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Os desafios da Meningite Bacteriana em Pediatria | Colunistas

Os desafios da Meningite Bacteriana em Pediatria | Colunistas

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Entenda os desafios da Meningite Bacteriana em Pediatria: etiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamentos e possíveis complicações.

Introdução

A meningite consiste basicamente numa inflamação das meninges, camadas responsáveis por proteger o sistema nervoso central, as mais acometidas, normalmente são as leptomeninges (a aracnóide e a pia-máter), e elas envolvem tanto a medula espinhal (na coluna vertebral) quanto o cérebro (na caixa craniana).

Segundo o SINAN, sistema de informação de agravos de notificação, no Brasil, durante os anos de 2007 até 2020 mais de 260 mil casos de meningite foram confirmados, desses, quase metade foram de origem viral (mais de 120 mil casos, 46% do total), os de causa bacteriana vem logo em seguida, representando ⅓ dos casos (um pouco menos de 88 mil casos).

Por sua vez, em crianças, entre os anos de 2007 em 2022 os casos de meningite foram próximos de 130 mil, com uma preponderância maior no sexo masculino (numa proporção de 1,5:1) e com o maior número de casos na região sudeste (região mais desenvolvida e mais populosa do país) e o menor número de casos na região norte que além de ser a região menos densamente povoada é também a região menos rica, provavelmente isso facilita para um aumento na quantidade de casos não diagnosticados o que mascara os resultados da pesquisa transformando a meningite numa doença subnotificada na região em questão.

Região de notificaçãoMasculinoFemininoTotal
Norte2.7301.8564.586
Nordeste16.94810.64027.588
Sudeste41.56327.51369.076
Sul13.7248.83722.561
Centro-Oeste2.9981.9754.973
Total77.96350.821128.784
Casos confirmados por Sexo segundo Região de notificação por sexo e faixa etária. Fonte: Ministério da Saúde/SVS — Sistema de Informação de Agravos de Notificação — Sinan Net

Etiologia e fisiopatologia

A meningite bacteriana, como o nome sugere, tem sua etiologia relacionada com esses microrganismos, os mais comuns são a E. coli, Salmonella sp. Klebsiella, Streptococcus do grupo B e a Listeria monocytogenes, esses principalmente em recém-nascidos.

Naquelas crianças acima dos 2 meses de vida, em especial os lactentes (até os 2 anos) e em alguns casos pré-escolares (2 aos 7 anos), 3 bactérias são responsáveis por quase todos os casos: a Neisseria meningitidis, o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae do tipo B. Estima-se que esses 3 microorganismos sejam responsáveis por 9 em cada 10 casos de meningite de origem bacteriana em crianças nessa faixa etária.

Para um quadro de meningite se instalar em uma criança a bactéria precisa enfrentar diversas etapas, normalmente na seguinte ordem: uma infecção de vias aéreas superiores (IVA), seguida de colonização da região da nasofaríngea por aquele patógeno; a partir dessa região, vai ocorrer uma disseminação, normalmente de origem hematogênica, devido à capacidade de sobrevivência intravascular adquirida pelo patógeno, em sucessão vai ocorrer então a invasão e infecção das meninges, normalmente no espaço subaracnóide, essa infecção leva a uma resposta imune do corpo, que deflagra uma resposta inflamatória que causa efeitos colaterais graves para o indivíduo, dentre eles, se destaca o aumento da pressão intracraniana (PIC) e o surgimento de vasculites.

Outros meios de origem da infecção se dão por acesso direto as meninges, devido a trauma cranioencefálico, por infecções adjacentes, como seios da face (sinusite), meato acústico externo (otite média aguda), infecções dermatológicas na face (celulites, impetigo, acne).

Manifestações clínicas da Meningite Bacteriana em Pediatria

A tríade clássica da meningite consiste em: dor de cabeça, febre e vômitos, esses três sintomas nem sempre estão presentes simultaneamente, contudo, normalmente o quadro clínico de uma criança com meningite se inicia a partir de um dos três, essa sintomatologia pode surgir em horas ou até dias após a infecção, ocorrendo abrupta ou progressivamente, outros achados, ainda inespecíficos são: calafrios, mal-estar, mialgia e inapetência. Outros mais específicos são: fotofobia (dor ou incômodo ao olhar para a luz), raquialgia (o famoso enrijecimento da cervical), depressão do sistema nervoso central com redução do nível de consciência e em casos mais graves convulsões, essas indicam mau prognóstico e ocorrem normalmente em 1 a cada 3 pacientes.

Outros sinais de gravidade são: quadro delirante, sonolência aumentada, estado comatoso e até desenvolvimento de quadro de CIVD decorrente de sepse (coagulação intravascular disseminada).

Como é feito o diagnóstico

O diagnóstico é realizado clínica e laboratorialmente, com uso de exames complementares para um melhor manejo.

No exame físico espera-se achar: estado febril (ao toque ou aferida), rigidez nucal (com presença de dor ao realizar manobra de compressão cervical). Além disso, temos 3 sinais clássicos:

Sinal de Kernig, a criança vai estar deitada virada para cima (decúbito dorsal) e o examinador vai fletir a coxa sobre o quadril do paciente (deve-se realizar esse movimento em ambas as pernas), caso durante esse movimento ocorre uma flexão involuntária da cabeça (em direção ao tronco) ou o paciente reclamar de dor diz-se que o sinal é positivo.

Sinal de Lasègue, novamente com a criança em decúbito dorsal, o examinador levanta a perna do paciente entre 30.º e 40.º, realiza-se com ambos os membros, o sinal é considerado positivo quando o paciente refere uma dor na região lombar que se irradia para glúteos e membros inferiores

Sinal de Brudzinski, novamente com a criança em decúbito dorsal, o examinador põe sua mão sobre o peito do paciente (para imobilizar o tronco) e com a outra mão tenta fletir a cabeça do paciente em direção ao tórax, esse sinal é positivo quando o paciente refere muita dor ou então quando involuntariamente ele realiza uma flexão involuntária dos membros inferiores.

Após a suspeita clínica a conduta principal é a confirmação laboratorial isso se dá a partir de exames realizados com o líquido cefalorraquidiano (LCR), esse exame deve ser coletado quanto antes, sendo evitado apenas nas seguintes situações:

Quando o paciente apresenta sinais neurológicos focais, pressão intracraniana (PIC), elevada ou então edema cerebral. Quando o paciente apresenta uma depressão respiratória e hipotensão relevante. Quando o paciente estiver plaquetopenia, ou possua coagulopatia hereditária.

Nesses casos, antes da coleta deve-se estabilizar o paciente de acordo com o problema apresentado.

Ademais, junto a coleta do LCR é preciso coletar também sangue do paciente para realização da hemocultura, e após às duas coletas recomenda-se iniciar imediatamente o tratamento.

A coleta do líquido cefalorraquidiano, permite diferenciar os tipos de infecção do sistema nervoso central a partir de avaliação de alguns aspectos, são eles: Cor, celularidade(citologia), bioquímica (Principalmente a glicose, mas também são vistos íons cloretos, e proteína), cultura e bacterioscopia direta.

Os achados esperados em uma meningite bacteriana são: cor turva e purulenta, com uma citologia aumentada (característica de hipercelularidade de polimorfonucleares) acima de 1000 mm³, uma bioquímica com redução de glicose (menor que 30 mg) e de cloretos e aumento das proteínas (maior que 100 mL).

Tratamentos indicados para a Meningite Bacteriana em Pediatria

O tratamento da meningite bacteriana em Pediatria deve ser estabelecido em ambiente controlado, de preferência em unidades de terapia intensiva (UTI), pacientes com suspeita ou confirmação de meningite devem ficar em quartos com precaução para gotículas.

Deve-se garantir os suportes necessários para o enfermo, com boas vias aéreas, oxigenoterapia, se necessário, boa hemodinâmica, garantir hidratação e nutrição do paciente, se necessário via enteral ou para-enteral, além disso, a pressão arterial, a frequência respiratória e a frequência cardíaca devem ser mantidas sob-controle.

Para o controle da pressão intracraniana recomenda-se colocar o paciente em posição inclinada, com leve elevação da cabeça. Se necessário pode-se recorrer ao uso de manitol (um diurético osmótico). Para o controle de crises convulsivas pode-se usar fenobarbital.

A coleta do líquor e do sangue deve ser feita quanto antes e logo em seguida deve-se iniciar a antibioticoterapia empírica.

Dentre o tratamento medicamentoso existem dois pilares a antibioticoterapia que é a base do tratamento e falaremos mais a frente e a corticoterapia que auxilia em alguns parâmetros da doença, o uso dos corticoides consiste no seu efeito anti-inflamatório, uma vez que foi observado que ele traz boa resposta nas regiões inflamadas do espaço subaracnóideo, auxiliando a diminuir às áreas edemaciadas, o principal corticoide é a dexametasona, em especial nos casos de meningite pneumocócica e de meningite por haemophilus, a medicação deve ser iniciada antes ou juntamente do antibiótico e esse uso conjunto melhora os aspectos de morbimortalidade de pacientes infectados, a dose inicial é feita de forma endovenosa 4x ao dia por 2 a 4 dias.

Antibioticoterapia

A antibioticoterapia, inicialmente, é realizada de forma empírica, pois o agente causador ainda não é conhecido, faz-se uso de antibióticos que cubram a maior quantidade de bactérias prevalentes naquela faixa etária, após a cultura e o antibiograma, define-se o tratamento base.

Em neonatos prefere-se uma associação de ampicilina com cefotaxima, a primeira numa dose entre 200 a 300 mg/kg/dia a cada 6 horas e a última 200 mg/kg/dia também a cada 6 horas.

Para o tratamento em pacientes com mais de 2 meses de vida o esquema empírico é a vancomicina na dose de 60 mg/kg 4 vezes ao dia + ceftriaxona 100 mg/kg 2 vezes ao dia.

Pacientes sem melhora aparente após 48 horas de tratamento, lactentes menores de 2 meses, pacientes acometidos por streptococcus pneumoniae resistente a antibióticos, devem realizar nova coleta de líquor para avaliação e controle da infecção.

A duração do tratamento vai depender do organismo causador, o paciente com meningite meningocócica vai recorrer ao uso antibióticos por 7 dias, aqueles afetados pelo pneumococo, o tratamento dura por 14 dias, pacientes acometidos por haemophilus influenzae devem fazer uso por 10 dias e aqueles infectados por Listeria necessitam de pelo menos 21 dias de tratamento.

A quimioprofilaxia é indicada para todos os pacientes que tiveram contato íntimo com o enfermo, ela é a principal medida de prevenção e surgimentos de novos casos e surto da doença, atualmente ela está indicada para pacientes com meningite causada por H. influenzae e a droga de escolha é a rifampicina (aquela mesma lá da tuberculose) e o início da profilaxia é em até 48 horas da exposição e devendo ser usada por 2 a 4 dias (todos os contatos têm que ser monitorados pelo período mínimo de 10 dias).

OBS: Para profissionais da saúde é recomendado a profilaxia apenas para aqueles expostos a partículas e secreções respiratórias, principalmente durante procedimentos, como intubação, ou então quando compartilham o mesmo local por um período mínimo de 4 horas sem uso de máscaras cirúrgicas.

Por fim é válido ressaltar que a meningite bacteriana pode ser fatal, mas quando diagnosticada e tratada precocemente e da forma correta tem cura, ademais é uma doença de notificação compulsória obrigatória, cabendo ao médico realizar essa.

Complicações

A principal complicação da meningite bacteriana em Pediatria é a perda de audição (surdez), mas dentre outras temos: perda total ou parcial da visão, retardo mental, alterações na linguagem e alterações na motricidade e na sensibilidade.

Autor: Saulo Borges de Brito.

Instagram: @saulo_bb

Referências

1)  PEDIATRIA, Sociedade Brasileira D. Tratado de pediatria (volume 1). [Barueri – SP]: Editora Manole, 2021. 9786555767476.

2) Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.