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O segredo das pontes intramiocárdicas | Colunistas

O segredo das pontes intramiocárdicas | Colunistas

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Pontes coronarianas intramiocárdicas são extremamente comuns em necrópsia (40-80% de prevalência), contudo, o achado de constrições sistólicas na angiografia (diagnóstico in vivo) é bem mais infrequente, ocorrendo em 0,5-16% dos exames. O comprimento dos segmentos intramiocárdico é variável – de 4 até 80mm – e mais de 2/3 ocorrem na artéria descendente anterior. Podem ser superficiais ou profundas, sendo estas menos passíveis de intervenção cirúrgica (miotomia). A repercussão hemodinâmica depende do comprimento da ponte, da espessura e característica do tecido sobrejacente.

Patofisiologia

É interessante notar que estudos com ultrassom intracoronário e necrópsias mostraram que os segmentos intramural e distal das pontes são poupados da aterosclerose, enquanto o segmento proximal é mais propenso a desenvolver placas. Isso decorre de alterações na mecânica dos fluidos logo antes da ponte, com maior estresse de cisalhamento sendo sabidamente relacionado a maior risco de formação de placas de ateroma, além de progressão mais rápida. A distância entre o segmento intramural e o tecido adiposo perivascular no epicárdio pode ser protetora de citocinas inflamatórias e adiponectinas, justificando a menor incidência de ateromatose nestas regiões. Já a preservação dos segmentos distais ainda não é bem compreendida.

Outros fatores que contribuem com a repercussão hemodinâmica da ponte intramiocárdica são progressão da disfunção diastólica, hipertensão e a hipertrofia ventricular, além de vasoespasmo e disfunção microvascular.

Há evidências de que a compressão vascular sistólica pode permanecer durante a meso e telediastólica, resultando em sintomas de isquemia por desbalanço da oferta-demanda.

Apresentação Clínica

Geralmente o diagnóstico de ponte intramiocárdica é incidental durante angiografia coronária ou necropsia, porém pacientes com sintomas de isquemia crônica, síndromes coronarianas agudas, arritmias induzidas por esforço, síncope ou morte súbita cardíaca podem ter este achado como a única anormalidade cardiovascular (o que não garante relação causal em todos os casos).

Diagnóstico

Não há consenso quando ao padrão-ouro para diagnóstico desta alteração.

Avaliação não invasiva

Tomografia computadorizada, PET e ecocardiografia com estresse já foram utilizadas no diagnóstico de ponte intramiocárdica. Há menor validação para o uso de eco stress com contraste, mas a TC com avaliação fisiológica trouxe informações importante quanto a repercussão hemodinâmica das pontes.

Avaliação invasiva

É feita pela angiografia, pela mudança de diâmetro do vaso entre a diástole e a sístole no segmento intramiocárdico. Considera-se repercussão hemodinâmica significativa quando há redução luminal máxima > 70% na sístole e persistência de redução > 35% na mesotelediástole.

Novas tecnologias como IVUS (US intravascular) e FFR (fractional flow reserve) auxiliam na avaliação de obstrução fixa no local da ponte, disfunção endotelial, espasmo (inclusive com possibilidade de teste provocativo com acetilcolina intracoronária).

Figura 1. Compressão sistólica dos segmentos coronários intramiocárdicos (efeito de “ordenha”) – setas brancas. (Disponível em:  http://dx.doi.org/10.1016/j.jacc.2014.01.04)

Classificação

A classificação mais utilizada é de Schwarz, na qual os pacientes com tipo A não demandam tratamento, tipo B e C tem indicação de associação de tratamento farmacológico (betabloqueadores ou bloqueadores de canal de cálcio) com possibilidade de intervenção (cirúrgica).

Figura 2. Classificação de Schwarz para pontes intramiocárdicas
 (Disponível em:  http://dx.doi.org/10.1016/j.jacc.2014.01.04)

Tratamento

O manejo inicial de pacientes sintomáticos é feito com medicação, reservando-se intervenção com angioplastia, miotomia ou cirurgia de revascularização para casos refratários ao tratamento clínico otimizado.

Tratamento medicamentoso

Recomenda-se tratamento agressivo dos fatores de risco modificáveis, bem como antiagregação plaquetária pelo risco aumentado de aterosclerose (segmento proximal à ponte). A pedra angular do controle de sintomas é o betabloqueador, capaz de aliviar a alteração hemodinâmica decorrente do segmento intramiocárdico. Betabloqueadores diminuem a frequência cardíaca, aumentam o tempo de enchimento diastólico das coronárias e reduzem a contratilidade – bem como a compressão do segmento intramural.

Bloqueadores dos canais de cálcio tem efeitos similares, além de promover vasodilatação, sendo especialmente indicados em pacientes com vasoespasmo concomitante. Deve-se ter cautela no uso de agentes exclusivamente vasodilatadores, como nitratos, que apesar de apresentam propriedades vasoespasmódicas, podem aumentar a constrição sistólica e vasodilatar preferencialmente os segmentos proximais ao trajeto intramiocárdico. Reservar o uso de nitratados ou outros vasodilatadores para pacientes com vasoespasmo significativo.

Tratamento intervencionista

O implante de stents no segmento intramiocárdico pode normalizar o fluxo intracoronário e resolver os sintomas, porém há preocupação com possíveis complicações (perfuração coronariana, fratura de stent, re-estenose  precoce e trombose) decorrentes do estresse sustentado ao longo do tempo. Stents bioabsorvíveis atuais não tem força radial suficiente para um bom resultado em segmentos intramiocárdicos.

As duas abordagens cirúrgicas mais utilizadas são miotomia supra-arterial e revascularização coronariana com enxertos. A miotomia pode complicar com perfuração da parede ventricular, formação de aneurisma e sangramento pós-operatório; por outro lado, há preocupação com falência do enxerto na revascularização coronariana, principalmente quando utilizada a artéria torácica interna esquerda (mamária interna esquerda) em comparação a enxertos venosos (safena) – tornando estes os enxertos preferidos. 

Há preferência pela revascularização com enxerto nos casos de segmentos intramiocárdicos muito longos (> 25mm) ou profundos (> 5mm), quando o risco da miotomia é especialmente elevado, bem como nos casos em que não há alívio completo da constrição na diástole (quando a miotomia tem menos chance de resolver os sintomas).

Conclusão

As pontes coronarianas intramiocárdicas são bastante frequentes, variáveis em extensão e repercussão hemodinâmica, podendo estar relacionadas a sintomas de angina estável, síndromes coronarianas agudas, síncope ou mesmo morte súbita cardíaca. Diversas opções de diagnóstico invasivo e não invasivo estão disponíveis, sem padrão ouro definido. O tratamento dos pacientes sintomáticos é essencialmente medicamentoso com betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio, reservando-se intervenções percutâneas ou cirúrgicas para casos refratários.

Autora: Themissa Voss ♥

Instagram: @drathemissavoss

Referências Bibliográficas

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  3. Mohlenkamp S, Hort W, Ge J, Erbel R. Update on myocardial bridging. Circulation 2002;106:2616–22.
  4. Attaran S, Moscarelli M, Athanasiou T, Anderson J. Is coronary artery bypass grafting an acceptable alternative to myotomy for the treatment of myocardial bridging? Interact Cardiovasc Thorac Surg 2013;16: 347–9


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