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O pâncreas anular é uma anomalia no desenvolvimento embrionário, onde há um anel de tecido pancreático circulando a segunda porção duodenal, podendo ser tanto uma obstrução parcial quanto total, com sintomas de obstrução intestinal alta. É considerada rara, já que sua incidência estimada é de 1:10.000-20.000 nascimentos.
Embriologia pancreática
O pâncreas se desenvolve a partir do início da 5ª semana, a partir dos brotos pancreáticos dorsal e ventral, formados por células endodérmicas que surgem a partir da porção caudal do intestino anterior.

O broto dorsal maior desenvolve a maior porção pancreática. O broto ventral menor se desenvolve perto da entrada do ducto biliar.
O broto ventral forma o processo uncinado e uma parte da cabeça do pâncreas; conforme os brotos se fundem, seus ductos se anastomosam.
À medida que o duodeno gira para a direita e assume a forma de um “C”, o broto ventral se dirige à região posterior, onde se funde ao broto pancreático dorsal. No caso de pâncreas anular, o broto ventral envolve o duodeno durante sua migração, antes de se fundir ao broto dorsal, resultando em um anel pancreático que causa estenose/obstrução duodenal.

Caso haja inflamação no pâncreas anular, pode ser que se desenvolva uma obstrução duodenal. Mais recorrente em meninas do que em meninos.
Fisiopatologia
A anomalia, em que a cabeça do pâncreas envolve toda a circunferência do duodeno como um anel, é esporádica, contudo, é possível que ocorra geneticamente e nestes casos aparentemente é autossômica dominante.
O pâncreas anular pode ser foco de pancreatite crônica; entre 40% a 70% dos casos está associado a outras anormalidades congênitas, como a síndrome de Down, divertículo de Meckel, má rotação intestinal, anormalidades cardíacas, fístula traqueoesofágica e atresia duodenal.
Sinais e sintomas
A patologia possui sintomas de obstrução duodenal ou biliar, porém as apresentações clínicas são variáveis, sendo que, no período neonatal e no início da infância, temos predominantemente a obstrução intestinal alta.
Já no pré-natal, é comum a presença concomitante de polidrâmnio e, após o nascimento, vômitos com bile e distensão abdominal acabam sendo os principais sintomas.
Vômitos intermitentes, infecção respiratória de repetição e retardo de crescimento são as queixas mais comum na infância.
Algumas crianças permanecem assintomáticas durante todo desenvolvimento, manifestando a doença somente na fase adulta; nesta fase, os sintomas podem sugerir quadros de obstrução gastrointestinal alta, pancreatite crônica, úlcera péptica ou obstrução biliar, sendo, assim, a queixa mais frequente dor abdominal.
Exames para diagnóstico
Radiografia abdominal: nela podemos encontrar o sinal da “dupla bolha”, o qual indica obstrução duodenal.
Ultrassonografia: primeiro usado na investigação de dor abdominal em crianças, esta pode revelar um duodeno distendido por líquido; também pode-se notar a segunda porção duodenal encarcerada pelo tecido pancreático.
Tomografia computadorizada: pode ser visto o tecido pancreático envolvendo o duodeno.
Laparotomia: pode identificar obstrução duodenal por pâncreas anular ao nível da 2ª porção e presença de membrana mucosa neste segmento.
Vale ressaltar que, apesar dos exames e da clínica, os quais podem sugerir diagnóstico de pâncreas anular, o diagnóstico definitivo só é firmado durante a intervenção cirúrgica.

Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-39842019000400275&script=sci_arttext&tlng=pt
Tratamento
Atualmente, para o tratamento cirúrgico, é preferível o uso da duodenotomia, transversal no segmento duodenal proximal dilatado e longitudinal no segmento distal afilado, com posterior anastomose duodenoduodenal.
Em adultos pode ser feita a ressecção do anel pancreático associada ou não à duodenoplastia.
Há, além disso, o tratamento dos sintomas em crianças, que consiste na derivação: duodeno jejunal, gastrojejunal ou duodeno duodenal.
Vale lembrar que não se faz mais a secção do anel, devido à ocorrência de pancreatites e fístulas duodenais em incidência proibitiva.
Considerações finais:
- Doença congênita rara;
- Sua origem embriológica se dá entre a 5ª e 7ª semana da gestação;
- Patologia ocorre devido a uma falha na rotação dos dois brotos pancreáticos – ventral e dorsal –, mas especialmente o ventral;
- A clínica é caracterizada por vômitos com bile e distensão abdominal, resultante da dilatação gástrica, devido à obstrução alta;
- Por ser em muitos casos assintomática, muitos indivíduos acabam descobrindo que possuem tal patologia já adultos e acidentalmente;
- Para que o diagnóstico seja confirmado, deve-se fazer laparotomia exploratória;
- O tratamento é cirúrgico.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
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