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Um estudo buscou avaliar uso de anticorpo monoclonal Mavrilimumab no tratamento de pacientes com pneumonia grave por COVID-19. O anticorpo é responsável por ligar-se e bloquear o receptor do Fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF). O GM-CSF é uma citocina que possui papel central na modulação da inflamação. Os ligantes do GM-CSF ativam múltiplas vias pró-inflamatórias. Nos casos de hiperinflamação, como acontece na COVID-19, a modulação da resposta inflamatória exacerbada parece ser benéfica. Neste post falaremos um pouco mais sobre o estudo realizado com o Mavrilimumab.
O Mavrilimumab mostrou ser eficaz e seguro em diversos ensaios randomizados de fase I e II para pacientes com Artrite Reumatoide. O anticorpo também mostrou menores taxas de infecções graves, em comparação com outras terapias imunomodulatórias usadas em pacientes com Artrite Reumatoide.
O estudo a seguir explanado buscou investigar se o Mavrilimumab, adicionado ao tratamento padrão, melhora desfecho clínico em pacientes admitidos no hospital com pneumonia e hiperinflamação sistêmica relacionada à COVID-19.
Metodologia do estudo
O estudo consistiu em coorte prospectiva em único centro, no San Raffaele Hospital, em Milão – Itália. Os incluídos na pesquisa foram pacientes acima dos 18 anos de idade, com pneumonia grave por COVID-19, hipóxia e hiperinflamação sistêmica.
Os pacientes receberam dose única (6 mg/kg) de Mavrilimumab, em adição ao tratamento padrão dado pelo hospital. O grupo controle consistiu em pacientes com características de base similares e que haviam recebido apenas o tratamento padrão.
O principal desfecho analisado consistiu em melhora clínica, definida como melhora de 2 pontos numa escala ordinal de estado clínico. Outros desfechos incluíram proporção de pacientes atingindo melhora clínica, sobrevivência, sobrevivência fora de ventilação mecânica e tempo de resolução da febre.
Os efeitos adversos foram monitorizados diariamente.
Resultados do estudo com Mavrilimumab
Dentre os participantes, 13 pacientes, que não estavam sob ventilação mecânica, receberam tratamento adicional com o anticorpo monoclonal, constituindo o grupo Mavrilimumab, e 26 pacientes receberam apenas o tratamento padrão, constuindo o grupo controle.
Durante o follow-up de 28 dias, nenhum paciente no grupo Mavrilimumab veio a óbito, e 7 (27%) no grupo controle morreram (p=0,086). No dia 28, todos pacientes no grupo Mavrilimumab e 17 (65%) no grupo controle mostraram melhora clínica (p=0,030), com melhora mais precoce no grupo Mavrilimumab (tempo médio de 8 dias em comparação com 19 dias, p=0,0001).
No dia 28, 1 (8%) paciente no grupo Mavrilimumab progrediu para ventilação mecânica, comparado com 9 (35%) no grupo controle, que progrediram para ventilação mecânica ou vieram a óbito (p=0,14).
No dia 14, houve resolução da febre em 10 (91%) de 11 pacientes febris no grupo Mavrilimumab, comparado com resolução de febre em 11 (61%) de 18 pacientes no grupo controle (p=0,18).
A resolução da febre se deu de forma mais rápida no grupo Mavrilimumab versus controle (tempo médio de 1 dia, versus 7 dias no grupo controle (p=0,0093). O anticorpo monoclonal Mavrilimumab foi bem tolerado, não tendo sido documentada nenhuma reação infusional.
Discussão dos achados
Os dados sugerem que a adição de Mavrilimumab ao tratamento padrão, em pacientes admitidos no hospital com pneumonia e hiperinflamação devido a COVID-19, resultou em melhora no estado clínico, quando comparados com aqueles que receberam apenas o tratamento padrão.
Durante o curso de 28 dias, o tratamento com Mavrilimumab esteve associado a melhora clínica superior e mais precoce dos parâmetros respiratórios, mais rápida resolução da inflamação e febre, comparado com tratamento padrão.
A melhora nos desfechos respiratórios ainda resultou em retirada mais precoce de suplementação de oxigênio e menor tempo de hospitalização. Todos os pacientes tratados com Mavrilimumab mostraram melhora clínica, e nenhum veio a óbito.
Racional por detrás do uso do Mavrilimumab
A patogênese da COVID-19 envolve resposta inflamatória mal adaptativa nos pulmões. Estudos pós-mortem de pacientes com COVID-19 demonstraram alta atividade inflamatória nos pulmões, com quantidade marcante de neutrófilos e células mieloides nos espaços alveolares.
A inflamação causada pela doença é acompanhada de elevação de marcadores pró-inflamatórios séricos, como PCR e ferritina, que constituem indicadores de gravidade.
O GM-CSF é citocina que desempenha papel central no desencadeamento da inflamação acima citada. Além da ativação do cenário hiperinflamatório, o GM-CSF é responsável por regular a homeostase da produção de surfactante alveolar, e a defesa inata alveolar mediada por macrófagos.
Diversos agentes biológicos anticitocinas possuem potencial para amenizar resposta inflamatória na COVID-19. No entanto, os autores do estudo hipotetizaram que se a cascata de inflamação fosse bloqueada no topo, os resultados poderiam ser mais benéficos e robustos.
O anticorpo monoclonal Mavrilimumab inibe uma via inflamatória cardinal e portanto quebra a produção de muitos mediadores pró-inflamatórios envolvidos na patogênese da COVID-19.
Os resultados preliminares, mostrados no presente estudo, indicam evidências de atenuação da hiperinflamação da pneumonia por COVID-19, através da inibição da via desencadeada pelo receptor de GM-CSF.
Limitações importantes do estudo
Há algumas importantes limitações no estudo que precisam ser apresentadas. Primeiro, devido à dramática circunstância, os pacientes não puderam ser alocados de forma randomizada entre os grupos, o que pode ter introduzido vieses de seleção, tratamento e efeito placebo.
Os pacientes do grupo de tratamento com Mavrilimumab tinham duração mais longa da febre antes de serem inscritos no estudo, em comparação com aqueles no grupo controle, o que pode ter afetado os diferentes desfechos clínicos observados.
Além das citadas, a limitação de follow-up curto (28 dias) deve ser citada, como limitadora de conclusões a longo prazo em termos de eficácia e segurança do tratamento.
Conclusão
Apesar dos achados acima possuírem limitações importantes, a diminuição da inflamação promovida pelo Mavrilimumab parece ter benefício para a COVID-19. Nesse cenário, faz-se necessária investigação e confirmação do benefício por meio de estudos mais robustos controlados com placebo.
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