Relação Médico-Paciente

Os desafios e demandas do atendimento médico ao público LGBTQIA+ | Colunistas

Os desafios e demandas do atendimento médico ao público LGBTQIA+ | Colunistas

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Conceitos e História da população LGBTQIA+

Junho é considerado o mês do Orgulho LGBTQIA+, em homenagem à Revolta de Stonewall, movimento de resistência à agressões policiais contra um grupo de pessoas LGBTQIA+ que ocorreram dia 28 de Junho de 1969, no bar Stonewall Inn em Nova York.

Esse marco influenciou movimentos da comunidade por todo o mundo com reinvindicações e em busca de direitos. Em 1970 foi realizada a primeira Parada do Orgulho LGBTQIA+ em homenagem ao acontecimento.

No Brasil, a primeira Conferência Nacional GLBT ocorreu em 2008, promovida pelo Governo do então Presidente Luís Inácio Lula da Silva, em que se firmou o uso do termo LGBT.

Nesse contexto é necessário entender o que significa esse termo tão diverso, para que os profissionais de saúde possam entender que mesmo dentro dessa comunidade as pessoas são diferentes e requerem demandas específicas.

Primeiramente faz-se coerente diferenciar orientação sexual e identidade de gênero. A orientação sexual diz respeito à atração afetiva ou sexual por indivíduos de sexo/gênero diferente (heterossexual), do mesmo sexo/gênero (homossexual) ou mais de um sexo/gênero (bissexual). Já a identidade de gênero é a percepção que o indivíduo tem em relação ao seu próprio gênero, podendo ser cisgênero (quem sente que seu gênero está alinhado com o sexo atribuído no nascimento) ou transgênero/transsexual (pessoa que TRANSgride e TRANScende ao gênero que nasceu). Assim, podemos conceituar:

  1. Lésbicas: Mulheres, cis ou transgêneros, que se atraem afetiva e/ou sexualmente por outras mulheres, que também podem ser cis ou trans.
  2. Gays: Homens, cis ou transgêneros, que se atraem afetiva e/ou sexualmente por outros homens, que também podem ser cis ou trans.
  3. Bissexual: Pessoas, cis ou transgêneros, que se atraem afetiva e/ou sexualmente por pessoas de ambos ou mais gêneros, que também podem ser cis ou trans.
  4. Transsexual/Transgênero: pessoa que se identifica com o gênero diferente ao que lhe foi designado ao nascimento.
  5. Queer: Quem não corresponde à heteronormatividade, seja pela sua orientação sexual, identidade de gênero, atração emocional ou pela sua expressão de gênero.
  6. Intersex: Termo geral adotado para descrever pessoas que nasceram com uma anatomia reprodutiva e sexual e/ou um padrão de cromossomos que não se ajusta às definições típicas dos sexos feminino ou masculino.
  7. Assexual: Pessoa que não sente atração física e/ou sexual por nenhum dos sexos ou gêneros.
  8. +: Outras identificações que também fazem parte da comunidade. (Ex: Pansexual)

Acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS)

No âmbito da saúde, o acesso excludente e enraizado por preconceito vai de encontro aos princípios do SUS, de garantia do direito à saúde de forma integral, respeitando suas demandas específicas.

O sistema de saúde precário e com muitos profissionais mal preparados para o atendimento fazem com que muitas pessoas optem por não utilizar os serviços de saúde por medo ou experiências passadas de agressões, discriminação social, invasão de privacidade e constrangimento. E não é por acaso. O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo.

Desafios e demandas do atendimento

Com relação aos desafios, um dos principais é o desconhecimento das demandas específicas do público LGBTIA+. A ignorância gerada pela falta de embasamento sobre a saúde desse público dificulta o atendimento. As Diretrizes Curriculares Nacionais abrangem de forma ampla a questão, mas, vale a reflexão: será que as escolas médicas e das áreas de saúde em geral promovem em suas grades acadêmicas momentos para a discussão e aprendizado sobre essa temática na prática?

O desenvolvimento de competências e habilidades técnicas e de comunicação para lidar com esses pacientes deveria ser obrigação no século XXI, no entanto, esse “gap” de conhecimento culmina na saída de muitos profissionais para o mercado de trabalho, “sem conhecimento” sobre o tema.

Dentre as demandas, duas das principais são a humanização e o acolhimento: é necessário entender que por mais que façam parte do mesmo nicho populacional, nem todos os LGBTQIA+ são iguais. As realidades são diferentes e por isso o profissional deve se capacitar para escutar, atender e exercer a educação em saúde com a maior qualidade que essas pessoas tem direito.

A capacitação da equipe desde a porta de entrada até o atendimento em sí também é pertinente principalmente para pessoas Trans, em que o uso do nome social deve ser respeitado em detrimento ao nome de registro. O fato de ser chamado por um nome na qual a pessoa não se identifica e/ou não corresponde às suas características gera constrangimento e afasta essa população ainda mais dos sistemas de saúde.

Outra questão é a invisibilidade de outras condições clínicas que não Doenças Sexualmente Transmissíveis, até porque reduzir uma população inteira e tratá-la como sinônimo de um grupo de doenças é escancarar preconceitos e retroceder à eras em que ser LGBTQIA+ era considerado doença.

No caso de pessoas Trans a hipervalorização e questionamento da genitália também é um ato de preconceito tremendo, até porque, um homem ou uma mulher hétero dificilmente serão questionados o que tem entre as pernas numa consulta de rotina com um cardiologista. Na prática, a curiosidade disfarçada e preconceito marginaliza essas pessoas que tem a sua dignidade reduzida a ter ou não pênis/vagina.

Orgulho

Por fim, é importante entender que como profissionais de saúde devemos enxergar o ser humano como um indivíduo biopsicossocial, e mesmo não fazendo parte da comunidade LGBTQIA+, você deve apoiá-la da melhor forma possível: lutando contra o preconceito e adquirindo conhecimento.

Se você é uma pessoa LGBTQIA+: ORGULHE-SE DE QUEM VOCÊ É, VOCÊ É ÚNICO, E TEM O SEU VALOR!

Agradecimentos especiais a João Hugo e Vince Wicks: homens trans.

Autor: Ian Garrido Kraychete

REFERÊNCIAS:

PANSEXUAL, QUEER, INTERSEXUAL… ENTENDA O SIGNIFICADO DAS SIGLAS E TERMOS DO GLOSSÁRIO LGBTQIA+. GRUPO L´ORÉAL – 26.06.2020. Disponível em: https://www.loreal.com.br/imprensa/not%C3%ADcias/2020/jun/pansexual-queer-intersexual-entenda-o-significado-termos-do-glossario-lgbtqia

IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL: PERSPECTIVAS LITERÁRIAS. Volume 18, Número 3 ISSN 2447-2131 João Pessoa, 2018.

Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+: 50 anos de Stonewall. Disponível em: http://paradasp.org.br/28-de-junho-dia-internacional-do-orgulho-lgbtqi-50-anos-de-stonewall/

ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Manual de Comunicação LGBT. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2015/09/Manual-de-Comunicação-LGBT.pdf

GOMES, Sávio Marcelino; SOUSA, Luciana Maria Pereira de; VASCONCELOS, Thaissa Machado  e  NAGASHIMA, Alynne Mendonça Saraiva. O SUS fora do armário: concepções de gestores municipais de saúde sobre a população LGBT. Saude soc. 27 (4) Oct-Dec 2018.

Paulino DB, Rasera EF, Teixeira FB. Discurso sobre o cuidado em saúde de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais (LGBT) entre médicas(os) da Estratégia Saúde da Família.

BRASIL. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa.   Brasília : 1. ed., 1. reimp.   Ministério da Saúde, 2013.

Viviane Tavares. Saúde da população LGBT. 2011. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/saude-da-populacao-lgbt