A urgência da pandemia e a ausência de um tratamento eficaz contra a infecção por coronavírus 2 (SARS-CoV-2) têm levado médicos a utilizarem medicamentos já conhecidos por serem eficazes para outras condições médicas agora para o tratamento da COVID-19.
Os protagonistas desse movimento são as drogas antimaláricas cloroquina e seu análogo hidroxicloroquina, amplamente usados no tratamento de doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide. Esses fármacos demonstraram, em laboratório, propriedades antivirais bem como efeitos imunomoduladores.
No entanto, o uso dessa classe de medicamentos para o tratamento da COVID-19 baseia-se em um pequeno número de experiências que mostraram respostas variáveis em análises observacionais não controladas e em pequenos ensaios clínicos randomizados e abertos que têm sido amplamente inconclusivos.
A associação do antimalárico com um macrolídeo de segunda geração, como a azitromicina (ou claritromicina), também vem sendo defendida, apesar das evidências limitadas de sua eficácia.
Estudos anteriores demonstraram que o tratamento com a cloroquina, hidroxicloroquina, ou qualquer droga combinada com um macrolídeo pode ter o efeito adverso cardiovascular no intervalo QT, o que poderia ser um mecanismo de predisposição às arritmias ventriculares e morte.
O estudo publicado pelo The Lancet faz uma análise multinacional de registro do uso de hidroxicloroquina ou cloroquina com ou sem um macrolídeo para o tratamento de COVID-19 e seu desfecho. 671 hospitais de 6 continentes participaram do estudo.
Foram incluídos os pacientes:
- internados entre 20 de dezembro de 2019 e 14 de abril de 2020;
- com um resultado laboratorial positivo para SARS-CoV-2;
- que receberam um dos tratamentos de interesse dentro de 48 horas após o diagnóstico (cloroquina isolada, cloroquina com macrolídeo, hidroxicloroquina isolada ou hidroxicloroquina com macrolídeo).
Foram excluídos os pacientes:
- para quem um dos tratamentos de interesse foi iniciado mais de 48 horas após o diagnóstico ou enquanto estavam em ventilação mecânica;
- que receberam remdesivir.
O grupo controle foram os pacientes que não receberam nenhum dos tratamentos de interesse. Já os principais desfechos de interesse foram a mortalidade hospitalar e a ocorrência de arritmias ventriculares.

O perfil do estudo (figura 1) se iniciou com 98 262 pacientes internados com COVID-19. 96 032 foram incluídos no estudo, sendo que 14 888 foram divididos nos seus respectivos grupos segundo o tratamento de interesse iniciados dentro das primeiras 48 horas após o diagnóstico.
Após o controle de múltiplos fatores de confusão (idade, sexo, raça ou etnia, índice de massa corporal, doença cardiovascular subjacente e seus fatores de risco, diabetes, doença pulmonar subjacente, tabagismo, condição imunossuprimida e gravidade da doença de base), todos os quatro esquemas de tratamento analisados neste estudo foram associados independentemente a um risco aumentado de mortalidade hospitalar além de um risco aumentado de arritmia ventricular durante a hospitalização (figuras 2 e 3).


Sendo assim, com esse estudo não foi possível confirmar algum benefício da hidroxicloroquina ou cloroquina, quando usadas isoladamente ou associadas com um macrolídeo, nos resultados hospitalares do COVID-19. Além disso, mostrou diminuição da sobrevida hospitalar e um aumento da frequência de arritmias ventriculares quando algum dos esquemas de tratamento de interesse foi usado nos pacientes com COVID-19.
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