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Pouco mais de seis meses após a descoberta do novo coronavírus, mais de 6,9 milhões de casos confirmados da doença e 400,4 mil mortes decorrentes do Sars-CoV-2, ainda não se sabe ao certo que substância é eficaz para o tratamento da Covid-19.
Até o final de maio, no entanto, havia pelo menos a certeza do que não funcionaria para esse fim. A cloroquina e a hidroxicloroquina não só são ineficientes, como também eram associadas à maior mortalidade entre os pacientes.
No início de junho isso mudou. Autores do estudo publicado na revista científica The Lancet assinaram retratação devido à inconsistências nos dados analisados.
A base de dados foi fornecida pela empresa americana Surgisphere, cujo fundador Sapan Desai também era autor do estudo. A empresa fundada em 2008 alegava retratar mais de 96 mil pacientes de 671 hospitais em todo o mundo.
Ainda que fosse apenas pesquisa de observação, o resultado estatístico era robusto e o volume da amostra, suficiente para dar consistência à suspeita.
O que há de errado no estudo sobre a cloroquina da Lancet?
Uma investigação feita pelo jornal The Guardian encontrou inconsistências na base de dados da Surgisphere. A publicação revelou que cinco hospitais australianos usados no estudo publicado na Lancet registravam 73 mortos em 21 de abril, quando a Universidade Johns Hopkins, referência no acompanhamento da pandemia, registrava apenas 67.
Em resposta, a Surgisphere alegou que um hospital da Ásia havia sido incluído por engano no total referente aos hospitais australianos. Mas as unidades de saúde negaram ter fornecido os dados. A Lancet publicou uma correção, mas as conclusões se manteriam intactas, ainda que fossem descartados os dados.
Diante disso, os autores decidiram por uma auditoria externa nos dados da Surgisphere, mas a empresa se recusou a fornecê-los na íntegra. O motivo alegado foi privacidade dos pacientes.
Uma segunda reportagem do The Guardian foi o estopim para a retratação dos autores, que questionava não apenas as inconsistências da Surgisphere, como também de seu fundador, Sapan Desai. Pesquisadores ouvidos pela reportagem ainda questionavam como a empresa conseguiu reunir, em tão pouco tempo, dados tão significativos e de bases tão diferentes.
O que foi descoberto contra a Surgisphere?
Como base de dados do estudo publicado na revista científica The Lancet, a Surgisphere precisa ser confiável. A reportagem do The Guardian, no entanto, trouxe algumas incongruências que colocam em xeque a credibilidade do estudo:
- A Surgisphere não conseguiu explicar adequadamente a metodologia que utilizou e os dados obtidos;
- Embora pretenda ser responsável por um dos maiores e mais rápidos bancos de dados hospitalares do mundo, a empresa quase não tem presença online;
- A página da Surgisphere no Twitter possui menos de 170 seguidores, e não tinha postagens entre outubro de 2017 e março de 2020;
- A página da Surgisphere no LinkedIn tem menos de 100 seguidores, e em uma semana saiu de 6 para 3 funcionários listados;
- O link “entrar em contato” na página inicial da Surgisphere era redirecionado para um modelo WordPress para um site de criptomoeda.
Outros estudos questionados sobre a cloroquina
O estudo sobre o uso da cloroquina e da hidroxcloroquina não foi o único a usar dados da Surgisphere. Estudo publicado na New England Journal of Medicine (NEJM) sobre efeitos colaterais de certas substâncias para pressão alta em casos de Covid-19 também usou a mesma base.
O estudo chegou à conclusão que algumas drogas não aumentavam o risco de morte. Outro estudo, publicado com a mesma base de dados, apontava os benefícios do uso da ivermectina em pacientes graves.
Por causa da inconsistência dos dados, os dois também tiveram de ser retratados.
