Carreira em Medicina

Nervo Vago: anatomia e funções | Colunistas

Nervo Vago: anatomia e funções | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Imagine que você tenha acabado de saborear deliciosos pratos em um almoço em família e que agora decidiu descansar. Você se sente completamente em repouso que quase cai num sono.

Apesar de não perceber, nesse momento uma importante divisão do sistema nervoso está trabalhando incansavelmente, o sistema nervoso parassimpático.

Ele diminui os batimentos cardíacos, regula a respiração e lhe prepara para o processo de digestão. Nesse meio, uma indispensável estrutura medeia e permite com que essas respostas se deem de maneira adequada, que é o nervo vago.

1. Anatomia

Nervo Vago e seus ramos
Fonte: Kenhub

O nervo vago, o maior dos nervos cranianos, é misto, isto é, apresenta componentes tanto sensitivos quanto motores, sendo essencialmente visceral.

Seu nome provém do latim e significa vagar, simbolizando a amplitude de distribuição desse nervo no corpo. Anteriormente, foi chamado de nervo pneumogástrico.

Ele emerge do sulco lateral posterior do bulbo, sob a forma de filamentos radiculares, e sai do crânio pelo forame jugular, passa pelo pescoço, tórax, até chegar ao abdome.

O nervo possui dois gânglios sensitivos: o superior ou jugular, ao nível do forame jugular; e o inferior ou nodoso, situado logo abaixo desse forame.

Devido a sua grande distribuição pelo corpo, ele possui 10 ramos: meníngeo, auricular, faríngeo, laríngeo, cardíaco, pulmonar, esofágico, gástrico, celíaco e hepático.

Componentes funcionais do Nervo Vago:

  1. Fibras aferentes viscerais gerais: muito numerosas, conduzem impulsos originados na faringe, laringe, traqueia, esôfago, vísceras do tórax e abdome;
  2. Fibras eferentes viscerais gerais: responsáveis pela inervação parassimpática das vísceras torácicas e abdominais;
  3. Fibras eferentes viscerais especiais: inervam os músculos da faringe e da laringe. O nervo motor mais importante da laringe é o nervo laríngeo recorrente do nervo vago, cujas fibras, entretanto, são, em grande parte, originadas no ramo interno do nervo acessório;
  4. Fibras aferentes sensoriais gerais: conduzem informação sensorial proveniente da laringe, aurícula, meato acústico externo e dura-máter da fossa craniana posterior.

2. Núcleos vagais

Existem quatro núcleos vagais localizados no bulbo do tronco encefálico, são eles: o núcleo ambíguo, o núcleo motor dorsal, o núcleo do trato solitário e o núcleo espinhal do nervo trigêmeo.

Núcleo e gânglios vagais;
Fonte: Kenhub
  1. Núcleo ambíguo: os neurônios do núcleo ambíguo coordenam a resposta vagal ao trato gastrointestinal superior, esôfago, esfíncter esofágico inferior, faringe, laringe e palato mole. Sua localização no tronco encefálico é na formação reticular ventrolateral, anteriomedialmente ao núcleo trigeminal espinal e posteriormente ao complexo nuclear olivar superior.
  2. Núcleo motor dorsal: o restante do trato gastrointestinal até a flexura esplênica fica sob influência do neurônios parassimpáticos pré-ganglionares do núcleo motor dorsal do vago. Além do mais, suas fibras eferentes parassimpáticas atuam sobre o pulmão. Ele se encontra bilateralmente ao longo do canal central, posteriormente ao núcleo do nervo hipoglosso e anteriormente ao quarto ventrículo. Os neurônios desse núcleo são divididos de acordo com características químio e citoarquitetônicas em colinérgicos e não colinérgicos. A divisão intermediária das células do núcleo motor dorsal do vago é responsável pela resposta vagal do pâncreas e do trato gastrointestinal.  Como esses neurônios são pré-ganglionares, o neurotransmissor prevalente é a acetilcolina.
  3. Núcleo do trato solitário: recebe aferências de órgãos viscerais e informação do paladar. É receptor e responde às atividades dos sistemas cardiovascular, respiratório e gastrointestinal.
  4. Núcleo espinhal do nervo trigêmeo: retransmite informação de dor, temperatura e toque grosseiro da orelha externa, da fossa craniana posterior e da mucosa da laringe.   

3. Embriologia

Embrião com 6 semanas.
Nervo Vago como número 10;
Fonte: wikimedia

A partir do 4º e 6º arco faríngeo, surge o nervo vago. Esses arcos são resultados da invaginação do mesoderma de ambos os lados da faringe. Os corpos celulares das células sensoriais do gânglio nodoso, por sua vez, originam-se do 2º e 3º placoides epibranqueais.

Dado que o nervo vago é um nervo misto, ele apresenta fibras A, B e C, de acordo com o nível de mielinização e da velocidade de condução de seus impulsos. As fibras A e B são mielínicas, enquanto a C não.

A formação da bainha de mielina inicia-se entre 14 a 17 semanas após a concepção e segue até 10 semanas após o nascimento. O nível de mielinização dessas fibras determina crucialmente as diferentes respostas à estimulação vagal.

4. Ramos

4.1. Ramos na Fossa Jugular

Ramo Auricular;
Fonte: Kenhub

a) Ramo meníngeo: é um ramo que surge a partir do gânglio jugular ou superior e que reentra no crânio para inervar, por meio de fibras aferentes gerais, a dura-máter da fossa craniana posterior.

b) Ramo auricular: também chamado de nervo de Arnold, emerge a partir do gânglio jugular ou superior e se reinsere no crânio pelo canalículo mastóideo. Posteriormente, sai do crânio pela sutura timpanomastóidea.

Ele proporciona inervação sensorial da orelha (aurícula), meato acústico externo e a membrana timpânica externa.

4.2. Ramos no pescoço

Nervo Laríngeo Superior;
Fonte: Kenhub

a) Nervo faríngeo: o ramo faríngeo parte do gânglio inferior ou nodoso e se divide em filamentos para formar o plexo faríngeo com ramos do nervo acessório e o nervo laríngeo externo. Supre todos os músculos da faringe e do palato mole exceto estilofaríngeo, tensor do véu palatino, constritor faríngeo superior e médio, levantador do véu palatino, salpingofaríngeo, palatofaríngeo e palatoglosso.

b) Nervo laríngeo superior: é uma estrutura do quarto arco branquial, logo inerva as derivações faríngeas e laríngeas desse arco. Suas fibras aferentes derivam do gânglio inferior ou nodoso. Além disso, o gânglio cervical superior fornece algumas fibras que se incorporam a esse nervo. Ao passar por entre a carótida interna e externa, ele se divide em dois: ramo interno e ramo externo. Este inerva o músculo cricóide, enquanto aquele entra na laringe e supre a mucosa acima da glote.

c) Nervo laríngeo recorrente: também chamado de nervo laríngeo inferior, divide-se em dois, um do lado esquerdo e outro do direito. É assim chamado porque possui um trajeto recorrente, contrário ao tronco nervoso do qual se originou.

Esse nervo possui fibras eferentes branquiais. O tronco principal desse nervo é ligado medialmente ao esófago e à traqueia e lateralmente à artéria carótida comum, à veia jugular interna e ao nervo vago.

O ramo direito desse nervo ramifica-se na base do pescoço, passa por debaixo da artéria subclávia e então segue superiormente até o sulco traqueoesofágico, onde, através dele, chega à laringe.

O ramo esquerdo tem trajeto similar com a diferença de que dá a volta no arco aórtico.

Nervo Laríngeo Recorrente;
Fonte: wikimedia

d) Ramos cardíacos superiores: surge a partir de ramificações do vago a nível superior e inferior do pescoço, sendo, por isso, formado por dois ramos para cada lado do corpo.

O ramo esquerdo superior atravessa profundamente o arco aórtico e se mescla com o plexo cardíaco profundo, enquanto o ramo esquerdo inferior desce até o arco aórtico e se junta ao plexo cardíaco superficial.

Os ramos direito executam o mesmo trajeto, divergindo-se no plexo cardíaco profundo.

4.3. Ramos no tórax

Nervo Cardíaco Inferior;
Fonte: Kenhub

a) Nervo cardíaco inferior: do lado esquerdo, o nervo cardíaco inferior surge a partir do nervo laríngeo recorrente; do lado direito, ele provém do tronco vagal, abaixo da traqueia. Ambos os ramos desse nervo irão inervar o plexo cardíaco.

b) Pulmonar anterior: localizado na superfície anterior da raiz pulmonar, com 2 a 3 ramos. Junto com o tronco simpático, forma o plexo pulmonar anterior que inerva a árvore brônquica e a pleura visceral.

c) Pulmonar posterior: localizado na raiz posterior do pulmão, forma o plexo pulmonar posterior com os terceiro e quarto gânglios torácicos do tronco simpático. Inerva as mesmas estruturas que as do ramo pulmonar anterior.

d) Esofágico: mescla-se com ramos viscerais provenientes do tronco simpático e forma o plexo esofágico, estendendo-se acima e abaixo do plexo pulmonar.

4.4. Ramos no abdome

a) Gástricos: os ramos do vago direito formam o plexo gástrico posterior na superfície póstero-inferior do estômago, ao passo que os ramos do vago esquerdo formam o plexo gástrico anterior na superfície anterossuperior do estômago.

Esta porção anterior inerva desde o esfíncter pilórico até a parte superior do duodeno enquanto aquela, junto ao tronco vagal posterior, manda fibras para o plexo autonômico abdominal maior. 

b) Celíacos: são derivados do nervo vago direito e juntas formam o plexo celíaco, que inerva pâncreas, rins, baço, suprarrenais e intestino.

c) Hepáticos: são derivados do nervo vago esquerdo e formam o plexo hepático, que inerva o fígado.

5. O controle vagal da função gastrointestinal

Plexos abdominais do Nervo Vago.
Fonte: Kenhub

O controle vagal do Trato Gastrointestinal (TGI) pode ser descrito de duas formas: a primeira, pela aquisição de sinais periféricos pelas fibras aferentes vagais, processados pelo núcleo do trato solitário e retransmitidos ao núcleo motor dorsal do vago; e o segundo envolve a ativação direta de neurônios do núcleo motor dorsal do vago, os quais agem diretamente sobre o TGI.

O processo de distensão mecânica do TGI ativa dois tipos de receptores: as terminações laminares intraganglionares e as matrizes musculares.

O primeiro tipo de receptor atua como um detector de baixo limiar de tensão. Inversamente, o segundo tipo, apesar de que pouco ainda se saiba a respeito, são receptores de estiramento ativados por forças de cisalhamento ao longo de seu eixo maior.

O sensoriamento dos nutrientes é, também, um importante mecanismo vagal de regulação das funções gastrointestinais. Quando o alimento é detectado no lúmen desse trato, células enteroendócrinas secretam leptina no intestino e colecistoquinina no intestino delgado.

Próximo a essas células, há terminais aferentes vagais que apresentam, de fato, receptores para esses peptídeos. Além disso, em experimentos com ratos, a colecistoquinina circulante mostrou também atuar sobre os núcleos centrais do vago, que promovem a diminuição do tônus e a motilidade gástrica, e aumentam a secreção pancreática.

Além do mais, observou-se em algumas pesquisas que alguns outros peptídeos como o GLP-1 e a grelina agem sobre receptores do nervo vago no intestino. 

Ambos foram responsáveis por ativar uma reposta vagal aferente, bem como os próprios neurônios do complexo vagal dorsal. Enfoca-se a grelina, um importante hormônio de função orexigênica, que tem sua secreção regulada pelo circo circadiano de alimentação.

É um hormônio que age no receptor secretagogo do hormônio de crescimento, o qual está amplamente distribuído pelo organismo, com quantidades significativas em áreas do cérebro como o hipotálamo, a hipófise, o núcleo solitário, o núcleo motor dorsal e as regiões do cérebro conectadas com estresse e resposta emocional.

6. O controle neural do pâncreas

As entradas vagais correspondem às principais entradas nervosas excitatórias do pâncreas. Os neurônios pós-ganglionares parassimpáticos nesse local apresentam o receptor nicotínico de acetilcolina, bem como de outros neurotransmissores.

Os neurônios que se projetam para o pâncreas partem de uma região específica do núcleo motor dorsal do vago, que é sua área esquerda, onde se compreendem as zonas dos ramos hepático e gástrico desse nervo.

Da mesma forma, outras regiões estabelecem ligação nervosa com o pâncreas, dentre elas, inclui-se os neurônios do núcleo do trato solitário, o núcleo espinhal do nervo trigeminal, núcleo pálido da rafe, núcleo escuro da rafe, a substância reticulada, o bulbo ventrolateral, bem como neurônios de ordem superior dos córtices pré-frontal, piriforme e gustatório.

Os neurônios do gânglio nodoso que inervam esse órgão são sensíveis à capsaicina, e se observa uma diferença de inervação de acordo com as zonas desse gânglio.

A parte esquerda desse gânglio inerva o lóbulo esplênico, enquanto a parte direita inerva o lobo pancreático duodenal, apesar de que ambas ajam sobre a região da cabeça do pâncreas.

A consequência fisiológica da estimulação pancreática do nervo vago inclui o aumento da secreção endócrina e endócrina por circuitos distintos.

Os neurônios do núcleo motor dorsal do vago, responsáveis pela secreção endócrina do órgão, respondem a GLP-1, porém não a colecistoquinina nem polipeptídeo pancreático, para os quais os neurônios da secreção exócrina são responsivos.

7. Estimulação elétrica do vago

Dispositivo de estimulação elétrica vagal.
Fonte: Getty Images

É uma técnica que visa a exploração do potencial terapêutico do nervo vago através da estimulação elétrica nervosa, pela implantação de um eletroestimulador ao nível do tórax, nas proximidades do nervo vago esquerdo.

Foi aprovado em 1997 para o tratamento de epilepsia refratária, e em 2005 para depressão crônica resistente ao tratamento farmacológico.

As hipóteses de sua eficácia residem na possibilidade de diminuição da liberação de norepinefrina, de aumento da liberação do neurotransmissor GABA ou da inibição da atividade cortical.

Pesquisas recentes têm buscado encontrar potencial para o tratamento de doenças neurodegenerativas como o Alzheimer e a esclerose múltipla.

8. Vagotomia

É um procedimento cirúrgico no qual uma parte do nervo vago é reduzida com o intuito de diminuir a secreção de ácido clorídrico no estômago. Geralmente, é recorrida em pacientes com úlcera péptica.

Existem vários tipos que variam conforme a necessidade do paciente. Alguns tipos são:

  1. Troncular: desenervação do tronco do vago antes de sua entrada no abdome.
  2. Seletiva: separação entre os nervos anterior e posterior de Latarjet e a desenervação do piloro.
  3. Altamente seletiva: desenervação do fundo e do corpo do estômago, preservando o antro e o piloro.
Vagotomia;
Fonte: Getty Images

Gosta do assunto? Confira mais sobre ele no nosso Medicina Resumida de Sistema Nervoso!

Confira o vídeo: