Cirurgia geral

Nutrição do Paciente Cirúrgico | Colunistas

Nutrição do Paciente Cirúrgico | Colunistas

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As cirurgias representam uma lesão ao corpo, o que leva à uma resposta metabólica inicial em direção ao catabolismo. O estado nutricional é um dos fatores que mais influencia no resultado pós-operatório em cirurgias eletivas, já que o paciente desnutrido apresenta menor resposta imunológica e menor resistência ao estresse. A prevalência de pacientes cirúrgicos desnutridos ou em risco de desnutrição é alta e na maioria das vezes não é reconhecida ou tratada adequadamente, por isso os exames para a detecção do risco nutricional são de suma importância. 

Avaliação do estado nutricional

A triagem nutricional deve ser realizada em todos os pacientes e tem como objetivo identificar aqueles que estão desnutridos ou em risco de desnutrição, para a implementação precoce da terapia nutricional necessária. A triagem deve ser realizada em até 48 horas após a admissão hospitalar e em até 24 horas nos pacientes críticos, como vítimas de politrauma, traumatismo cranioencefálico e queimaduras de grandes proporções. Existem vários métodos de avaliação nutricional, os mais utilizados são: o NRS-2002 e a Avaliação Nutricional Subjetiva Global. Cada método tem diferentes especificidades, sensibilidades e limitações, sendo comum o uso e a comparação entre os diferentes tipos existentes.

Figura 1. NRS – 2002.
Fonte: https://pt.scribd.com/document/376101126/NRS-2002-Santa-Casa-Katharyna-1-1
Figura 2. Avaliação Nutricional Subjetiva Global.
Fonte: https://www.scielo.br/j/ag/a/yxTcttVKfY5wrTTmxH8HDFC/?lang=pt

Já que não há uma técnica “padrão ouro” de triagem, é de grande valia obter a maior quantidade de dados do paciente, tais como: história clínica e dietética, exame físico, medidas antropométricas e exames laboratoriais. Durante a anamnese, o relato de uma perda não intencional maior ou igual a 10% do peso corporal nos últimos seis meses tem correlação com déficit nutricional e com pior prognóstico. No exame físico, o paciente pode apresentar-se com redução de massa muscular, perda da força muscular e diminuição dos estoques de gordura, sendo sinais sugestivos de desnutrição. Nos exames laboratoriais, deve-se avaliar a competência imunológica e a reserva das proteínas (como a albumina, pré-albumina e a transferrina, tradicionalmente consideradas biomarcadores associados à desnutrição, porém possuem restrições já que também podem estar aumentados em estados inflamatórios ou em agudizações de doenças crônicas).                         

Cálculo da necessidade energética 

O cálculo da meta energética é essencial para a implementação da terapia nutricional, visto que tanto a hipoalimentação quanto a hiperalimentação podem levar à complicações nos pacientes. O cálculo pode ser realizado tanto pela calorimetria indireta quanto por equações preditivas. 

A calorimetria indireta é um método não-invasivo, considerado padrão ouro para a avaliação do gasto energético de repouso dos pacientes. Esse exame determina a taxa de utilização das reservas energéticas pela análise do ar inspirado e expirado pelos pulmões, mostrando o consumo de oxigênio e a produção de gás carbônico pelo metabolismo celular durante o processo de produção de energia. As equações preditivas por sua vez, baseiam-se na idade, sexo, peso, estatura e na condição clínica do paciente para determinar a necessidade energética. As equações preditivas podem ser utilizadas porém são imprecisas, sendo influenciadas por fatores como: gravidade da doença, resposta inflamatória e comorbidades existentes.

Vias de administração 

A administração da dieta pode ser feita via oral, enteral (sonda, gastrostomia ou jejunostomia) ou parenteral (periférica ou central). As vias oral ou enteral são preferíveis em comparação à parenteral, por serem mais fisiológicas, mantendo o trofismo do trato gastrointestinal, impedindo a quebra da barreira da mucosa intestinal e a translocação bacteriana, e mantendo o funcionamento do tecido linfóide intestinal e a liberação de IgA. O risco de broncoaspiração deve ser avaliado, levando em consideração as condições clínicas e as comorbidades de cada paciente (nível de consciência, presença de gastroparesia, idosos, diabéticos ou vítimas de traumatismo cranioencefálico). 

Caso a via oral não consiga fornecer 60% da meta calculada, deve ser feito o uso de sonda nasoenteral precoce no pós-operatório. A administração da dieta enteral em posição gástrica é tecnicamente mais fácil e pode diminuir o tempo para o início da nutrição. A escolha do posicionamento da sonda enteral (gástrica, primeira, segunda, terceira ou quarta posição do duodeno) leva em consideração as condições clínicas do paciente e a estrutura de cada hospital. A via parenteral só será indicada quando a via nasoenteral não for possível ou não conseguir suprir no mínimo 60% da meta por 5-7 dias. Também estará indicada em pacientes com íleo paralítico prolongado, fístulas digestivas, síndrome do intestino curto, pancreatite grave ou com pseudo-obstrução intestinal grave.

Terapia nutricional pós-operatória 

A reintrodução alimentar deve ser precoce (em até 24h de pós-operatório) caso o paciente esteja hemodinamicamente estável. A recomendação é aplicada até mesmo em casos de anastomoses digestivas. Em herniorrafias, colecistectomias por laparoscopia e cirurgias ano-orificiais, a reintrodução da dieta e hidratação por via oral deve ser imediata. Essa mudança mostrou-se positiva, ao reduzir a resistência insulínica, a reação inflamatória e o tempo de internação. Também foi demonstrado que a incidência de broncoaspiração e complicações pós-operatórias não tiveram aumento. 

Outra tendência recente seria o abandono do padrão progressivo orientado pela tradição cirúrgica da reintrodução (da dieta líquida, pastosa até a sólida), já que pode piorar o estado nutricional de pacientes previamente desnutridos e aumentar o tempo de internação hospitalar.

Conclusão 

Nos últimos anos, com o aumento do número de cirurgias e de seus custos, estudos vêm sendo desenvolvidos com foco na diminuição do tempo de recuperação e diminuição da morbimortalidade. No Brasil, a falta de leitos é um dos principais problemas do Sistema Único de Saúde, ressaltando a importância da terapia nutricional, que reduz as complicações pós-operatórias e o custo por meio do aumento da rotatividade dos leitos. Entretanto, estudos mostram que apenas uma pequena porcentagem de pacientes internados recebe a terapia nutricional adequada, evidenciando um déficit no reconhecimento da desnutrição e na condução da terapia nutricional pelos profissionais da área da saúde. 

Autora: Giovanna di Cola

Instagram: @giodicola

Referências:

Alimentação precoce no pós-operatório de cirurgias digestivas – https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/download/5126/3099/

Análise comparativa de diferentes métodos de triagem nutricional do paciente internado – https://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/analise_comparativa.pdf

BAXTER, Yara. Terapia Nutricional Enteral. In: ROSSI, Luciana; POLTRONIERI, Fabiana. Tratado de Nutrição e Dietoterapia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. cap. 81.

BORBA, Lenita. Atuação em Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional. In: ROSSI, Luciana; POLTRONIERI, Fabiana. Tratado de Nutrição e Dietoterapia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. cap. 80.

Calorimetria indireta – https://www.scielo.br/j/ramb/a/tgyrppBLQC69YKBLMRrKYdG/?lang=pt

COELHO, Alessandra et al. Pré e Pós-Operatório. In: ROSSI, Luciana; POLTRONIERI, Fabiana. Tratado de Nutrição e Dietoterapia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. cap. 83.

DIRETRIZ Brasileira de Terapia Nutricional no Paciente Grave. In: CAMPOS, Antonio Carlos et al. DIRETRIZES BRASILEIRA DE TERAPIA NUTRICIONAL. [S. l.]: Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), 2018. v. 33.

Diretriz ACERTO de intervenções nutricionais no perioperatório em cirurgia geral eletiva – https://www.scielo.br/j/rcbc/a/QrQS3Xxq5ztxp5RtCwr3JNz/?lang=pt&format=pdf 

DOCK-NASCIMENTO, Diana Borges. Triagem e Avaliação do Estado Nutricional do Paciente Cirúrgico. In: AGUIAR NASCIMENTO, José Eduardo et al. ACERTO: Acelerando a Recuperação Total Pós Operatória. 3. ed. [S. l.]: Rubin, 2016. cap. 4.

SANTOS, Dyaiane et al. Estresse Metabólico. In: ROSSI, Luciana; POLTRONIERI, Fabiana. Tratado de Nutrição e Dietoterapia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. cap. 67.

Hospital malnutrition: the Brazilian national survey (IBRANUTRI): a study of 4000 patients – https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0899900701005731

Métodos subjetivos e objetivos de avaliação do estado nutricional de pacientes oncológicos – https://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/ccs/metodos_subjetivos_objetivos_avaliacao_oncologicos.pdf

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.