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Paraplegias espásticas hereditárias (HSP/SPG) | Colunistas

Paraplegias espásticas hereditárias (HSP/SPG) | Colunistas

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As paraplegias espásticas hereditárias (HSP/SPG) são um grupo de doenças variadas que possuem em comum seu caráter neurodegenerativo e o acometimento principal dos neurônios que compõem o trato piramidal. Os pacientes apresentam, na forma clássica, sintomas que incluem espasticidade e perda de força em membros inferiores. 

É possível classificar as HSP de diferentes formas, quanto ao seu fenótipo ou ao padrão de herança, por exemplo. No presente artigo, classificaremos esse grupo de doença no que tange ao fenótipo apresentado, de forma que as HSP podem ser divididas em HSP pura (ou não complicada) e HSP complicada. Ao final, veremos brevemente os diagnósticos diferenciais mais importantes.

HSP puras ou não complicadas

As paraplegias espásticas hereditárias puras são aquelas em que, apesar da progressão contínua de sintomas como espasticidade e perda de força em membros inferiores, outros sistemas não costumam ser afetados. Pode haver, de forma eventual, disfunção urinária e polineuropatia, mas o quadro raramente afeta a expectativa de vida do paciente. Além disso, incomuns são os casos de necessidade de uso de cadeira de rodas para locomoção, por exemplo. As principais HSP puras são a paraplegia espástica hereditária tipo 4 e a paraplegia espástica hereditária tipo 3A, das quais falaremos em mais detalhes a seguir.

A paraplegia espástica hereditária tipo 4 (SPG 4), é uma doença autossômica dominante relacionada à mutação no gene SPAST. Apresenta características clínicas muito heterogêneas, assim como diferença de penetrância em pacientes distintos. Apesar do início ser possível em praticamente qualquer faixa etária, é mais comumente vista em adultos jovens. O achado principal é a perda de força em membros inferiores, que ocorre em concomitância com sinais de liberação piramidal, a saber:

  • Clônus sural;
  • Hiperreflexia;
  • Presença de sinal de Babinski.

Além disso, cerca de 30% dos pacientes apresentam distúrbios esfinctéricos, assim como possível perda de sensibilidade vibratória. Em relação ao diagnóstico, salienta-se a importância do achado de atrofia da medula espinhal em exames de imagem.

A paraplegia espástica hereditária tipo 3A (SPG 3A), por sua vez, é uma doença autossômica dominante que se dá por mutação no gene ATL1. Diferentemente do tipo anterior, a SPG 3A é bastante homogênea, sendo geralmente composta por sintomas de progressão lenta e simétrica. Os sintomas comumente começam por volta dos 4 anos de idade, mas podem ocorrer em faixas etárias extremas, como no período neonatal e na vida adulta, em casos mais raros. É possível encontrar, nessa patologia, sintomas não neurológicos, dentre os quais destacam-se o pé cavo e a escoliose, assim como manifestações atípicas, que envolvem uma série de alterações neuropsiquiátricas pouco vistas na maioria dos casos.

HSP complicadas

As paraplegias espásticas hereditárias complicadas, por sua vez, se caracterizam pela junção dos sintomas de perda de força e espasticidade de membros inferiores com anormalidades de ordem sistêmica e neurológica, como declínio da cognição, problemas visuais e atrofia muscular. Portanto, a expectativa de vida do paciente é afetada, em grau que varia de acordo com o quadro clínico específico. A qualidade de vida, ademais, é afetada de forma mais intensa que no tipo HSP pura. As principais HSP complicadas são a paraplegia espástica hereditária tipo 7, as paraplegias espásticas hereditárias tipos 11 e 15 e a paraplegia espástica progressiva com atrofia óptica e neuropatia axonal, detalhadas a seguir.

A paraplegia espástica hereditária tipo 7 (SPG 7) é uma doença heterogênea relacionada à mutação no gene PGN. Essa paraplegia pode ser tanto pura quanto complicada, a depender das características das quais é composta. Em relação à idade de início, é mais comum entre 30 e 45 anos, apesar de poder ocorrer em crianças e idosos também. Em relação aos seus sintomas, destaca-se o caráter simétrico e progressivo da paraplegia e a presença de:

  • Alterações no esfíncter urinário;
  • Presença de ataxia cerebelar;
  • Possível presença de alterações oftalmológicas, como a ptose.

Por fim, seu diagnóstico é corroborado pelo achado de atrofia cerebelar no exame de imagem.

A paraplegia espástica hereditária tipo 11 (SPG 11) e a paraplegia espástica hereditária tipo 15 (SPG 15) são descritas em conjunto devido ao fato de decorrerem de alteração no mesmo gene, o ZFYVE26. A diferença, portanto, reside no fato de que a SPG 11 é uma mutação heterozigota, enquanto a SPG 15 é homozigota. 

Assim, enquanto na SPG 11 ocorre associação da paraplegia espástica complicada com neuropatia axonal e acometimento pseudobulbar (que acarreta sintomas como disfagia e disartria), a SPG 15 é caracterizada principalmente por síndrome de Kjellin, na qual estão presentes o declínio da cognição, a degeneração da retina e a amiotrofia distal, além dos sintomas clássicos da paraplegia espástica. Em ambos os tipos, ademais, pode haver presença de outros sintomas, a depender do caso clínico em questão.

A paraplegia espástica progressiva com atrofia óptica e neuropatia axonal (SPOAN), por sua vez, é uma doença autossômica recessiva resultante de deleções homozigóticas que ocorrem no gene KLC2. Seu início geralmente é precoce, sendo o paciente acometido pelos primeiros sintomas antes dos 10 anos de idade na maioria dos casos. Além da paraplegia espástica progressiva, podem ser vistos:

  • Neuropatia axonal de ordem mista (acometendo tanto sensação quanto motricidade) do tipo progressiva;
  • Atrofia óptica do tipo congênita;
  • Disartria;
  • Amiotrofia distal etc.

Principais diagnósticos diferenciais

O estabelecimento de diagnósticos diferenciais é imprescindível para que a prática clínica ocorra de forma ampla e proporcione o melhor tratamento ao paciente. Assim, é necessário pensar em uma série de diagnósticos diferenciais, especialmente nos casos em que a história clínica corrobora com causas não genéticas e quando a história familiar é incerta. 

Assim, deve-se pensar nos seguintes diagnósticos diferenciais para a população infantil:

  • Paralisia cerebral;
  • Leucodistrofias;
  • Síndrome de Arnold-Chiari;
  • Distonia dopa-responsiva etc.

Em adultos, por sua vez, é preciso pensar em diagnósticos adicionais, como doenças do neurônio motor, infecções sexualmente transmissíveis e deficiência de vitaminas.

Autor(a) : Aliscia Dal Pra Wendt – @alisciawendt

Referências:

CIARLARIELLO, V. B. et al. Paraplegias espásticas hereditárias (HSP/SPG). In: BERTOLUCCI, P. H. F. et al. Neurologia: diagnóstico e tratamento. Editora Manole, 2021, cap. 77, p. 888-898.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.