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Medicina Transfusional: princípios da transfusão de sangue, indicações e mais

Medicina Transfusional: princípios da transfusão de sangue, indicações e mais

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Aprenda como a medicina transfusional é pensada, seus princípios, indicações e possíveis complicações do procedimento. Bons estudos!

A medicina transfusional tem se dedicado cada vez mais à melhores abordagens. Por isso, é fundamental que o médico entenda as possibilidades de manejo hemodinâmico do seu paciente.

Componentes sanguíneos: entendendo o sangue

O sangue é um tecido vital que circula pelo nosso corpo, fornecendo oxigênio, nutrientes e removendo produtos de resíduos.

Diante disso, na perda desse fluido, a reposição de alguns hemocomponentes se fazem necessário para reestabelecer funções desempenhadas pelo sangue. Em vista disso, para se fazer uma reposição adequada, é necessário entender melhor os componentes desse fluido, que são:

  • Plasma: parte líquida que corresponde a quase 50% do volume sanguíneo total. É composto principalmente por água, mas também contém proteínas (como albumina, globulinas e fibrinogênio), eletrólitos, hormônios, vitaminas, e outras substâncias necessárias para o funcionamento do organismo.
  • Elementos celulares:
    • Hemácias, responsáveis pelo transporte de oxigênio dos pulmões, por meio da hemoglobina;
    • Leucócitos, células do sistema imunológico, como neutrófilos, linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos;
    • Plaquetas, fragmentos celulares envolvidos na coagulação sanguínea.

Esses componentes trabalham em conjunto para garantir o equilíbrio e a funcionalidade do sistema circulatório, que é essencial para a manutenção da saúde e do bom funcionamento de todos os órgãos e tecidos do corpo. O sangue também desempenha papel fundamental na regulação da temperatura corporal, transporte de nutrientes e remoção de resíduos metabólicos.

“Concentrado”: o que essa expressão significa na medicina transfusional?

Embora pareça intuitivo interpretar, é importante que os conceitos da medicina transfusional fiquem claros.

É comum, especialmente no ambiente de emergências e grandes cirurgias, a expressão “o paciente precisa de um concentrado de hemácias”, ou de outro componente sanguíneo. Mas o que isso significa?

O concentrado é um fluido contendo um conteúdo específico sanguíneo. O sangue o do doador é passado por um equipamento de centrifugação ou aférese que separa o componente sanguíneo desejado dos restantes, obtendo um fluido mais eficiente para a necessidade.

A indicação para um concentrado de hemácias é principalmente anemia aguda ou crônica, seja por qualquer razão, como deficiência de ferro ou doenças hematológicas.

Já para um de plaquetas, recomenda-se para pacientes com distúrbios de coagulação ou plaquetopenia (baixa contagem de plaquetas). As plaquetas são fragmentos celulares essenciais para a formação do coágulo sanguíneo, desempenhando um papel crucial na hemostasia.

O plasma fresco congelado (PFC) é obtido pela centrifugação do sangue do doador e congelamento do plasma após a coleta. Ele contém todos os fatores de coagulação do sangue e é usado para corrigir distúrbios de coagulação, especialmente em situações em que há deficiência de fatores de coagulação.

O crioprecipitado é obtido a partir do plasma fresco congelado descongelado em temperaturas controladas. Contém principalmente fibrinogênio, fator VIII e von Willebrand, que são cruciais para a formação do coágulo sanguíneo. Suas indicações são:

  • Tratamento de distúrbios de coagulação devido à deficiência de fibrinogênio, como afibrinogenemia e hipofibrinogenemia;
  • Suplementação de fator VIII e von Willebrand em pacientes com hemofilia A e doença de von Willebrand.

Princípios da medicina transfusional: compatibilidade e tipagem

Compatibilidade sanguínea

A compatibilidade sanguínea é um aspecto crucial nas transfusões de sangue para garantir a segurança e o sucesso do procedimento. Quando uma pessoa recebe uma transfusão de sangue, é essencial que o sangue do doador seja compatível com o sangue do receptor.

Isso ocorre porque os glóbulos vermelhos (hemácias) possuem marcadores na sua superfície chamados antígenos, que podem ser reconhecidos pelo sistema imunológico do receptor como estranhos, desencadeando reações imunológicas indesejáveis.

Para a compatibilidade entre doadores, leva-se em conta dois sistemas ou grupos sanguíneos: sistema ABO e sistema Rh.

Tipagem sanguínea

A tipagem sanguínea é um processo laboratorial, usado para determinar os grupos sanguíneos que falaremos abaixo.

Essa informação é essencial para garantir a compatibilidade sanguínea em transfusões de sangue e em outros procedimentos médicos que envolvam a administração de sangue ou componentes sanguíneos.

Ela é realizada através de exames de laboratório que envolvem a mistura de uma pequena amostra de sangue do paciente com diferentes tipos de anticorpos e/ou antígenos sanguíneos.

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Teste de tipagem sanguínea.

Com base nas reações observadas, o tipo sanguíneo é determinado. Vejamos como isso é feito para os sistemas ABO e Rh:

Sistema ABO: fundamental para a viabilidade da medicina transfusional

Existem quatro tipos sanguíneos principais no sistema ABO: A, B, AB e O. Os indivíduos possuem anticorpos naturais contra os antígenos que não possuem em suas próprias hemácias.

Sendo assim, indivíduos com sangue tipo:

  • A possuem anticorpos contra o antígeno B;
  • B possuem anticorpos contra o antígeno A;
  • AB não possuem anticorpos contra os antígenos A e B;
  • O possuem anticorpos contra os antígenos A e B.

Por isso, a compatibilidade ABO se dá quando o receptor do sangue tipo:

  • A pode receber sangue tipo A ou O;
  • B pode receber sangue tipo B ou O;
  • AB pode receber qualquer tipo sanguíneo (A, B, AB ou O);
  • O pode receber apenas sangue tipo O.
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Compatibilidade do sistema ABO. Ilustração: Designua / Shutterstock.

Sistema Rh: complementando a aplicabilidade da medicina transfusional

Além do sistema ABO, para que a compatibilidade sanguínea entre doador e receptor existam, é necessário que o sistema Rh também seja compatível.

No sistema Rh, as hemácias podem ser Rh positivas (Rh+) ou Rh negativas (Rh-). A presença ou ausência do antígeno RhD é o que define a positividade ou negatividade. A maioria das pessoas é Rh+, mas é fundamental considerar a presença ou ausência do antígeno RhD para garantir a compatibilidade.

A compatibilidade Rh de forma que o receptor:

  • Rh+ pode receber sangue Rh+ ou Rh-;
  • Rh- só pode receber sangue Rh-.

Portanto, para uma transfusão de sangue ser considerada compatível, é essencial que o tipo ABO do doador seja compatível com o do receptor e que o fator Rh do doador também seja compatível com o do receptor.

Além desses sistemas, existem outros sistemas de grupos sanguíneos menos conhecidos, mas também relevantes em casos específicos de transfusões sanguíneas. O procedimento de compatibilidade sanguínea é realizado por meio de testes de tipagem sanguínea e cruzamento, como veremos a seguir.

Transfusões autólogas x alogênicas: possibilidades da medicina transfusional

As transfusões autólogas e alogênicas possuem finalidades distintas, aplicações específicas, fornecendo opções importantes na medicina transfusional.

Transfusões autólogas envolvem a coleta e o armazenamento de sangue do do próprio paciente antes de uma cirurgia programada ou tratamento médico específico para posterior reinfusão. Nesse caso, o paciente é tanto o doador quanto o receptor do sangue.

Essa abordagem apresenta vantagens importantes, diminuindo os riscos de reações transfusionais, infecções e garante a disponibilidade desse sangue para o procedimento. A indicação para transfusões autólogas é de cirurgias eletivas de médio a grande porte, com possibilidade

Já as transfusões alogênicas, se referem à forma mais comum de transfusão sanguínea: doador e receptor diferentes.

As transfusões alogênicas são a base do sistema tradicional de banco de sangue e são utilizadas rotineiramente em situações de urgência, casos de trauma, tratamento de anemias graves, suporte em tratamentos oncológicos e outras condições médicas em que a transfusão de sangue é necessária.

Indicações de transfusão sanguínea: quando a medicina transfusional é benéfica?

A transfusão sanguínea geralmente é indicada na deficiência significativa de células sanguíneas ou componentes presentes no sangue. Por isso, algumas das principais indicações são:

  • Anemia severa, com níveis muito baixos de hemoglobina.
    • Essa decisão parte muito da experiência e individualidade do paciente, comorbidades, riscos, função renal, entre outros.
  • Perda aguda de sangue, após cirurgias, traumas, acidentes ou partos;
  • Doenças hematológicas, como anemia falciforme, talassemia ou aplasia medular, as transfusões podem ser necessárias;
  • Distúrbios de coagulação, em casos de hemofilia ou trombocitopenia grave;
  • Suporte durante tratamentos médicos, como em terapias intensivas para câncer ou outras doenças.

Nos últimos anos, a medicina também tem trabalhado para reduzir a necessidade de transfusões sanguíneas, quando possível por meio de técnicas cirúrgicas menos invasivas e melhores estratégias de gerenciamento de pacientes.

Além disso, em alguns casos, são utilizadas alternativas às transfusões de sangue. Como exemplo, o uso de substâncias sintéticas que estimulam a produção de células sanguíneas ou a utilização de fatores de coagulação específicos.

Quem pode ser doador de sangue?

Cada banco de sangue pode variar os critérios de inclusão, seguindo uma regulamentação.

No entanto, em geral, s critérios básicos para ser um doador de sangue incluem o seguinte:

  1. Idade entre 16-69 anos;
  2. Peso acima de 50kg;
  3. Boas condições de saúde;
  4. Sem comportamento de risco, como uso de drogas injetáveis ou atividade sexual de risco;
  5. Níveis adequados de hemoglobina (sem anemia);
  6. Intervalo mínimo de 8 a 16 semanas entre doações;
  7. Vacinação em dia.

Como funciona a dinâmica de um banco de sangue?

Os bancos de sangue podem ser vinculados a diferentes instituições ou órgãos governamentais, dependendo da legislação e organização de cada país ou região.

Em muitos países, os bancos de sangue são parte integrante do sistema de saúde pública e podem responder ao Estado, geralmente sendo regulados pelo Ministério da Saúde ou órgãos de saúde governamentais.

Os bancos de sangue fornecem sangue e seus componentes para hospitais e clínicas, conforme as demandas médicas e a disponibilidade do estoque. A distribuição é feita de acordo com as necessidades de transfusão dos pacientes e a compatibilidade sanguínea adequada.

Em casos de urgência, como em situações de acidentes ou cirurgias de emergência, o sangue é enviado imediatamente para o local onde é necessário.

O transporte das bolsas de sangue é realizado seguindo rígidos padrões de segurança e cuidados especiais para garantir a integridade do produto durante o trajeto. As bolsas de sangue são transportadas em recipientes apropriados, que mantêm a temperatura adequada e evitam danos durante o transporte.

Essa dinâmica bem coordenada nos bancos de sangue é crucial para assegurar a disponibilidade de sangue seguro e compatível, salvando vidas e garantindo a saúde dos pacientes que necessitam de transfusões sanguíneas.

Testemunhas de Jeová e a medicina transfusional: entenda os seus direitos

As Testemunhas de Jeová são um grupo religioso cujas crenças repercutem na decisão de escolher ou não receber a transfusão sanguínea. Segundo seus princípios, a doação de sangue representa uma possibilidade de salvação da vida terrena, mas sua fé os faz crer que a salvação espiritual a supera.

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Os direitos das Testemunhas de Jeová em relação à recusa de transfusões de sangue geralmente incluem o seguinte:

  1. Consentimento informado: Os pacientes têm o direito de serem informados sobre riscos e benefícios de qualquer tratamento proposto. Os médicos devem obter o consentimento informado do paciente ou de seu representante legal antes de realizar qualquer procedimento médico.
  2. Direito a tratamento alternativo: Os pacientes têm o direito de buscar tratamentos alternativos que estejam alinhados com suas crenças religiosas. Isso pode incluir o uso de alternativas médicas ou terapias que não envolvam transfusões de sangue.
  3. Designação de um representante legal: Caso o paciente não esteja em condições de tomar decisões médicas, ele pode designar um representante legal para isso. Esse representante deve estar ciente das crenças religiosas do paciente e agir de acordo com seus desejos.
  4. Acesso a informações precisas: Os pacientes têm o direito de receber informações precisas sobre as opções de tratamento disponíveis, incluindo possíveis alternativas às transfusões de sangue, para que possam tomar decisões informadas sobre sua saúde.

Em resumo, as Testemunhas de Jeová têm o direito de recusar transfusões de sangue com base em suas crenças religiosas. No entanto, devem ser informadas sobre as consequências e alternativas disponíveis.

Os médicos e profissionais de saúde devem respeitar essas crenças. Ainda, buscar soluções adequadas para fornecer o melhor tratamento possível ao paciente.

Alternativas à transfusão de sangue: a medicina transfusional se adapta

A medicina transfusional é, sem dúvidas, eficaz, salvando muitas vidas. No entanto, nos últimos anos, a medicina tem se dedicado ainda mais à alternativas para aqueles com restrições ou riscos significativos à doação.

Uma dessas alternativas são as técnicas cirúrgicas minimamente invasivas. Elas atuam diretamente no controle de sangramentos de cirurgias antes muito invasivas, prevenindo a transfusão.

Ainda, a infusão de EPO (eritropoetina) é uma alternativa à transfusão de sangue para estimular a produção de hemoglobina e aumentar o número de glóbulos vermelhos no organismo. A eritropoetina é um hormônio naturalmente produzido pelos rins que regula a formação de células sanguíneas, especialmente os glóbulos vermelhos.

A vantagem da infusão de EPO como alternativa à transfusão de sangue é que ela estimula a produção endógena (produzida pelo próprio organismo) de células sanguíneas, evitando a necessidade de transfundir sangue doado. Isso pode ser especialmente benéfico para pacientes que têm objeções religiosas ou preocupações com a transfusão de sangue de outras pessoas.

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Perguntas frequentes

  1. O que é a medicina transfusional?
    A medicina transfusional é uma especialidade médica que lida com a coleta, armazenamento, tipagem e transfusão de sangue e seus componentes para tratar pacientes com necessidades transfusionais.
  2. Qual a importância da doação de sangue?
    A doação de sangue é essencial para garantir o suprimento de sangue e seus componentes para pacientes que necessitam de transfusões, cirurgias, tratamento de doenças ou ferimentos graves.
  3. Quais são os requisitos básicos para ser um doador de sangue?
    Os requisitos básicos para ser um doador de sangue incluem ter idade entre 16 e 69 anos, pesar mais de 50 kg, estar em boas condições de saúde, não estar em jejum e não ter comportamentos de risco para doenças transmitidas pelo sangue.

Referências

  1. Manual de transfusão sanguínea para médicos. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (2017).
  2. Manual de vigilância sanitária para o transporte de sangue e componentes no âmbito da hemoterapia, 2ª edição. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), 2016.