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Meningoencefalites consistem em processos inflamatórios nas meninges do encéfalo e da medula espinhal, podendo atingir o parênquima nervoso (encefalite) e causar lesões necróticas, tóxicas, hemorrágicas e anóxicas. Podem ou não ser infecciosas, tendo como possíveis etiologias: vírus, bactérias, protozoários, fungos, helmintos, medicamentosa, hemorrágica, tumoral, imune e alérgica. Abordaremos as principais meningoencefalites de causa bacteriana.
Etiologia
Em geral, a bactéria envolvida relaciona-se com a faixa etária do paciente. Em recém‑nascidos, até os 3 meses, os agentes mais comuns são estreptococos do grupo B, enterobactéria ou listeria monocytogenes; em crianças de 3 meses a 5 anos, são os hemófilos, pneumococos ou meningococos; entre 5 e 60 anos, são mais comuns pneumococos ou meningococos; e, acima dos 60, pneumococos, hemófilos, listeria ou gram negativos.
Alguns fatores predisponentes podem estar relacionados com a etiologia bacteriana. O contato próximo com portador é sugestivo de infecção por meningococos ou hemófilos, meningite bacteriana de repetição e pneumonia indicam pneumococo, celulites e neurocirurgia sugerem S. aureus; fraturas de crânio fechada, pensa-se em pneumococo ou hemófilo; já se a fratura de crânio for aberta, cogita-se estafilococo, pseudômonas ou enterobactérias.
Patogenia e transmissão
A bactéria pode chegar ao sistema nervoso central por inoculação direta (continuidade), contiguidade ou via hematogênica. Esta última é a mais frequente e requer que a bactéria se reproduza até um número ideal para ultrapassar a barreira linfática local, sobreviver na corrente sanguínea, atravessar a barreira hematoliquórica, resistir aos mecanismos de defesa do líquor e ainda atingir os plexos coroides. No espaço subaracnóideo, causam uma reação inflamatória caracterizada na fase aguda por afluxo de polimorfonucleares, além de extravasamento de proteínas plasmáticas, gerando exsudato e consequente obstrução do fluxo do líquido cefalorraquidiano (LCR), causando ao fim edema vasogênico ou citotóxico e hidrocefalia. A transmissão pode ocorrer até 24 horas após início da antibioticoterapia e sua evolução é rápida e pode ser fatal; assim, é de suma importância internamento e tratamento precoce.
Diagnóstico
Clínico
Pacientes com meningoencefalites apresentam um modo agudo de início abrupto de alguma das síndromes abaixo, sem obrigatoriedade de exibir todas ao mesmo tempo.
Síndrome infecciosa
Caracteriza-se por febre alta persistente e rebelde aos antitérmicos, palidez, fácies de doença aguda, mal-estar generalizado e anorexia; podem apresentar mialgia e astenia.
Síndrome de irritação meníngea
Resulta da inflamação das raízes nervosas e caracteriza-se por atitudes de defesa antálgicas. Predominam as contraturas dos músculos paravertebrais, presença de rigidez nucal, opistótono, hipertonia abdominal e dos sinais de Kernig, Brudzinski e Lasègue.
Síndrome de hipertensão intracraniana (HIC)
Paciente apresenta cefaleia intensa e universal, que mal responde aos analgésicos, irritabilidade, vômitos não precedidos por náuseas (vômito em jato), bradicardia e abaulamento da fontanela em neonatos e lactentes. Em caso de HIC grave, pode ocorrer herniação do parênquima encefálico com manifestações de sofrimento das estruturas intracranianas.
Síndrome encefálica
Alterações da consciência com sonolência obnubilação estupor podendo chegar ao coma.
Síndrome hemorrágica
Presença de petéquias, sendo mais comum na infecção por meningococo.
Em neonatos e lactentes: apresentam irritabilidade, baixa aceitação da dieta, hiper ou hipotonia, febre, convulsões, choque séptico, convulsão, abaulamento de fontanela e grito meníngeo.
Laboratorial
O exame mais importante para confirmar inflamação das meninges é o citoquímico do LCR, colhido, na maioria das vezes, por punção lombar. O LCR pode trazer informações etiológicas, através da bacterioscopia, cultura e testes imunológicos. Em adultos, colhe‑se 5 a 10 ml; nas crianças, 5 ml; nos recém-nascidos, 3 ml. Nas meningoencefalites bacterianas, costuma-se observar pleocitose (aumento importante da celularidade, frequentemente acima de 500 e, muitas vezes, acima de 1000) às custas de polimorfonucleares (acima de 50%); hiperproteinorraquia (acima de 40 mg/100 ml); e hipoglicorraquia (bem inferior a 40%). O líquor será encaminhado também para bacterioscopia pelo método de gram, cultura com antibiograma e pesquisa de antígenos bacterianos pelos métodos do látex, ELISA, contraimunoeletroforese (CIE), radioimunoensaio ou imunoflorescência.
A contraimunoeletroforese permite o diagnóstico de bactérias capsuladas, como pneumococo, hemófilos, meningococo, estreptococos do grupo B e Escherichia coli. Ela detecta antígenos polissacarídeos da cápsula usando anticorpos específicos e é positivo entre 55% e 80% dos casos.
A imunoflorescência é um método muito sensível e detecta listeria, pneumococos, hemófilos, estreptococos B e meningococo. O teste do látex é mais rápido, porém menos sensível, mas detecta antígenos das mesmas bactérias.
Além destes testes, realizados no LCR, [CB1] solicita-se de rotina: três hemoculturas, hemograma, glicemia, VSH, radiografia simples de tórax e dos seios da face, fundoscopia e otoscopia. Também, a tomografia computadorizada (TC) do encéfalo e idealmente a ressonância magnética (RM), quando houver evidências clínicas de hipertensão intracraniana muito elevada. A TC oferece dados indiretos da grande HIC, como hipodensidade na substância branca, apagamento dos sulcos, desvio da linha média, diminuição dos ventrículos laterais.
Complicações
Sistêmicas: choque séptico, choque cardiogênico, coagulação intravascular disseminada, distúrbios hidroeletrolíticos.
Neurológicas: lesões de pares cranianos, abscesso cerebral (hemófilos), tromboflebite de seios da dura máter, coleções subdurais (hemófilos).
Tratamento
Medidas Iniciais
Todos os casos suspeitos devem ser imediatamente hospitalizados e devem ser coletadas amostras para exames diagnósticos, além de iniciar antibioticoterapia empírica considerando faixa etária e fatores predisponentes. Além disso, atentar para qualquer sinal de complicações.
Antibioticoterapia
O esquema é empírico e baseado principalmente em faixas etárias.
0 a 3 meses
Cefotaxima (150 mg/kg/dia, divididos em 3 doses, a cada 8 horas) + ampicilina (300 mg/kg, divididos em 6 tomadas a cada 4 horas) por 21 dias.
3 meses a 5 anos
Cefotaxima (até dois anos) ou ceftriaxona (acima de 2 anos, 80 a 100 mg/kg/dia, divididos em 2 doses, a cada 12 horas) + vancomicina (30 mg/kg, divididos em 2 tomadas a cada 12 horas) por 10 a 14 dias.
5 a 60 anos
Ceftriaxona (na faixa pediátrica, 80 a 100 mg/kg/dia, divididos em 2 doses, a cada 12 horas – adultos usam 2 ga cada 12 horas), por 10 a 14 dias + Vancomicina (posologia já mencionada), por 7 a 12 dias.
Acima de 60 anos
Ceftriaxona + Ampicilina + Vancomicina por 7 dias para meningococo, por 12 a 14 dias para pneumococo e hemofilia, e 21 dias para bacilo gram negativo.
Profilaxia
A quimioprofilaxia antimicrobiana deve ser feita para contatos íntimos de pacientes com meningococos ou hemófilos e consiste em: rifampicina, (crianças, 20 mg/kg/dia/VO, divididos em duas doses a cada 12 horas; adultos, 600 mg/VO de 12 em 12 horas) por 2 dias para meningococo e 4 dias para hemofilia.
Outra opção é a ceftriaxona IM, 250 mg para adultos e 125 mg para crianças, ambos em dose única. A vacina antimeningocócica contra meningococos A e C é recomendada, especialmente durante surtos/epidemias.
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O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
LONGO, Dan L. Harrison: princípios de medicina interna (18a. McGraw Hill México, 2012.
GONÇALVES, Helena Caetano et al. Meningite no Brasil em 2015: o panorama da atualidade. Arquivos Catarinenses de Medicina, v. 47, n. 1, p. 34-46, 2018.
DAS NEVES SZTAJNBOK, Denise Cardoso. Meningite bacteriana aguda. Revista de pediatria SOPERJ, v. 13, n. 2, p. 72-76, 2012.