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Nefropatia diabética: como rastrear e evitar a progressão da doença?

Nefropatia diabética: como rastrear e evitar a progressão da doença?

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Imagem de perfil de Virgínia Costa Marques

Principal causa do estágio final da doença renal (ESRD) – a falência renal crônica –, a nefropatia diabética é uma complicação crônica microvascular da diabetes mellitus, que ocorre em até 40% dos diabéticos do tipo I dependentes de insulina e dos diabéticos do tipo II. Com base nisso, vê-se que os rins são os alvos primários do diabetes.

A nefropatia diabética a afeta principalmente os glomérulos renais e agrupa lesões que normalmente ocorrem concomitantemente no rim diabético. As alterações glomerulares englobam o espessamento da membrana basal glomerular, esclerose mesangial difusa (aumento difuso na matriz mesangial)e glomerulosclerose nodular, em que as lesões glomerulares tomam a forma de nódulos de matriz situados na periferia do glomérulo.

Além disso, lesões vasculares renais e pielonefrite estarão presentes. A lesão vascular renal mais comum no caso é a arteriosclerose, que afeta a arteríola aferente e a eferente, sendo que essa arteríola raramente sofre esclerose em pacientes não diabéticos. Já a pielonefrite é uma inflamação renal aguda ou crônica que geralmente começa no tecido intersticial e depois se espalha, afetando os túbulos.

Tal conjunto de lesões ocorre como consequência do defeito metabólico que configura o DM, qual seja, a deficiência de insulina e hiperglicemia daí decorrente, em especial nos diabéticos não controlados e nos hipertensos.

Todos esses fatores contribuem para a perda de podócitos glomerulares, que sofrem apoptose ou se destacam das membranas basais, levando aos sinais apresentados pelo paciente.

Achados laboratoriais

São justamente os achados laboratoriais do paciente que definem de forma adequada da nefropatia diabética, como um aumento na excreção urinária de albumina e redução da função renal, refletida no aumento da concentração sérica de creatinina e na redução no clearance de creatinina ou na redução da taxa de filtração glomerular.

No entanto, como inicialmente o paciente portador de nefropatia diabética é assintomático, para que as condições mencionadas acima possam ser detectadas precocemente, nos diabéticos do tipo 1, deve ser realizado rastreamento anual a partir do quinto ano do diagnóstico do DM, ou antes, se o paciente for adolescente ou se for persistentemente descompensado. Já os diabéticos do tipo 2 devem começar a ser rastreados a partir do diagnóstico da diabetes.

Rastreio

O rastreio e a progressão da doença podem ser avaliados por meio da quantificação da albuminúria, uma vez que a albumina tende a aparecer na urina antes das demais proteínas séricas no curso da lesão glomerular renal. Assim, a microalbuminúria é identificada em exame de urina rotina (urina tipo I) e sua elevação deve ser confirmada em pelo menos duas de três coletas, dentro de três a seis meses de intervalo.

A microalbuminúria ocorre em virtude dos danos à estrutura da membrana glomerular e aos vasos renais, de tal forma que os rins se tornam incapazes de realizar a filtragem adequada das substâncias e, assim, permitem a passagem de proteínas de alto peso molecular.

Nesse sentido, a excreção de proteínas, que era limitada a 10mg/dL ou a 150mg/24h, passa a apresentar valores entre 30 e 300mg/dia e, quanto maior a excreção urinária de albumina, maior será o risco de progressão para estágios evolutivos subsequentes de lesão renal. Ademais, a microalbuminúria em pacientes diabéticos contribui para aumentar a taxa de mortalidade cardiovascular, independentemente da mortalidade renal.

Além da microalbuminúria, o monitoramento da nefropatia diabética deve ser feito também com base nos níveis de creatinina sérica, associados à taxa de filtração glomerular. Nesse ponto, deve ser feita a ressalva de que a análise isolada da creatinina sérica não pode ser utilizada para avaliar a função renal, já que seus valores sofrem alteração por fatores, tais como a massa muscular do paciente, a ingestão de proteínas, além de sofrer secreção tubular, podendo tal fato mascarar uma lesão glomerular aguda.

Assim, a depuração renal, que relaciona a taxa de excreção urinária de um material à sua concentração plasmática, é extremamente importante para o diagnóstico e para o monitoramento da nefropatia diabética.

Isso, porque fisiologicamente a excreção urinária de creatinina tem valores discretamente menores que sua produção, mas a discrepância aumenta de forma progressiva com a diminuição da função renal, justificando o aumento dos níveis séricos dessa proteína e a redução da TFG na nefropatia diabética.

Estágios evolutivos da lesão renal

Com base nos achados laboratoriais, a doença renal pode ser classificada em estágios evolutivos. De acordo com a National Kidney Foundation, organização de saúde voluntária dos Estados Unidos, essa classificação pode ser feita de acordo com os níveis de TFG:

  • Estágio 1: lesão renal com TFG normal ou aumentada (≥ 90ml/min/1,73m2);
  • Estágio 2: lesão renal com leve diminuição da TFG (60-89ml/min/1,73m2);
  • Estágio 3: moderada diminuição da TFG (30-59ml/min/1,73m2);
  • Estágio 4: grave diminuição da TFG (15-29ml/min/1,73m2);
  • Estágio 5: insuficiência renal terminal (< 15ml/min/1,73m2) ou diálise.

Por outro lado, a nefropatia diabética também pode ser classificada de acordo com seu curso clínico em três estágios:

  • Nefropatia incipiente: trata-se do início da disfunção renal, em que a excreção urinária de urina perfaz valores entre 20 e 200mg/L e a TFG é estável ou aumentada, característico da hiperfiltração inicial. Nessa fase, o paciente já apresenta alterações histopatológicas renais, como espessamento da membrana basal glomerular e aumento do volume do mesângio. Nesse primeiro estágio, é possível estabilizar ou ainda regredir a doença, desde que a terapêutica seja precoce;
  • Clínica: estágio caracterizado pela presença de proteinúria persistente superior a 500mg/24h, excreção urinária de urina superior a 200mg/L e declínio considerável da TFG. Uma vez estabelecida a proteinúria, haverá perda progressiva da função renal;
  • Doença renal crônica: com a cronicidade da doença, ocorre perda da função renal associada à diminuição importante da TFG e aumento da uremia.

Tratamento

A abordagem terapêutica da nefropatia diabética abrange diversos aspectos correlacionados entre si:

  • Controle da glicemia e da hipertensão arterial, que levam à redução da albuminúria e do declínio da TFG, retardando, assim, a evolução da nefropatia;
  • Restrição nutricional de proteínas, aliviando os sintomas da uremia e retardando o declínio da função renal;
  • Agentes hipolipêmicos, visando preservar a TFG e reduzir a proteinúria, além de prevenir o desenvolvimento ou a progressão de doenças vasculares;
  • Abandono do tabagismo, que está relacionado a complicações renais e ao aumento da taxa de excreção urinária de albumina.

Diante desse cenário, conclui-se que a nefropatia diabética tem extrema importância no curso do DM, além de estar associada a uma alta frequência de morte por distúrbios cardiovasculares. Por essas razões, as investigações laboratoriais devem ser feitas adequadamente nos diabéticos para que seja possível diagnosticar a nefropatia precocemente e, assim, iniciar o tratamento visando melhorar a qualidade de vida do paciente.

Autoria: Virgínia Costa Marques