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Morte Encefálica (ME): como aplicar o protocolo?

Morte Encefálica (ME): como aplicar o protocolo?

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Entenda como aplicar o protocolo de morte encefálica! Bons estudos!

Porque conhecer o protocolo de Morte Encefálica?

O protocolo de morte encefálica é considerada, pelo Conselho Federal de Medicina, de caráter urgente. Por esse motivo, ele é preciso e padronizado, para que possa ser realizado por todos os médicos no Brasil.

Ter conhecimento sobre esse processo é indispensável para todo médico, sobretudo quando atuante em Unidade de Terapia Intensiva, lidando quase que constantemente com a finitude da vida.

Pensando nisso, é importante saber que as maiores causas que levam à morte encefálica no Brasil são o AVC e o TCE, eventos de frequência no país.

Por isso, você, médico, deve entender o que é a morte encefálica e compreender o processo para que ela seja determinada.

Doenças que cursam com quadro parecido com a Morte Encefálica

Algumas doenças possuem “mímicas” de morte encefálica, mas não o são. Assim, é importante estar atento se esse é o caso do seu paciente.

Como vai ser detalhado, 3 condições em que se realiza os testes para a Morte Encefálica: coma não perceptivo, ausência de reatividade supraespinhal e apneia persistente. Com isso, temos que:

  • Bloqueio neuromuscular:
    • Síndrome de Guillain-Barré (de evolução desfavorável);
    • Botulismo;
  • Hipotermia
  • Intoxicação por drogas:
    • Tricíclicos;
    • Lidocaína;
    • Sedativos, incluindo barbitúricos;
    • Ácido volproico;
    • Bupropiona.
  • Lesão de coluna/medula alta;
  • Síndrome de Locked-in (paciente somente tem movimento ocular preservado).

A determinação da Morte Encefálica

Antes que a avaliação da morte encefálica tenha início, a família do paciente deve ser notificada. Assim, é possível que ela tenha o direito de acionar um médico que seja de sua confiança, que pode acompanhar todos os procedimentos.

Outro ponto importante é ter em mente que cada equipe tem um papel distinto. A equipe que está cuidando do paciente e a equipe que aborda a questão da doação de órgãos com a família são diferentes.

Por fim, os procedimentos que atestam a morte encefálica podem ser realizados apenas em pacientes que estejam em coma não perceptivo, ou seja, quando não há um despertar. Além desse caso, ausência de reatividade supraespinhal e apneia persistente.

Para verificar a existência dessas situações, avaliar o não despertar do paciente (coma não perceptivo), teste dos reflexos de tronco (reatividade supraespinhal) e o teste de apneia.

A determinação da morte encefálica pode ser dividida didaticamente da seguinte maneira:

  1. Fase preparatória:
    • Identificar a causa da morte
    • Afastar diagnósticos conflitantes
  2. Fase de exame:
    • Otimização do paciente
    • Pré-oxigenação
    • Exame neurológico inicial: a tríade coma, arreflexia e apneia
    • Repetição dos itens anteriores dessa fase após um intervalo adequado
  3. Fase de exame documental:
    • Preenchimento dos formulários
    • Comunicação à família do resultado
    • Comunicação aos órgãos de saúde responsáveis

Na fase preparatória, ao identificar a causa da morte e afastar diagnósticos conflitantes é obrigatório que fatores de confusão e diagnóstico diferencial sejam excluídos. Por isso, é importante que distúrbios metabólicos, em especial, já que podem levar a um coma reversível, sejam identificados e afastados.

Quais são situações de destaque no protocolo de Morte Encefálica?

Duas situações que merecem destaque na determinação de morte encefálica são a hipotermia e o uso recente de medicamentos.

Hipotermia

A hipotermia é uma situação comum em possíveis doadores de órgãos. Apesar disso, a temperatura do paciente se mantém próximo à niveis normais.

morte encefálica
Figura 1: Repercussões da hipotermia no paciente com morte encefálica.

A sua causa é atribuída à destruição de termorreguladores do hipotálamo. Essa condição provoca efeitos negativos para o organismo do doador como, por exemplo, variação na atividade cardíaca, além da dissociação de hemoglobina também ser diminuída.

Por isso, é importante que o paciente seja reaquecido à 35°C. Assim, outras consequências da hipotermia, como hiperglicemia e distúrbios de coagulação sejam revertidos.

Uso recente de medicamentos

O uso de sedativos e alguns anestésicos podem simular a ME. Dessa forma, você deve afastar seus efeitos ao suspeitar de morte encefálica.

Em doses altas, essas drogas podem levar a uma perda parcial dos reflexos do tronco cerebral. Entretanto, não é possível não haver nenhuma circulação dessas drogas, e nem mesmo mensurar a quantidade de droga circulante no corpo do paciente.

Por isso, é interessante ter conhecimento sobre a meia-vida das medicações que foram administradas no paciente. Geralmente, elas levam até cinco meia-vidas para que sejam eliminadas pelo organismo.

Para pacientes em estado crítico e em uso de drogas para hipertensão intracraniana, você e a equipe devem observar o paciente por 24h para que seja realizada a avaliação de morte encefálica.

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Tabela 1: Formas de metabolização, excreção e meia-vida dos principais agentes sedativos utilizados em UTI. Fonte: Medicina Intensiva Abordagem Prática, 3ª ed.
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Tabela 2: Formas de metabolização, excreção e meia-vida dos principais agentes antiepilépticos utilizados em UTI. Fonte: Medicina Intensiva Abordagem Prática, 3ª ed.

Preparação do caso de Morte Encefálica

A preparação do caso acontece após o afastamento de diagnósticos diferenciais.

Devem ser realizados então alguns exames clínicos e complementares, com intervalos definidos para cada faixa etária, da seguinte maneira:

  • 7 dias a 2 meses incompletos – intervalo de 48 horas.
  • 2 meses a 1 ano incompleto – intervalo de 24 horas.
  • 1 ano a 2 anos incompletos – intervalo de 12 horas.
  • Acima de 2 anos – intervalo de 6 horas.

É importante que essa avaliação seja realizada por médicos diferentes, que não sejam da equipe de transplantes. Além disso, pelo menos um dos médicos deve ser neurologista ou neurocirurgião.

Como mencionado acima, é realizado um teste de apneia, e somente nesse momento o paciente não é oxigenado. Fora esse momento, é oferecido oxigênio a ele durante toda sua avaliação, a fim de evitar complicações durante o teste de apneia.

O teste de apneia é realizado quando o paciente não respondeu a nenhum outro exame realizado, e por esse motivo é deixado por último. Assim, são observados os movimentos de inspiração e expiração voluntárias, sem ajuda de aparelhos.

Durante o teste, os valores de PaO2 devem estar em torno de 200 mmHg e de PaCO2 entre 35 e 40 mmHg durante a realização da prova clínica.

Exame neurológico na Morte Encefálica

O exame neurológico baseia-se em uma tríade:

  • Coma
  • Ausência de reflexos supraespinhais
  • Hiperpneia

A única informação que interessa para diagnosticar a morte encefálica é a reatividade supraespinhal.

O estímulo ao paciente deve ser feito nos membros, na face. Isso tem como objetivo se evitar o erro de diagnóstico nos indivíduos que possuem lesão medular alta.

Ao final do exame neurológico, o paciente deve apresentar a pontuação 3 na escala de coma de Glasgow, que é a escala mais aceita para avaliação de grau de alerta comportamental.

Todos os reflexos do tronco encefálico devem ser avaliados os reflexos:

  • Fotomotor (direto e consensual)
  • Corneopalpebral (direto e consensual)
  • Oculocefálico
  • De tosse
  • Vestíbulo-ocular (prova calórica): com cabeceira elevada a 30°, tendo sido avaliada a ausência de qualquer coisa que obstrua o conduto auditivo, como sangue ou cerume. Deve-se instilar 50mL de soro fisiológico ou água, a 0°C.
  • Engasgo

A última fase é a de apneia diante da hipercarbia. É induzido no paciente um parâmetro de PaCO2 de 55mmHg, afim de provocar uma resposta respiratória habitual, caso o paciente não esteja em morte encefálica.

Para isso, é realizada uma oxigenação contínua (FiO2= 100%) por 10 minutos. Em seguida, o ventilador é desconectado, e é inserida uma sonda com O2 a 6L/min, garantindo a oxigenação durante o exame. Por fim, é observado durante 10 minutos possíveis movimentos torácicos e abdominais. Através de uma gasometria arterial, confirma-se o valor de PaCO2 de 55mmHg (ou mais).

Caso o paciente não tenha movimentos respiratórios, fala a favor da morte encefálica. Em 6 horas, outro médico deve repetir o teste, provando que não houve mudanças com o tempo.

Exame complementar

Essa fase visa comprovar a ausência de perfusão cerebral, atividade elétrica ou atividade metabólica.

Para que isso seja comprovado, podem ser realizados exames como:

  • Angiografia cerebral
  • Tomografia por emissão de fóton único (SPECT)
  • Cintilografia isotópica
  • Eletroencefalograma (EEC)
  • Doppler transcraniano
  • Tomografia por emissão de pósitrons (PET)
  • Tomografia computadorizada por xenônio

Algumas perguntas devem nortear a escolha do exame a ser realizado no paciente para avaliação de morte encefálica. Uma delas é: qual é a avaliação adequada para o paciente em questão? Qual exame disponível na unidade tem alguém mais experiente e capacitado como operador?

Após a escolha e realização do exame, o médico responsável deve escrever um laudo cauteloso, descrevendo os achados no exame escolhido.

Procedimentos médico legais

Terminadas as realizações dos exames, devem ser anotados no prontuário do paciente os achados. A declaração de morte encefálica devem ser assinados por todos os médicos que participaram do processo diagnóstico.

Além disso, hora do óbito é assinada como o horário em que foi completado o processo de morte encefálica.

Por último, comunicação à família deve ser feita pelos membros das Organizações de Procura de Órgãos ou das Centrais de Transplante, a depender do estado.

Sugestões de leitura complementar

Perguntas Frequentes:

1 – Quais são as situações que não permitem diagnóstico de morte encefálica?

Duas situações que merecem destaque na determinação de morte encefálica são a hipotermia e o uso recente de medicamentos.

2 – É necessário o exame complementar para diagnosticar morte encefálica?

Apesar de controverso, o protocolo brasileiro exige para comprovar a ausência de perfusão cerebral, atividade elétrica ou atividade metabólica.

3 – Como é o exame físico para determinar morte encefálica?

Se baseia na falta de resposta aos estímulos reflexos de tronco encefálico, na presença de coma com escala de coma de Glasgow pontuando 3 e na hipercapnia.

Referências

  • AZEVEDO, Luciano César Pontes de; TANIGUCHI, Leandro Utino; LADEIRA, José Paulo; MARTINS, Herlon Saraiva; VELASCO, Irineu Tadeu. Medicina intensiva: abordagem prática. [S.l: s.n.], 2018.
  • Associação Brasileira de Transplantes de órgãos. Disponível em: < https://bit.ly/3ANw1BM >.
  • Legislação de transplantes de órgãos. Disponível em: < http://www.saude.ba.gov.br/transplantes/legislacao-sobre-transplantes/ >.