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Manual de Clínica Médica

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3.6

PANCREATITE AGUDA

A Pancreatite Aguda (PA) é definida como um processo inflamatório agudo do pâncreas, que pode ser restrito ao órgão, acometer tecidos adjacentes ou até mesmo gerar repercussões sistêmicas. Sua ocorrência deve-se, basicamente, a um processo de autodigestão do órgão, secundário à ativação precoce de enzimas digestivas produzidas por este. Esse processo leva a uma reação inflamatória de proporções variáveis, responsável pelas manifestações clínicas subsequentes da doença.

ETIOLOGIA DA PANCREATITE AGUDA

As principais etiologias da PA são os cálculos biliares (40 a 70%) e o álcool (25 a 35%). Porém, existe uma vasta lista de possíveis causas da doença, exigindo uma investigação criteriosa. Como exemplos, pode-se citar distúrbios metabólicos (como hipertrigliceridemia com valores acima de 1000 mg/dL e hipercalcemia), tumores (principalmente a neoplasia mucinosa papilar intraductal e, em menor número, o adenocarcinoma pancreático), medicamentos (por exemplo, azatioprina, hidroclorotiazida etc.), infecções (virais, bacterianas, fúngicas e parasitárias), trauma, mutações genéticas, anormalidades anatômicas (como pâncreas divisum e disfunção do esfíncter de Oddi), pós-CPRE e distúrbios vasculares pancreáticos. A identificação da etiologia é de suma importância para a correta abordagem terapêutica do paciente.

INCIDÊNCIA E MORTALIDADE DA PANCREATITE AGUDA

A PA é uma das doenças mais comuns do trato gastrointestinal. Embora a quantificação da incidência dessa doença seja dificultada pelos grande número de casos sem diagnóstico (PA resolvida e não detectada ou óbito precoce), estudos recentes evidenciam uma elevação desse parâmetro no mundo todo, fato esse que reflete diversas situações, como a incidência também crescente da obesidade na população mundial (levando a um aumento do número de casos de colelitíase), aumento do consumo de álcool e melhorias nos métodos diagnósticos

DIAGNÓSTICO E CLASSIFICAÇÃO DA PANCREATITE AGUDA

Para o estabelecimento do diagnóstico de PA, devem estar presentes 2 dos 3 critérios mencionados a seguir: (I) dor abdominal característica de PA; (II) níveis de amilase e/ou lipase séricas ao menos três vezes o valor do limite superior de normalidade; (III) achados compatíveis com pancreatite aguda em exames radiológicos do abdome (TC contrastada, RNM ou ultrassonografia transabdominal)

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS PARA A PANCREATITE AGUDA

As manifestações clínicas decorrentes da PA são variáveis e condizentes com o grau de acometimento da doença. No entanto, tipicamente, o paciente apresenta dor intensa e persistente em andar superior do abdome, frequentemente associada a náuseas e vômitos, com irradiação para dorso em até 50% dos casos, também chamada de dor “em faixa”. A intensidade e localização da dor não têm correlação com a gravidade do quadro. Sintomas podem ter remissão parcial mediante flexão do tronco (posição antálgica).

EXAME FÍSICO PARA DIAGNÓSTICAR PANCREATITE AGUDA

Os achados do exame físico são também definidos pela gravidade da doença, e podem incluir: • hipersensibilidade à palpação abdominal (local ou difusa); • distensão abdominal e diminuição dos ruídos hidroaéreos, em virtude de íleo paralítico secundário à inflamação; • icterícia secundária a coledocolitíase ou edema da cabeça do pâncreas; • febre, taquipneia, hipotensão e hipoxemia em casos severos;

ACHADOS LABORATORIAIS DE PANCREATITE AGUDA

O desequilíbrio entre a síntese e a secreção das enzimas digestivas pancreáticas, responsável pela fisiopatologia da PA, faz com que essas enzimas extravasem o interior das células acinares e atinjam a circulação sistêmica. Esse evento possibilita a quantificação de seus níveis séricos, que auxiliam no diagnóstico da doença. Assim, são várias as enzimas que podem ter seus valores aumentados no plasma, como a tripsina, fosfolipase e peptídeo ativador de tripsinogênio, que pode até mesmo ser utilizado como um preditor de gravidade do agravo. Contudo, duas medidas podem ser consideradas cruciais para a definição da PA: a amilase e a lipase séricas.

EXAMES DE IMAGEM PARA DIAGNOSTICAR PANCREATITE AGUDA

Em pacientes com quadro clínico típico de PA e elevação dos níveis de lipase ou amilase séricas acima de três vezes o limite superior de normalidade não são necessários exames de imagem para se estabelecer o diagnóstico da doença. Sendo assim, sua indicação é reservada para quadros não tão evidentes, que geram dúvida diagnóstica, exclusão de outras causas de abdome agudo e estadiamento de gravidade do agravo em pacientes que não apresentam melhora clínica após 48 a 72 horas de tratamento (evoluindo com incapacidade de se alimentar por via oral, febre, dor e náuseas persistentes). Quando essas condições se fazem presentes, deve-se solicitar TC abdominal com contraste para elucidação diagnóstica, sendo indicada a RNM sem gadolínio para pacientes com alergia grave ao contraste e/ou insuficiência renal.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PANCREATITE AGUDA

A PA estabelece diagnóstico diferencial com diversas outras causas de abdome agudo, tais como úlcera péptica, coledocolitíase/colangite, colecistite, obstrução intestinal, isquemia mesentérica e víscera perfurada. Hepatite aguda também é um possível diagnóstico diferencial, sem apresentar clínica de abdome agudo. Uma anamnese bem executada e bem complementada com exames direcionados para as principais hipóteses diagnósticas são fundamentais para diagnóstico preciso e rápido.

PROGNÓSTICO PARA A PANCREATITE AGUDA

A definição da gravidade da doença se baseia em parâmetros clínicos, laboratoriais e radiológicos, sendo de extrema importância para a redução de complicações precoces e tardias e queda nos índices de morbimortalidade, uma vez que norteia uma abordagem terapêutica adequada para o paciente. No entanto, o seu estadiamento constitui um grande desafio na prática clínica. Assim, vários critérios foram desenvolvidos no intuito de auxiliar na estratificação de gravidade. Os mais conhecidos e utilizados são os critérios de Ranson e APACHE II. Entretanto, pela complexidade de utilização desses critérios, a recomendação atual do American College of Gastroenterology e da American Gastroenterology Association é que seja utilizada a definição de gravidade de Atlanta (conforme definido acima) para definição de conduta. A tabela 2 exibe algumas características que deverão ser observadas na avaliação inicial do paciente, no sentido de auxiliar na estratificação de risco.

TRATAMENTO DA PANCREATITE AGUDA

A abordagem inicial do paciente com PA consiste em quatro pilares básicos, que serão discutidos separadamente adiante: a reposição volêmica, o controle da dor, a monitorização, e o suporte nutricional.

Reposição volêmica PARA PANCREATITE AGUDA

• Sua necessidade se justifica pelo frequente quadro de hipovolemia apresentado por pacientes com pancreatite aguda, que ocorre por múltiplos fatores, como vômitos, aumento da permeabilidade vascular secundário ao processo inflamatório com consequente perda de líquido para o terceiro espaço, ingesta hídrica reduzida por via oral, entre outros, que podem acarretar complicações decorrentes de má perfusão tecidual.

Controle da dor DA PANCREATITE AGUDA

A dor geralmente é o principal sintoma apresentado pelo paciente, e seu controle inadequado pode contribuir para a ocorrência ou piora da instabilidade hemodinâmica. • A reposição volêmica realizada de maneira adequada é primordial para o controle da dor, uma vez que a hipovolemia consequente ao extravasamento vascular leva a ocorrência de dor isquêmica por má perfusão tecidual e resulta em acidose lática.

Monitorização DA PANCREATITE AGUDA

Deve ser rigorosa nas primeiras 24 a 48 horas. • Sinais vitais, incluindo saturação de oxigênio (StO2), devem ser observados, devendo-se manter esse parâmetro sempre superior a 95%, mediante administração de oxigênio suplementar se necessário. Gasometria arterial deve ser solicitada se StO2 < 90% ou se houver indicações clínicas.

Suporte nutricional PARA A PANCREATITE AGUDA

O suporte nutricional oferecido ao paciente com PA, bem como sua via de administração, depende da gravidade da doença. Contudo, ao contrário do que se pensava antigamente, a reintrodução precoce da dieta por via oral, quando possível, é de suma importância, se relacionando com redução nas taxas de complicações infecciosas, morbidade e mortalidade e menor tempo de hospitalização.

PARTICULARIDADES E MANEJO DAS COMPLICAÇÕES AGUDAS

Pacientes com PA moderadamente grave ou grave, piora clínica após 72 horas do início do quadro ou sinais de sepse, devem ser submetidos a TC abdominal contrastada para a pesquisa da presença de necrose (pancreática ou extrapancreática, infectada ou estéril) e complicações locais.

CASO CLÍNICO PARA PANCREATITE AGUDA

Paciente do sexo masculino, 56 anos, 60 kg, apresenta diagnóstico de pancreatite aguda leve com início dos sintomas há dois dias. No momento está com dor abdominal de leve intensidade, sem náuseas ou vômitos. Anictérico, afebril, FC de 85 bpm, orientado no tempo e espaço, apresentando dor à palpação de abdome superior, sem descompressão brusca. Ao USG de abdome foram evidenciadas coledocolitíase e colelitíase.

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