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Paralisia recorrente isolada do sono: classificação e aspectos clínicos | Colunistas

Paralisia recorrente isolada do sono: classificação e aspectos clínicos | Colunistas

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Introdução

Hodiernamente é amplamente conhecido dentro da comunidade científica e – mesmo na comunidade leiga – a importância que o sono carrega e as consequências à saúde que a ausência de um sono adequado pode trazer, tanto que o sono é um dos tópicos explorados mesmo na anamnese quando se avalia o paciente de forma holística.

Mas o leitor pode se questionar: como definir o sono? Como explica Laíse de Lima em seu artigo “Sono na atenção primária”, o sono nada mais é do que uma condição fisiológica da atividade cerebral humana. E pode ser dividido em dois padrões fundamentais: o sono REM (Rapid Eye Movement) e o sono NREM (Não-REM). Esses padrões quando explorados mais a fundo são melhor caracterizados: o sono NREM, por exemplo, pode ser subdividido de acordo com a profundidade do sono em N1, N2 e N3. O sono REM por sua vez ocorre quando há predominância colinérgica pelo aumento do metabolismo cerebral. 

Nesse sentido, as condições patológicas que alteram o sono podem afetar esses dois padrões e são dessa maneira divididas (doenças que afetam o sono REM e o sono NREM) e dentre eles, uma dessas situações que cursam com profundo impacto socio funcional dos pacientes, levando inclusive ao desenvolvimento de psicopatologias como ansiedade é a paralisia do sono. Desejo a você leitor uma boa leitura!

Parassonias

Dentre os distúrbios do sono, as parassonias figuram como “eventos físicos ou experiências indesejáveis que ocorrem durante o início do sono, durante sua manutenção ou em associação ao despertar” (DE LIMA, 2021). Que podem se apresentar de forma primária ou decorrente a algum outro distúrbio funcional – secundária. Assim como as demais patologias do sono, classificam-se de acordo com o estágio do sono em que se manifestam, sendo ditas: parassonias do sono não REM (NREM), parassonias do sono REM, ou outras parassonias (quando elas não têm relação com os estágios de sono).

Abordando primeiramente sobre as parassonias não REM (NREM), estas são mais prevalentes em crianças, podendo persistir até a vida adulta. Normalmente caracterizam-se pela manifestação na fase de ondas lentas e assim ocorre majoritariamente durante o primeiro terço da noite. As parassonias não REM são classificadas – segundo a Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono – em: alterações do despertar (despertar confusional, sonambulismo e terror noturno) e alterações alimentares associadas ao sono Quanto aos aspectos clínicos, os pacientes geralmente apresentam as denominadas características de vigília: olhos abertos, movimentos corporais complexos e interação com o ambiente, podendo também apresentar características específicas de tal estágio do sono NREM, como: amnésia, redução do nível de consciência ou tempo de resposta lentificados. 

Agora, focando na que é de interesse neste artigo, as parassonias REM – de forma autoexplicativa – ocorrem durante o sono REM. Nesta etapa, ocorrem movimentos oculares rápidos (que nomeiam tal fase) e atonia muscular decorrentes de alta dessincronização dos potenciais de ação neuronal. Assim, são exemplos das parassonias desse estágio: a paralisia do sono, o pesadelo e o distúrbio comportamental do sono REM. Clinicamente, geralmente são de curta duração e movimentos não padronizados.

Imagem 1 – Classificação das Parassonias
Fonte: NEVES, G. S. M. L. (2017, p. 20)

Parassonias Relacionadas ao sono REM e suas Características Clínicas

Como dito anteriormente, as parassonias são definidas como “eventos físicos ou experiências indesejáveis que ocorrem durante o início do sono, durante sua manutenção ou em associação ao despertar” (DE LIMA, 2021). São divididas entre aquelas que ocorrem na fase não REM e na fase REM – quando há alta dessincronização dos potenciais de ação neuronal -, sendo exemplos dessas últimas: a paralisia do sono, o pesadelo e o distúrbio comportamental do sono REM. 

 Devido às características do estágio do sono em que ocorrem, as manifestações clínicas mais comuns deste grupo são as comportamentais do sono REM, definidas por: maneiras anormais de ação durante este estágio do sono que podem cursar com lesões. Somado a isso, quando abordamos exames de imagem, pode-se observar certas anormalidades na eletromiografia do mento e na polissonografia-PSG (falta de atonia do mento). É importante sabermos também que tal condição se associa a outras situações bem definidas a depender da idade em que se apresenta:

  • Na infância: associa-se com narcolepsia-cataplexia, tumores do tronco cerebral ou uso de medicamento antidepressivo
  • Na fase adulta: associa-se com neurodegeneração da sinucleína (falha autonômica pura, atrofia sistêmica múltipla, Doença de Parkinson, demência com corpos de Lewy) e neurodegeneração não relacionadas à sinucleína (demência frontotemporal, esclerose lateral amiotrófica, Doença de Alzheimer, amiloidopatias, ataxia espinhal do tipo 3, Coréia de Huntington, paralisia supranuclear progressiva, taupatias e narcolepsia).
Imagem 2 – Características Clínicas das Parassonias de Fase REM Fonte: NEVES, G. S. M. L. (2017, p. 35)

Paralisia Recorrente Isolada do Sono

Abordando diretamente a patologia título do artigo, a paralisia do sono (PS) trata-se de uma parassonia do estágio REM e é definida como: episódios de incapacidade de se mover ou falar ao adormecer ou acordar temporárias e que não são melhor explicados por outros distúrbios do sono (por exemplo, a narcolepsia), efeitos de medicamentos ou outras substâncias. Dentro das paralisias do sono, as mais frequentes clinicamente são as paralisias do sono isoladas e recorrentes (PSIRs), condição que ocorre de forma isolada em diversos momentos isolados (pelo menos dois a cada seis meses) e se associa a angústia clinicamente significativa (ansiedade e/ou medo relacionado ao quarto/sono).

Quando se questiona sobre a epidemiologia, observa-se que a prevalência da PSIR é de 7,6%, sendo maior entre os estudantes (28,3%) e mulheres. Além destes fatores de risco, outros podem ser destacados como: a má qualidade ou privação do sono, patologias psiquiátricas concomitantes (ansiedade, pânico ou transtorno de estresse pós-traumático) e traços de personalidade ansiosos. Clinicamente, os episódios de PS podem ocorrer no momento do despertar (estado hipnopômpico), sendo um ponto de diferença com a paralisia associada à narcolepsia – um diagnóstico diferencial-, na qual o evento está associado intrinsecamente ao início do sono (estado hipnagógico).  Em relação aos eventos, observa-se que ocorrem em maior frequência naqueles pacientes que deitam em posição supina, embora o motivo seja desconhecido. Os sinais e sintomas característicos são: alucinações, pressão no peito e sensação de estrangulamento.

Relaciona-se ainda com tal condição, acontecimentos traumáticos, ansiedade e personalidades ansiosas, ao pânico e ao transtorno de estresse pós-traumático. O tratamento de tal condição perpassa por algumas estratégias, tais como: evitar a privação de sono e identificar os fatores precipitantes de tais crises, somado ao uso de antidepressivos tricíclicos e inibidores seletivos da recaptação de serotonina em casos de alta frequência dos episódios e a terapia cognitivo-comportamental.

Conclusão

Concluindo, em resumo as parassonias são definidas como “eventos físicos ou experiências indesejáveis que ocorrem durante o início do sono, durante sua manutenção ou em associação ao despertar” (DE LIMA, 2021) e divididas entre aquelas que ocorrem na fase não REM e na fase REM, sendo a paralisia do sono inclusa nessas últimas. Podem ocorrer no momento do despertar e acomete mais estudantes, sexo feminino, má qualidade ou privação do sono, patologias psiquiátricas concomitantes e traços de personalidade ansiosos. Os sinais e sintomas característicos são: alucinações, pressão no peito e sensação de estrangulamento. O tratamento inclui estratégias específicas somado ao uso de antidepressivos tricíclicos e inibidores seletivos da recaptação de serotonina e a terapia cognitivo-comportamental.

Com esse artigo espero ter conseguido demonstrar a importância de tal condição para a prática clínica médica diária e como conhecer esses tópicos facilitam e orientam nossa conduta médica frente a essas situações e em diagnósticos diferenciais. Espero que eu tenha contribuído para melhorar seu atendimento clínico e sua prática médica diária! Bons estudos, querido(a) leitor(a)! 

Autor: Claudio Afonso Caetano Pereira Peixoto

Instagram: @claudioafon

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências

DE LIMA, Laíse Koenig et al. Sono na atenção primária. Boletim do Curso de Medicina da UFSC, v. 7, n. 2, p. 27-32, 2021.

NEVES, G. S. M. L.; MACÊDO, P. J. O. M.; GOMES, Marleide da Mota. Transtornos do sono: atualização (1/2). Revista Brasileira de Neurologia, v. 53, n. 3, p. 19-30, 2017.

NEVES, Gisele S. Moura L.; MACEDO, Philippe; GOMES, Marleide da Mota. Transtornos do sono: atualização (parte2/2). Revista Brasileira de Neurologia, v. 54, n. 1, p. 32-38, 2018.

RAMOS, Daniela Figueiredo et al. PARALISIA DO SONO RECORRENTE-MEDO DE DORMIR. Revista Paulista de Pediatria, v. 38, 2019.

SATEIA, Michael J. International classification of sleep disorders. Chest, v. 146, n. 5, p. 1387-1394, 2014.
DA COSTA, Lílian Neves Ribeiro. A INFLUÊNCIA DA ANSIEDADE NO DISTÚRBIO DA PARALISIA DO SONO SOB O OLHAR DA TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 7, n. 3, p. 169-181, 2021.