Anatomia de órgãos e sistemas

Pâncreas anular: um pouco sobre esta anomalia congênita | Colunistas

Pâncreas anular: um pouco sobre esta anomalia congênita | Colunistas

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Imagem de perfil de Milena Abra

O pâncreas anular é uma anomalia no desenvolvimento embrionário, onde há um anel de tecido pancreático circulando a segunda porção duodenal, podendo ser tanto uma obstrução parcial quanto total, com sintomas de obstrução intestinal alta. É considerada rara, já que sua incidência estimada é de 1:10.000-20.000 nascimentos.

Embriologia pancreática

O pâncreas se desenvolve a partir do início da 5ª semana, a partir dos brotos pancreáticos dorsal e ventral, formados por células endodérmicas que surgem a partir da porção caudal do intestino anterior.

Disponível em: Embriologia Clínica, Capítulo 11: O Aparelho Digestório| Moore, Keith L.; Persaud, T.V.N.; Torchia, Mark G.

O broto dorsal maior desenvolve a maior porção pancreática. O broto ventral menor se desenvolve perto da entrada do ducto biliar.

O broto ventral forma o processo uncinado e uma parte da cabeça do pâncreas; conforme os brotos se fundem, seus ductos se anastomosam.

À medida que o duodeno gira para a direita e assume a forma de um “C”, o broto ventral se dirige à região posterior, onde se funde ao broto pancreático dorsal. No caso de pâncreas anular, o broto ventral envolve o duodeno durante sua migração, antes de se fundir ao broto dorsal, resultando em um anel pancreático que causa estenose/obstrução duodenal.

A e B: mostram a base provável de um pâncreas anular. C: um pâncreas anular que circunda o duodeno. Este defeito congênito produz obstrução completa (atresia) ou obstrução parcial (estenose) do duodeno

Caso haja inflamação no pâncreas anular, pode ser que se desenvolva uma obstrução duodenal. Mais recorrente em meninas do que em meninos.

Fisiopatologia

A anomalia, em que a cabeça do pâncreas envolve toda a circunferência do duodeno como um anel, é esporádica, contudo, é possível que ocorra geneticamente e nestes casos aparentemente é autossômica dominante.

O pâncreas anular pode ser foco de pancreatite crônica; entre 40% a 70% dos casos está associado a outras anormalidades congênitas, como a síndrome de Down, divertículo de Meckel, má rotação intestinal, anormalidades cardíacas, fístula traqueoesofágica e atresia duodenal.

Sinais e sintomas

A patologia possui sintomas de obstrução duodenal ou biliar, porém as apresentações clínicas são variáveis, sendo que, no período neonatal e no início da infância, temos predominantemente a obstrução intestinal alta.

Já no pré-natal, é comum a presença concomitante de polidrâmnio e, após o nascimento, vômitos com bile e distensão abdominal acabam sendo os principais sintomas.

Vômitos intermitentes, infecção respiratória de repetição e retardo de crescimento são as queixas mais comum na infância.

Algumas crianças permanecem assintomáticas durante todo desenvolvimento, manifestando a doença somente na fase adulta; nesta fase, os sintomas podem sugerir quadros de obstrução gastrointestinal alta, pancreatite crônica, úlcera péptica ou obstrução biliar, sendo, assim, a queixa mais frequente dor abdominal.

Exames para diagnóstico

Radiografia abdominal: nela podemos encontrar o sinal da “dupla bolha”, o qual indica obstrução duodenal.

Ultrassonografia: primeiro usado na investigação de dor abdominal em crianças, esta pode revelar um duodeno distendido por líquido; também pode-se notar a segunda porção duodenal encarcerada pelo tecido pancreático.

Tomografia computadorizada: pode ser visto o tecido pancreático envolvendo o duodeno.

Laparotomia: pode identificar obstrução duodenal por pâncreas anular ao nível da 2ª porção e presença de membrana mucosa neste segmento.

Vale ressaltar que, apesar dos exames e da clínica, os quais podem sugerir diagnóstico de pâncreas anular, o diagnóstico definitivo só é firmado durante a intervenção cirúrgica.

A: radiografia do abdome mostrando distensão gasosa no estômago e duodeno, com pobreza de gás distalmente, caracterizando o sinal da “dupla bolha”. B, C: ultrassonografia do abdome demonstrando o tecido pancreático (cabeças de setas em B) envolvendo parcialmente o duodeno (setas em C). D: fotografia obtida durante laparotomia confirmando a presença do tecido pancreático (setas) envolvendo o duodeno
Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-39842019000400275&script=sci_arttext&tlng=pt

Tratamento

Atualmente, para o tratamento cirúrgico, é preferível o uso da duodenotomia, transversal no segmento duodenal proximal dilatado e longitudinal no segmento distal afilado, com posterior anastomose duodenoduodenal.

Em adultos pode ser feita a ressecção do anel pancreático associada ou não à duodenoplastia.

Há, além disso, o tratamento dos sintomas em crianças, que consiste na derivação: duodeno jejunal, gastrojejunal ou duodeno duodenal.

Vale lembrar que não se faz mais a secção do anel, devido à ocorrência de pancreatites e fístulas duodenais em incidência proibitiva.

Considerações finais:

  • Doença congênita rara;
  • Sua origem embriológica se dá entre a 5ª e 7ª semana da gestação;
  • Patologia ocorre devido a uma falha na rotação dos dois brotos pancreáticos – ventral e dorsal –, mas especialmente o ventral;
  • A clínica é caracterizada por vômitos com bile e distensão abdominal, resultante da dilatação gástrica, devido à obstrução alta;
  • Por ser em muitos casos assintomática, muitos indivíduos acabam descobrindo que possuem tal patologia já adultos e acidentalmente;
  • Para que o diagnóstico seja confirmado, deve-se fazer laparotomia exploratória;
  • O tratamento é cirúrgico.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências:

Embriologia Clínica, Capítulo 11: O Aparelho Digestório| Moore, Keith L.; Persaud, T.V.N.; Torchia, Mark G.

BOGLIOLO; Patologia. 9. ed. RJ: Koogan, 2016. p. 860/860.

ROHDE, M. K. S. A. B. O. J. C. S. F. E. E. T. C. S. L. D. S. F. L. Pâncreas anular – ressecção pancreática ou derivação duodenal. Scielo: revista da associação médica brasileira, SP, v. 1, n. 50, 2004. Disponível: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302004000100039.

Piglia, E. B. M. D. et al. Principais achados radiológicos no pâncreas anular. Scielo: radiologia brasileira, SP, v. 52, n. 4, july/aug 2019. Disponível: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-39842019000400275&script=sci_arttext&tlng=pt.

Rodriguesi, R. M. A. P. R. et al. Pâncreas anular- um caso clínico. Scielo Portugal: nascer e crescer. Porto, v. 22, n. 2, abr. 2013. Disponível: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872-07542013000200008.