Fazer um curso superior é considerado um grande desafio mesmo quando você faz isso por volta dos 18 anos, com apoio dos pais e todos os conhecimentos do ensino médio fresquinhos na cabeça. Imagine, agora, esse desafio sendo enfrentado em meio a inúmeras responsabilidades como trabalho, casamento, filhos. Existem muitas pessoas que decidiram enfrentar esse cenário e provavelmente você conhece alguém assim (ou é essa pessoa).
Um número crescente de profissionais já formados e estáveis em suas carreiras, depois dos 30 anos de idade, estão voltando a estudar para realizar seus sonhos pessoais e eles têm se tornado cada vez mais presentes nas turmas dos cursos de medicina. Inúmeras razões afastaram essas pessoas desse objetivo quando eram mais jovens, como a falta de recursos para investir em um cursinho, a necessidade de trabalhar e ter estabilidade financeira, o desejo de ter um emprego público, filhos e outros projetos. Ou, simplesmente, essas pessoas amadureceram pessoal e profissionalmente e se descobriram como futuros médicos. Todos eles têm em comum o desejo de exercer a medicina.
Muitas pessoas que desejam transformar esse sonho em realidade enfrentam, antes mesmo da faculdade, um processo muito delicado que é a transição de carreira. Entre a decisão de mudar de profissão e a matrícula no curso de medicina, existe um período de incertezas, fragilidades e questionamentos. Nesse período de planejamento, cursinhos pré-vestibulares, preparação e mudança de rota, esses profissionais enfrentam muitas vezes a solidão e precisam estar firmes em seus propósitos para conseguir seguir em frente mesmo diante das dificuldades. Abandonar anos de uma profissão, amigos, negócios, ouvir o julgamento das pessoas e experienciar a sensação de retrocesso podem ser fatores limitantes que mantêm muitos desses profissionais presos às suas antigas formações, mesmo que elas não lhes proporcionem realização plena.
De fato, não é uma decisão fácil. Muitos conseguem fazer uma transição mais leve, por já serem profissionais da saúde, mas muitos abandonam carreiras muito diversas como advocacia, engenharia e carreira militar. Essa decisão exige maturidade, planejamento e muito diálogo com as pessoas envolvidas, como companheiros e filhos. E deve ser tomada de forma muito consistente, visando que medicina é uma graduação longa, de dedicação exclusiva, rotina de estudo rigorosa e exige bastante da inteligência emocional dos alunos. Tudo isso somado à realidade de alguém que muitas vezes tem inúmeras responsabilidades fora da faculdade. Porém, a faculdade tem data de início e fim, e essa realidade deve ser vista como algo temporário.
Talvez uma das maiores angústias dos profissionais que queiram fazer a transição de carreira e se aventurar novamente em uma graduação seja a estabilidade financeira. Quando se é muito jovem, sem renda e sem despesas, a ideia de permanecer por 6 anos em uma faculdade integral não assusta tanto. Mas quando a pessoa já se habituou a ter sua liberdade financeira, adquiriu despesas como moradia, carro e família, ficar 6 anos estudando em período integral é terrivelmente assustador. Sem dúvida, é necessário muito planejamento para que as dificuldades financeiras não se tornem um empecilho. Com diálogo e organização, é possível enxugar as contas durante o período da faculdade e evitar contrair novos compromissos nos anos seguintes.
Existem alguns profissionais que se mantêm trabalhando durante o curso através de plantões, horários flexíveis e trabalho autônomo. Trabalhar e cursar medicina é uma combinação que exige muita persistência dos alunos que já passaram dos 30 anos. O cansaço e a falta de tempo, por muitas vezes, interferem no desempenho e na disposição para estudar. Porém, ao contrário do que poderia parecer óbvio, os alunos mais experientes e com mais idade apresentam muito comprometimento com as atividades acadêmicas. E embora, em sua maioria, não se envolvam em atividades extracurriculares pela falta de tempo, esses alunos em geral são participativos, responsáveis e muito interessados.
Retornar à sala de aula pode, sim, parecer um retrocesso. Muitos desistem por pensar em quanto tempo vai demorar para se estabelecerem profissionalmente de novo. Porém, existe valor que possa ser atribuído à realização de um sonho? Independentemente do tempo ou das dificuldades, aqueles que se lançam nessa jornada não devem focar no tempo ou na idade, e sim no objetivo final, e nas razões que o motivaram a voltar a estudar. Os pensamentos limitadores e o medo de julgamentos estão enraizados apenas na mente de cada um. Na realidade, quem volta a estudar para realizar um sonho é sempre muito bem visto por todos.
E o melhor de tudo é que existem muitas vantagens em realizar uma segunda graduação depois de mais idade. A pessoa está mais madura emocionalmente, tem suas motivações claras e consegue ver exatamente onde quer chegar. Apresenta maior domínio sobre seu estudo e sua forma de aprender e consegue ser mais resiliente frente às dificuldades impostas pelo curso.
Poder contar com o apoio dos familiares e das pessoas que se importam com a sua realização profissional é a chave para enfrentar esse desafio. Ter paciência e persistência são as habilidades necessárias para se tornar um excelente acadêmico de medicina mesmo depois dos 30 anos, e com todas as responsabilidades que a idade trouxe. Se você já tem uma graduação, já construiu uma carreira, família e projetos, mas ainda pensa que seria mais feliz realizando aquele sonho de infância de ser médico ou médica, saiba que você não está sozinho. Não desista!
Autora: Karollyne Morais
Instagram: @morais.karollyne