a cirrose ou hepatite) ou alteração no sistema vascular pré, intra ou pós-hepático. É responsável pela morte de até 30% dos pacientes cirróticos.
O sangramento digestivo alto geralmente apresenta-se com um quadro de hematêmese (vômito com sangue) e/ou melena (fezes enegrecidas e com odor fétido). Nos casos de sangramento maciço ou trânsito intestinal acelerado, sintomas como hematoquezia (fezes misturadas com sangue) e enterorragia (evacuação de sangue vermelho vivo) podem estar presentes. Até 11% dos pacientes com hematoquezia ou enterorragia podem apresentar hemorragia do trato gastrointestinal superior, embora sejam mais relacionados a hemorragia digestiva baixa
A avaliação inicial busca identificar fatores de risco na história do paciente, como idade, presença de comorbidades (doença cardiovascular, doença hepática, insuficiência renal), uso de medicações (AINES, AAS, anticoagulantes, antiagregante plaquetário) e, no exame físico, sinais de instabilidade hemodinâmica (taquicardia, hipotensão arterial, rebaixamento do nível de consciência, sudorese, perfusão periférica), a fim de definir a melhor abordagem.
Avaliação laboratorial inicial deve incluir: hemograma, que deve ser avaliado de forma seriada para monitorização dos níveis de hemoglobina e hematócrito; tipagem sanguínea, em casos de sangramento volumoso com necessidade de hemotransfusão; coagulograma; função renal; e eletrólitos.
Aproximadamente 80% dos sangramentos do trato digestivo superior cessam espontaneamente. A morbidade e a mortalidade nos 20% restantes decorrem de sangramento persistente ou recorrente. Dessa forma, a estratificação de risco para ressangramento e mortalidade é fundamental para definir a terapêutica.
Para todos os pacientes internados é recomendada monitorização de dados vitais, oximetria de pulso e avaliação do débito urinário. Nos pacientes idosos, com comorbidade importante, instabilidade hemodinâmica, apresentação inicial com sangramento ativo ou suspeita de sangramento de origem varicosa, recomenda-se monitorização em unidade de terapia intensiva. Todos os pacientes devem ser mantidos em jejum pela necessidade da realização da endoscopia digestiva alta para diagnóstico e possível terapêutica.
A EDA é de fundamental importância para identificar a causa do sangramento, como varicosa ou não varicosa para definir terapêutica. Dessa forma, a endoscopia digestiva alta é o exame de escolha, tanto para diagnóstico quanto para tratamento. O momento ideal da realização e suas opções terapêuticas dependem da etiologia do sangramento.
Embora a maioria dos pacientes com HDA que foram submetidos à terapia endoscópica tenham boa resposta à terapêutica utilizada, até 30% podem ter sangramento persistente (que não cessa após 48 horas da terapia inicial) ou recorrente, com novo sangramento nas primeiras 4 a 6 semanas após terapia inicial com sucesso. Nesses casos, uma segunda tentativa de tratamento endoscópico pode ser realizada, devendo utilizar, se possível, método terapêutico endoscópico diferente do utilizado anteriormente. Na ausência de resposta à segunda tentativa, devem ser usadas medidas de resgate. Na HDA não varicosa indica-se cirurgia ou embolização arterial. Na HDA varicosa indica-se o uso do balão de tamponamento (balão de Sengstaken-Blackmore) ou TIPS (Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunt).
Paciente do sexo masculino, 42 anos, hígido, admitido na emergência com relato de epigastralgia, hematêmese e melena iniciados há 4 horas. O paciente tem histórico de dor crônica em região lombar, com uso frequente de anti-inflamatórios não esteroidais (AINE).